in Diário de Notícias
Margarida Marques, chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal, diz que sem a Estratégia de Lisboa "a situação na Europa seria bastante pior". A Estratégia Europa 2020 para a próxima década quer aumentar a empregabilidade para 75% da população activa
Enfrentar "os desafios do relançamento ou sofrer uma perda permanente de riqueza" é o dilema da Estratégia Europa 2020. Após 60 anos de construção europeia, como se chegou a este paradoxo?
O crescimento da economia nas duas últimas décadas foi posto em causa pela crise. Em 2009, o PIB da União Europeia decresceu 4%, a produção industrial retrocedeu aos níveis dos anos 1990 e o desemprego afecta 23 milhões de pessoas. Mesmo com o esforço dos Estados na perspectiva da consolidação orçamental, o défice dos países é em média de 7% e a dívida ultrapassa os 80%. O dilema é estimulante: ou a UE é capaz de enfrentar colectivamente o desafio ou continuamos a realizar reformas a um ritmo lento e de forma descoordenada, arriscando a perder a riqueza e a ter uma taxa de crescimento lenta. A Estratégia 2020 é no sentido de enfrentar os desafios de longo prazo: a globalização, a pressão sobre os recursos e o envelhecimento da população na perspectiva de compensar as perdas recentes e criar condições para uma recuperação digna e que estimule as economias.
A Estratégia de Lisboa também apostava no crescimento através do conhecimento e na modernização do modelo social. Que outros factores, além da crise a partir de 2008, nos deixaram tão distantes das metas anteriores?
A crise é de facto a responsável. Se nós não tivéssemos a Estratégia de Lisboa - se os objectivos não tivessem sido perseguidos pelos Estados membros da UE no campo da inovação, da macroeconomia, da ciência, da consolidação orçamental e das finanças públicas -, a situação na Europa seria bastante pior. Apesar de tudo, as economias conseguiram suportar o impacte da crise, que por sua vez mostrou que há aspectos estruturais das economias que precisam de ser mudados.
O documento Europa 2020 afirma que a crise expôs as fragilidades estruturais da UE. Quais são elas?
Eu gostaria de falar das potencialidades da UE, que são os seus recursos humanos, as suas competências, e a base industrial e tecnológica. Há um campo, o das infra-estruturas, no qual são necessários investimentos contínuos, fundamentais para o crescimento da economia e para o desenvolvimento das pessoas.
Com a pressão das economias emergentes, a Europa precisa de uma política industrial, a exemplo da política agrícola?
Há cada vez mais iniciativas no âmbito da política industrial. Um dos campos de acção é o dos apoios às PME, com a criação de um ambiente legislativo que possibilite uma base competitiva quer no interior da UE quer nas relações externas e comerciais com as diferentes regiões. As PME têm um peso importantíssimo, quer em termos de empregos ou de valor. Efectivamente, nos países e a nível europeu, existem entraves administrativos importantes, designadamente quando se fala na dimensão da internacionalização das empresas. Outro aspecto do desenvolvimento de uma política industrial é a inovação, a capacidade de transformá-la em produtos, valores e serviços.
A UE investe menos em I&D do que o Japão e os Estados Unidos, sobretudo devido aos níveis inferiores do sector privado.
Há o compromisso dos países em investir 3% do PIB em I&D, o que exige esforço por parte do investimento público e privado. Penso que esse esforço tem sido feito, inclusive em Portugal.
Entre as metas está aumentar a empregabilidade para 75% da população activa da UE. Os objectivos inserem-se num quadro de assimetrias entre os 27, que levam a crer serem possíveis de atingir nos países ricos. São palpáveis no contexto da UE?
Transformar a UE numa economia inteligente, sustentável e inclusiva, com um nível elevado de emprego que promova a coesão social é a questão central da Estratégia Europa 2020. Há cinco objectivos quantificados: no campo da empregabilidade; do investimento em I&D; em matéria de clima e de energia; na redução do abandono escolar; no aumento dos diplomados no ensino superior e na redução do risco de pobreza. Os países partem de situações diferentes, daí que tenha sido fixada uma metodologia de trabalho de cooperação entre os Estados membros e entre estes e as intituições europeias. Até Abril, os Estados terão de apresentar os seus Programas Nacionais de Reforma, que incluem as suas políticas para atingir os objectivos e onde se fixam as metas nacionais. As instituições europeias irão apreciar os relatórios de execução e os seus progressos. Sublinho o esforço no desenvolvimento de iniciativas emblemáticas da UE que contribuem para as metas, como a de criar condições de acesso ao financiamento para a investigação e a inovação a agenda digital para a aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação nas mais diversas áreas.
Qual será a segunda parte da agenda da flexissegurança apontada pela Europa 2020?
Já referimos que nem todos os países são iguais. Flexibilidade não significa desemprego e segurança significa a capacidade de as pessoas obterem e assegurarem o seu emprego. Em momento algum se propõem aos Estados mudanças no que diz respeito às suas legislações de trabalho. Cada Estado deve definir a sua.
Nos relatórios das instituições europeias observa-se uma contínua censura aos Estados pelas suas dificuldades em aplicar as directivas. Qual o entrave dos países em cumprir com as orientações?
As instituições europeias não censuram os Estados membros, fazem recomendações. São fixados objectivos para os Estados e estes comprometem-se a atingi-los. As recomendações são neste sentido e resultam também de uma partilha de boas práticas a partir de soluções para problemas que já foram superados por outros Estados. Muitas vezes as pessoas sentem como censura, mas é uma coordenação concertada das políticas económicas, sociais e orçamentais. Eu acho que não há dificuldade técnica em transcrever, há um problema político que resulta sobretudo da diversidade das instituições dos 27 Estados membros. Há contextos constitucionais e legislativos que exigem um esforço para se incorporar os princípios no quadro nacional; é um esforço técnico e também político.
A estratégia aponta para o reforço do envolvimento dos parlamentos nacionais na sua execução. Estes são mais participativos?
O Tratado de Lisboa aumentou a participação dos parlamentos nacionais no processo de decisão a nível europeu, e isso reforça o funcionamento democrático da UE. A tradição é que os governos ouçam os parlamentos nacionais antes e depois da realização dos conselhos europeus, que tenham em conta as posições dos parlamentos e dos partidos. Penso que tem acontecido.
Prevêm-se sanções financeiras para os Estados que não cumpram as metas de défice e da dívida pública. Não é uma contradição?
O que está em causa é uma exigência de rigor. As sanções que existirem serão acordadas, são os Estados que aceitarão a sua existência de sanções em relação aos objectivos. O que é fundamental é que, a existirem sanções, estas sejam acordadas entre os países e executadas em condições que não os prejudiquem.
Os países ricos estão disponíveis para modificar as suas políticas em função das economias mais frágeis?
A coordenação económica foi acordada, o que significa que todos estão dispostos. Mas há uma outra dimensão que são as perspectivas financeiras. Vai-se discutir no próximo ano o modelo orçamental da UE, quer as fontes de finaciamento quer as prioridades na despesa. A questão do aumento do orçamento europeu estará em discussão. É muito importante atingir-se os objectivos da Estratégia Europa 2020 e as prioridades políticas devem estar centradas no bem-estar dos cidadãos.