C.L., in Jornal de Notícias
Ana, Rita e Pedro (nomes fictícios) não se conhecem. Mas têm algo em comum: lágrimas contidas ao lembrar a primeira vez que foram buscar uma refeição a um restaurante na qualidade de desempregados.
Não pagam para comer, enquanto não recuperarem a sua vida financeira. Beneficiar da Rede de Restaurantes Solidários - uma das medidas de resposta à crise activadas pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira - é uma enorme ajuda. E uma enorme dor.
Ana tem 37 anos, um filho de 12. É divorciada. Vive com 180 euros por mês. Perdeu o emprego há quatro anos. Sentada à mesa do Sitius, restaurante que assegura as suas refeições, Ana está rodeada de pessoas que lembram a vida que já teve. "Sinto uma grande impotência. Mas, com esta ajuda, eu e o meu filho já comemos peixe e carne. Assim, posso comprar fruta ou queijo de vez em quando".
O seu maior obstáculo para arranjar trabalho é uma doença degenerativa, que limita as opções. Quando está pior, "é o meu filho que me veste e me calça e tem que ir buscar a refeição", o que, para um menino de 12 anos, é "um constrangimento".
No caso de Rita, o que a afasta de um emprego é a idade. Tem 44 anos "e tanto para dar". O desemprego e problemas familiares mergulharam-na numa tristeza profunda. Os amigos desapareceram. "Não compreenderam que já não podia ir jantar fora, por exemplo". Agora, "janta fora" todos os dias. E, apesar de uma gratidão sem medida, não sente prazer nisso. "Sempre fui independente", diz. Os restaurantes procuram agradar ao gosto do seu filho, cujo crescimento não saiu ileso da depressão da mãe. "Tem 20 anos e quase não sai de casa, porque tem medo", revela. Medo que a mãe tente, outra vez, pôr fim à vida.
Pedro, por seu turno, já conseguiu resgatar a esperança. Em breve, deixará as refeições solidárias e, graças à empresa que a Divisão Social da autarquia ajudou a viabilizar, também resgatará a sua vida familiar. Aos 48 anos, conta que "tinha uma vida estável, até que senti o impacto de ter que comer sem pagar".