por Martim Avillez Figueiredo, in iInformação
O problema de procurar respostas para a pobreza é acreditar que numa delas está a solução. E procurar na ideologia esse bilhete premiado
Há 2 milhões de pobres em Portugal. Isto quando se adicionam apoios sociais do Estado aos seus fracos rendimentos: sem subsídios, são 4 milhões de portugueses que vivem com menos de 360 euros por mês. Impressionante? Estes números não servem para nada. Isso: não servem para nada - a frase, dura como ácido, valeu um prémio Nobel a Amartya Sen.
Para este indiano conhecido como a Madre Teresa da Economia, a pobreza não se afere pela existência de um ou mais dólares na carteira de cada um. O dinheiro importa, claro, mas para medir as necessidades que não se conseguem pagar com esse dinheiro. Parece a mesma coisa, mas não é: o que Sen mede é aquilo que cada pessoa consegue atingir com determinado nível de rendimento. Há gente a quem a falta de dinheiro não impede de se tornar rica - como existem crianças que nascem ricas e acabam pobres. Porquê?
A resposta valeu o prémio Nobel da Economia a Amartya Sen em 1998, mas nem ele ficou satisfeito com ela: a pobreza ou a ausência dela depende das circunstâncias em que vive cada pessoa, da sua genética, da sorte, dos seus pais, do clima, da roupa que usa, da voz que tem, das emoções que transmite e de um conjunto impressionante de outras possibilidades que salvam uns mas condenam outros.
E é por isso que as respostas políticas são quase sempre insuficientes - podem estar certas, mas nunca acertam em tudo. Desesperante? Na verdade, não.
Amartya Sen sabia bem que não tinha visto o filme todo. Outros, no Ocidente, chegaram a conclusões muito parecidas com as dele. O que o distingue é a fé que (não tendo nada que ver com Deus) lhe permite dizer assim: todas as tentativas são boas mas só a soma de todas elas permite ir solucionando o problema. E acrescentar: a soma é infinita e exige uma disponibilidade permanente para a inovação na busca de soluções diferentes. Por isso parece tão interessante a ideia de Kishore Mahbubani, o tal economista de Singapura que quer entregar a cada habitante com emprego da sua cidade-estado a responsabilidade por um outro conterrâneo sem emprego. Boa ideia, má ideia? O que Sen explica é mais simples: todas as ideias são boas e nenhuma ideologia particular, ao contrário do que parece por vezes convicção geral, encerra em si todas as respostas.
Em Portugal, onde os números que não servem para nada impressionam (quatro em dez portugueses são potencialmente pobres), os políticos ainda vivem na convicção (de discurso, pelo menos) de que as suas respostas podem solucionar o problema - em vez de criarem um departamento com um nome deste género: Instituto Nacional da Busca Permanente de Ideias para o Combate à Pobreza. Parece ingenuidade, ou presunção, ou pode ser visto apenas como mais uma possibilidade. Uma, não a única.
Para a semana vai conhecer-se o Orçamento do Estado e logo a seguir arranca a campanha eleitoral (não oficial) que decidirá se o próximo ocupante de Belém será Cavaco Silva ou Manuel Alegre. A pobreza será assunto - qual dos dois candidatos quererá olhá-la como esta janela gigante que nunca se fecha?