Nuno Miguel Ropio, in Jornal de Notícias
Combate ao défice poderá agravar problemas mentais , bolsas de pobreza e desregular EstadoSocial. Especialistas alertam que ainda não vimos tudo e que o pior poderá estar para surgir
Tristeza, desespero e pobreza podem ser as consequências das medidas de austeridade do Governo, que, em último caso, descambarão em nacionalismos exacerbados e até em implicações na saúde pública. A classe média será particularmente sensível a tais efeitos.
Parecem estar nos últimos dias a histeria e o consumo desenfreado dos portugueses, iniciados nos anos de 1990, como se não houvesse um amanhã. A síndrome do "centro comercial" e dos padrões de vida à laia do que "não é, mas gostava de ser", estão agora a desembocar num refrear dos gastos.
Os tempos de incógnita, quanto ao aperto doloroso imposto pelo Estado, conduzirão a um sentimento de ansiedade generalizada. E, daí, até ao descontentamento social, políticas antiliberais e ultranacionalismos - segundo analistas das massas sociais - poderá ser um pequeno passo colectivo. Aliás, a força dos nacionalistas na Suécia e Holanda ou as políticas francesas de migração são disso um exemplo.
Para o psicólogo social João Manuel Oliveira, as medidas contra o défice "podem implicar, aliadas aos cortes de benefícios sociais, a perpetuação de situações de exclusão social e de alargamento de bolsas de pobreza".
"Há grupos mais susceptíveis, como sejam as mulheres, os idosas ou pessoas com níveis escolares mais baixos", refere o investigador do Birbeck College da Universidade de Londres. Quanto às reacções? "Podem ser variadas, com implicações na saúde, em particular na saúde mental. Nomeadamente nas depressões e nas adições", responde.
Não sendo a primeira vez que os portugueses se deparam com a sua debilidade económica, a actual conjuntura de crise pode potenciar os seus sentimentos de "tristeza, melancolia e desespero". "Agrava, ainda mais, o ciclo negativo em que certos sectores da população se podem encontrar. Além de retardar as possibilidades de reagir à situação", sublinha.
Classe média a mais atingida
João Madeira, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, aponta as principais vítimas da austeridade anunciada pelo Governo: "As classes médias. São sensíveis a este tipo de políticas, que afectam directamente estatutos adquiridos recentemente".
"A crise financeira de 1929 levou ao fortalecimento da corrente autoritária. Não estamos em situação igual mas vemos pressões transnacionais a colidir com a estrutura liberal das democracias", compara o historiador.
"Medidas duríssimas levam ao aumento do desemprego e são exploradas por uma classe política com menos escrúpulos, como se passa em França, onde com os ciganos, não sendo um problema directamente decorrente, se procura criar espaço perante uma situação de desencanto e descontentamento", diz, frisando que se assiste à "tentativa de desregulação do Estado Social e de direitos civilizacionalmente adquiridos a partir do final da II Guerra Mundial".
O presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, padre Jardim Moreira, acredita que "a sociedade civil portuguesa não está a saber reagir às medidas anunciadas, porque não percebeu o seu impacto". "Estamos perante o princípio do fim de um sistema, que já deu sinais que a preocupação é o lucro e não o combate à exclusão social, coadjuvado por um poder político cego", defende.
Certo é que, perante a falta de memória da entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal, em 1983, para salvar o país da bancarrota, a preocupação do futuro próximo é transversal aos portugueses, independentemente da idade, profissão ou credo (ler páginas seguintes).