por Abel Coelho de Morais, in Diário de Notícias
Especialistas e ONG advertem para os problemas que esperam uma sociedade física e psicologicamente ferida.
"Temos feito coisas que em nenhum outro lugar seriam aceitáveis", afirmou ontem um médico português presente em Port-au-Prince ao descrever as condições de trabalho e as cirurgias mais comuns - amputações - efectuadas aos "milhares nos primeiros dias devido à catástrofe", segundo referiu, por seu lado, um porta-voz da Organização Mundial de Saúde.
O que se está a fazer no Haiti é "medicina de guerra", explicou Pedro Cristovão, um dos médicos da equipa do INEM. Devido às características dos ferimentos e aos meios disponíveis, a amputação é a única opção. Milhares e milhares de haitianos perderam um braço ou uma perna por efeito directo do desabamento de edifícios. Outros tantos viram ser amputado um dos seus membros, esfacelado e a gangrenar, após passarem vários dias entre os escombros. "São impossíveis intervenções técnicas complexas que permitiriam salvar um membro; nestas condições, as amputações são inevitáveis", explicou a directora da ONG Handicap International, que trabalha com este tipo de vítimas. A escolha é entre a amputação ou a morte.
O sismo, sublinhou aquela responsável, não tirou só a vida a perto de cem mil pessoas, segundo os últimos números oficiais, criou um outro tipo de vítimas - amputados, paraplégicos e tetraplégicos - "que vão multiplicar-se entre a população haitiana", com as respectivas sequelas psicológicas.
Vítimas do sismo de há duas semanas são também as crianças, que perderam as famílias e as casas a 12 de Janeiro. Dezenas de milhar de menores ficaram órfãos e reduzidos a viver nas ruas. "É fundamental envolvermos as pessoas mais próximas, aquelas que conhecem as crianças, se não conseguirmos encontrar a mãe, o pai, os tios ou outros familiares", explicou a dirigente da Worldwide Orphans Foundation, Jane Aronson. "Colocar centenas de milhar de crianças em campos de refugiados não é a solução. Só irá causar doenças, depressão e morte. Uma boa solução seria se os países vizinhos do Haiti ajudassem as crianças a encontrarem o que elas precisam": uma família e uma casa.
Para fazer face ao desafio de reconstruir o Haiti e, por extensão, aos problemas humanos resultado da catástrofe, foi acordada a realização de uma conferência internacional de ajuda a realizar-se em Março, em Nova Iorque. A decisão saiu da reunião realizada segunda-feira em Montreal, em que participaram União Europeia, Estados Unidos, Canadá, França, Brasil, o Banco Mundial, o FMI, além de outras países e organizações regionais.
O primeiro-ministro canadiano, Stephen Harper, afirmou que é necessário "investir a longo prazo" no Haiti; a comunidade internacional tem, pelo menos, "dez anos de trabalho pela frente", sublinhou aquele governante.