por Céu Neves, in Diário de Notícias
As condições degradantes em que vivem alguns ciganos em Portugal têm sido motivo de queixa junto do Conselho da Europa. Acusam o País de segregar e de discriminar a comunidade. Estivemos em bairros com as piores condições sociais e que motivaram denúncias. Quisemos perceber porque é que vivem nas periferias das cidades e das aldeias, em zonas industriais e de difícil acesso, acantonados, alguns paredes meias com animais. Falámos com os ciganos e com os técnicos que com eles trabalham. Deram-nos a imagem de uma comunidade com costumes, hábitos, e defeitos, enfim, com uma cultura muito própria. São sobretudo os que vivem nos meios rurais que resistem à mudança. Mas, também, referiram a percepção negativa que deles tem a população em geral, que consideram a maior culpada. E as medidas em defesa da comunidade cigana não dão votos. Antes pelo contrário!
Habitação
Estragam as casas? São maus vizinhos?
Vivem entre 50 mil e cem mil ciganos em Portugal, é a estimativa oficial. Podem ser muitos mais. Constituem família cedo e têm mais de quatro filhos em média por casal. Vivem em comunidade, em barracas ou habitações sociais, na periferia das cidades ou aldeias, em terrenos pouco rentáveis e junto às zonas industriais. Sem condições. São motivo de queixa no Conselho da Europa. As medidas que poderiam apoiá-los não dão votos. Eles fecham-se numa concha de tradições e costumes. Meia culpa?
"Há culpas de parte a parte, mas a maior responsabilidade é dos não ciganos. Não lhes são dadas oportunidades. Fiz um inquérito às entidades locais, centros de saúde, Segurança Social, etc., e deram todos respostas negativas. Dizem que eles são culpados da situação, que não querem integrar-se, que estragam as habitações, que sujam tudo, que respondem mal", explica Lídia Mestre, assistente social há 18 anos, dos quais oito como técnica na Câmara da Vidigueira.
Trabalha com uma população mais rural, que não passou pela escola e tem falta de informação. Defende-os: "Os serviços marginalizam-nos descaradamente. E acho que eles adquirem certos hábitos para se defenderem. As pessoas alugam casa a toda a gente menos aos ciganos. E, quando conseguem alugar uma, os vizinhos acabam por constatar que se enganaram."
Lídia Mestre tem na mente António Cabeças, 28 anos, que foi mediador municipal. Com um horário de funcionário público e um vencimento a rondar os 800 euros. Permitiu-lhe tirar a família, Maria Amélia, de 36, e o filho, o Gabriel, de três, do acampamento onde moravam no Castelo, à saída da Vidigueira. Duas assoalhadas por 250 euros mensais que, agora, vai ter dificuldade em pagar. "É a nossa casinha, os vizinhos gostam de nós, isto é muito melhor", conta a mulher. Conseguiu que mais duas famílias alugassem casa na cidade.
Apesar dos elogios da assistente social, a autarquia não renovou o contrato de um ano a António, embora o salário seja pago pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, a entidade promotora do projecto. Os responsáveis autárquicos não explicaram ao DN qual foi o motivo da dispensa.
António Cabeças morava numa barraca feita de tábuas de madeira e folhas de zinco. Um acampamento iniciado há 21 anos pela avó Maria Emília Cabeças, 73 anos. E que cresceu ao mesmo ritmo que a família de Emília: dez filhos vivos, um faleceu. Os rapazes trouxeram as raparigas, como é tradição. Juntaram-se as famílias Cabeças e Azul.
As crianças brincam no terreiro junto às barracas, os adolescentes tratam dos cavalos, as mulheres lavam a loiça na rua, os homens conversam. No Inverno, a hora do jantar recua conforme o pôr do Sol. Não têm electricidade e têm de comer enquanto é dia.
"Foi o antigo presidente que deu este terreno. A CEE [UE] mandou dinheiro para se fazer um bairro e nunca mais veio esse dinheiro", protesta Maria Emília, enquanto mostra um papel que atesta a doação.
Quinze famílias residem na periferia do concelho, 60 pessoas que só têm uma "boca de água" à entrada do acampamento. "Depois dizem que os ciganos cheiram mal, cheiram a fumo... não temos condições, nem sequer água, as casas estão estragadas e o lixo amontoado", protestam. E respondem que sim, que fariam melhoramentos nas habitações se lhes dessem material. Até que António Azul, 61 anos, exclama: "Como? Se não sou carpinteiro?"
Ângela Ramos vive num bairro social, das Pedreiras, em Beja, que se revelou uma desilusão. "Fiquei muito contente, não cuidava que era assim. As casas na vila não são caras, mas ninguém nos aluga", lamenta.
Leia o resto da reportagem:
Nómadas: Não se fixam? Andam sempre com a casa às costas?
Educação: Não gostam de estudar? Não aprendem?
Família: Não convivem com os outros? Só se dão entre eles?
Trabalho: Não querem trabalhar? Vivem do rendimento mínimo?
Cultura: Têm valores próprios? Não querem integrar-se?