28.1.10

"Zero de aumento é mesmo zero!

por António Perez Metelo e Rudolfo Rebêlo, in Diário de Notícias

É um ministro das Finanças fatigado, depois de uma longa maratona negocial e técnica para a apresentação do Orçamento do Estado de 2010, que insiste com inusitada ênfase na necessidade de conter a despesa pública. Sem margem para quaisquer despesismos, nacionais ou regionais.

Salários da função pública: relativamente a essa matéria, já disse ontem que haverá aumentos zero. Isso significa que não vai haver variação nominal?

Não há variação nominal.

Nem admite, como no passado, um pequeno aumento para as remunerações abaixo de mil euros?...

Não. E eu sou muito franco no meu ponto de vista quanto a essa matéria.

Então não vai haver negociação?

Vai haver negociação, há outras matérias!

Mas não para salários?

Iremos, obviamente, falar com os sindicatos e expor as razões desta nossa proposta. Mas eu gostaria de dizer o que penso quanto a estas variações diferenciáveis: eu creio que, se nós compararmos a estrutura de vencimentos na administração pública com aquilo que é prática nos restantes sectores da nossa economia, constatamos que as diferenças são maiores nos quadros superiores do que nos outros sectores ou nas outras carreiras da administração.

Achava negativo que o leque salarial na função pública se reduzisse?

Não, acho que seria penalizadora para o posicionamento dos altos quadros em comparação com outros sectores da actividade económica, o que dificultaria a possibilidade de o Estado atrair e manter esses quadros.

Mas com aumento zero para todos esse problema não se mantém?

Sim, mas é diluído. Eu não quero uma administração pública que só seja capaz de atrair porque tem salários mais atractivos, os quadros menos qualificados ou os níveis inferiores da carreira. Não quero introduzir esse factor de distorção nos incentivos que devem existir na administração...

Há que cortar na despesa, porque já não há margem de manobra na receita?

Ainda bem! Ainda bem, o que eu acho é que nós temos de concentrar-nos no controlo da despesa e isso obriga-nos a centrar a nossa atenção no lado da despesa.

Carregam-se mais as tintas do lado da despesa?

Do lado da despesa, com certeza! O que eu quero dizer é que temos de adoptar uma estratégia de consolidação centrada na despesa e não contando, à partida, com aumentos de impostos e agravamento de impostos para resolver o problema.

Mas isso é, palavra por palavra, o discurso dos partidos à direita do Partido Socialista...

Este foi o discurso do Governo socialista também no passado e é o que eu estou agora a dizer, se calhar de uma forma mais enfática, porque também acho que a conjuntura exige que seja um pouco mais enfático.

Mas os partidos à direita não o pressionaram nestas rondas negociais para ir mais longe no corte da despesa?

Não, de forma alguma. Eu não quero obviamente revelar pormenores, mas poderia dizer que fiquei com a impressão de que este corte em um ponto percentual, foi um pouco para além daquilo que eles esperariam.

Não foi possível chegar a um acordo para o CDS-PP votar a favor porque as suas propostas representavam um agravamento de mil milhões de euros na despesa?

Não, não tem a ver com esses valores. Não confirmo isso, era muito abaixo.

Então porque é que não foi possível chegar a um acordo?

Por duas questões: o aumento das pensões mínimas e a descida do pagamento especial por conta foram pontos a que o CDS deu grande prioridade. Mas estes acabariam por ter um impacto financeiro significativo. No quadro de finanças públicas que vamos ter pela frente, que é exigente em redução da despesa, com muita disciplina, com as consequências que sabemos no limite salarial da função pública, não podemos dar sinais que são contraditórios. A descida do pagamento especial por conta de forma acentuada, comprometendo uma parte significativa da receita, ou o assumir de encargos adicionais de forma permanente, como no caso das finanças regionais, enquadra-se neste tipo de problemas.

O que impede os partidos à direita, no debate da especialidade do OE, de colocar em cima da mesa exactamente estes pontos?

Espero que os impeça o sentido de responsabilidade e bom senso que é preciso ter.

E se, mesmo assim, o fizerem, o que fará o ministro das Finanças?

Não vale a pena estar agora a especular. Nas conversas que tive com eles, acho que fui muito claro.

Ao ponto de pôr em causa a governação e abrir uma crise política?

Eu não tenho nada a acrescentar ao que lhes disse a eles e depois disse publicamente.

Mas o problema está em aberto?

Sim, com certeza que está, mas os sinais penso que até agora denotam, apesar de tudo, alguma sensibilidade e parece que o apelo que fiz há dois dias não caiu em saco roto. Registo com agrado o espírito de compromisso dos últimos dias, que considero animador.