por Luís Maneta, in Diário de Notícias
Decisão do Tribunal de Coimbra é rara, mas devia ser "mais praticada", defendem associações.
Isabel, que durante vários anos foi vítima de violência doméstica, vai receber uma indemnização do ex--marido no valor de 10 mil euros por danos não patrimoniais.
A decisão, pouco comum em Portugal, foi tomada no passado dia 6 no Tribunal da Relação de Coimbra, tendo os juízes considerado que a "longa duração e repetição das lesões físicas e morais, ameaças e humilhações causadas" a Isabel, de 40 anos, tinham de ser compensadas. Isto, segundo o acórdão daquele tribunal, a que o DN teve acesso, e que condena o agressor, Manuel, a três anos de pena suspensa.
A decisão é "pouco usual" nos tribunais portugueses, reconhece o director executivo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), João Lázaro. "Pode servir de exemplo" para outras situações, diz, acrescentando que o "acórdão pode ajudar a fixar valores de indemnização para vítimas de violência doméstica".
Até porque a violência doméstica está a aumentar de ano para ano. Em 2009, pelo menos 28 mulheres morreram devido a agressões domésticas e a APAV contabilizou 18 mil denúncias. Apesar disso, são poucos os agressores deti- dos - dos mais de dez mil inquéritos que chegaram ao Ministério Público desde Setembro de 2007, só existiam 12 presos preventivos por violência doméstica, no início do ano passado.
Por isso, o responsável da APAV considera a decisão da Relação de Coimbra importante, apesar de "não ser caso único": "O mais habitual" é o processo chegar ao fim com uma "simples" condenação a pena suspensa.
Desta vez, não foi o caso. Manuel e Isabel casaram em 1990. Os dois filhos nasceram pouco depois, tal como as discussões domésticas. As brigas sobem de tom e começam a ser "resolvidas" com agressões em 2005. Apesar dos murros e pontapés, Isabel não procurou ajuda médica por "recear" a reacção do marido e para "proteger" os filhos.
Manuel também costumava insultar a esposa e ameaçá-la de morte. Às vezes na presença de familiares. A 1 de Janeiro de 2005, o homem inicia uma discussão, frente aos sogros, e sai de casa. Isabel foi atrás. Regressaria passadas horas, com hematomas no corpo e na face e com a blusa rasgada.
Receando pela vida, a vítima refugiou-se em casa dos pais, durante dois anos. A "reconciliação" deu--se em 2007, depois de Manuel ter prometido "mudar de comportamento". Mas, um mês depois, a promessa dava de novo lugar à violência, tendo Isabel, por duas vezes, dormido com os filhos no interior de um automóvel.
O casal separa-se em 2007, o que não acalmou a "ira" de Manuel. "Não brinques comigo, já sabes o que sou capaz de fazer", ameaçou, enquanto agarrava a ex--mulher numa rua de Tomar, à frente do filho de 11 anos.
No recurso para a Relação, a defesa desmentiu os maus tratos, considerando "estranho" que Isabel nunca tivesse procurado tratamento hospitalar ou manifestado intenção de se divorciar. Mas a decisão dos juízes foi clara: através das declarações de Isabel, percebeu-se que tinha passado por "muita mágoa e sofrimento".