Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Uma nova transição para as empresas mudarem de modelo assente nos baixos salários. Mais apoios, sim, mas que reduzam custos efectivos de produção
A direcção da principal confederação patronal aceita que o valor do salário mínimo proposto pelo Governo é baixo, mas é o condizente com a indústria portuguesa.
"Nós sabemos que 475 euros, ou mesmo 500 euros em 2011, é baixo", afirmou em entrevista ao PÚBLICO o vice-presidente da CIP e candidato único a presidente da confederação, nas eleições de Janeiro próximo. "Não sabemos como é que alguém, estando a vida como está, vive até com 500 euros, quanto mais com 475 euros. Mas é igualmente verdade que os sectores económicos em que são praticados - têxtil e vestuário, alguma cerâmica, alguma metalurgia - foi assim que assentaram o seu modelo de desenvolvimento. Não nos esqueçamos como são as empresas portuguesas, qual a sua dimensão, quais as suas características".
"A maior parte dessas empresas vende mão-de-obra. Não há valor acrescentado, tecnologia, inovação, conhecimento que é o novo desafio que temos pela frente. É lamentável, mas é a realidade que temos. Uma coisa é o que desejávamos que fosse, outra coisa é aquilo que existe de facto. Temos que sair deste modelo de desenvolvimento para o outro modelo. Mas isto não se faz carregando no botão". Há necessidade de "alguns equilíbrios e alguma razoabilidade. Claro que as empresas têm de elevar-se, sim, até sob pena de poderem desaparecer. Mas esta transição tem de ser feita de forma gradual e com apoios". E nesse capítulo, os organizados pelo Governo são uma "falácia" porque "chega pouco" às empresas que precisam. "Há muitos filtros que decantam a ajuda", afirma.
Na sua opinião, o Estado deveria intervir para reduzir custos de produção - matérias-primas, financeiros ou energia. Nisso concorda com o secretário-geral da CGTP (ver entrevista em baixo) e considera que há margem para uma consonância, uma nova atitude no terreno.
A CIP critica a ideia formada de que rompeu um acordo firmado em 2006 e agora não pretende aumentar o salário mínimo. "Em rigor, não é assim", diz António Saraiva. "Quando assinámos em 2006, o Governo indicava que a economia ia ter um crescimento na ordem dos 2,5 por cento. Lamentavelmente não se verificou". Depois, deveria ter havido um trabalho técnico de uma comissão tripartida que o Governo nunca convocou. "Quando o primeiro-ministro anuncia o valor de 475 euros para 2010, fê-lo consciente - pelo que nos transmitiu - que esse valor não estava definido, mas que o Governo, numa política de combate à pobreza e preocupações sociais, resolveu seguir a lógica proposta pelos sindicatos" de repartir ao meio o que faltava atingir em 2011. Como se estava em 450 euros em 2009, aumentava-se 25 euros em 2010. "E o Governo esqueceu o que estava negociado e os indicadores económicos". A CIP contrapropôs 460 euros. Ou seja, igual ao aumento real das pensões. "Dá 460 euros. Obviamente que quando temos uma preocupação meramente de cariz social, este é o valor".
Quanto à reunião de amanhã, não espera muito, mas não abre o jogo. "Não vou esconder que, tendo o primeiro-ministro anunciado no Parlamento os 475 euros, dificilmente tem margem para baixar. Temos consciência disso". Mas espera um retorno. "Sem ter muitas expectativas, ainda admitimos que o Governo, reflectindo nesta nossa argumentação, possa encontrar uma forma de entendimento. Se tal não acontecer" - ou seja, se o Governo aplicar "por decreto" o asumento para em 2010 - "não poderemos deixar de cumprir, mas depois cada um retirará as suas ilações".