in Jornal de Notícias
Falta de vagas na rede obriga Estado a enviar vítimas para pensões, sem qualquer apoio
Catarina fugiu dos maus-tratos na hora errada. Corria risco de vida, mas não havia vagas nas casas-abrigo existentes. Passou quatro meses fechada no quarto de uma pensão a chorar. Sem apoio psicológico, apenas com cama e comida.
Todos os meses, Carla Branco, presidente da Associação de Defesa dos Interesses e da Igualdade das Mulheres (ADDIM) recusa pedidos da Segurança Social para alojar mulheres e crianças vítimas de violência doméstica.
"Custa-nos muito dizer que não porque sabemos que vão para pensões, onde não têm qualquer apoio, o que as leva a desistir e a regressar ao agressor por falta de alternativas", resume a líder da ADDIM, recordando que só em Agosto foi obrigada a recusar 15 pedidos.
"Há fases do ano em que não há vagas para colocar mulheres, infelizmente, é frequente isso acontecer", reconhece Daniel Cotrim, responsável pela supervisão das casas-abrigo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Nesses casos, acrescenta, "ficam alojadas em pensões e em residenciais até haver disponibilidade".
"As pensões não têm o mínimo de condições, não são uma resposta adequada", afirma, por sua vez, a directora técnica do Centro de Atendimento da UMAR, no Porto. Ilda Afonso entende que as casas-abrigo existentes são suficientes, mas muitas estão ocupadas por mulheres que precisavam de outro tipo de soluções que não existe. "Se tivessemos respostas intermédias como, por exemplo, apoio para poderem ter uma casa com o mínimo de condições, muitas mulheres não precisavam de estar numa casa-abrigo", argumenta Ilda Afonso.
Na semana em que foi lançado o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica, num ano que já leva quase quatro dezenas de mortes e milhares de agressões, a realidade mostra que há um longo caminho a percorrer para combater este fenómeno.
Em todo o país contam-se 36 casas-abrigo integradas numa rede oficial, para onde a Segurança Social, os hospitais e a Polícia reencaminham mulheres em risco de vida. Mas há mais equipamentos deste género, a que o Estado recorre constantemente, embora não as reconheça como casas-abrigo. É o caso do espaço da ADDIM.
"Acolhemos mulheres reencaminhadas pela Segurança Social, mas o Estado não nos reconhece como casa-abrigo e, por isso, não nos apoia financeiramente", denuncia Carla Branco. "Queríamos recuperar dois edifícios que nos foram cedidos para podermos receber mais 10 mulheres, mas não temos verba", critica.
A casa da ADDIM não cumpre os requisitos legais para ser uma casa-abrigo. "São quase tão exigentes como os de um hotel. Estas mulheres não precisam de uma copa e uma cozinheira, precisam de apoio psicológico e jurídico, de alguém que as ajude", critica Carla Branco.
Daniel Cotrim fala em contra-senso: "O Estado, que tem a obrigação de monitorizar estes espaços, cria as regras e depois é o primeiro a não cumpri-las".
Além de uma casa-abrigo, a ADDIM tem um centro de atendimento, que disponibiliza acompanhamento psicológico, social e jurídico a centenas de mulheres. Já foi aprovado, mas também nunca recebeu qualquer apoio financeiro.