31.7.19

Precariedade: “Só conheço um arquitecto com contrato. São casos excepcionais”

Mariana Durães (Texto) e Nelson Garrido (Fotografia), in Público on-line

Portugal é o segundo país europeu com mais arquitectos e é também onde os profissionais deste sector ganham menos. Diogo Veloso, de 29 anos, ainda não fez o estágio de acesso à Ordem — todas as propostas eram não remuneradas. Equaciona emigrar, ainda assim assume-se como um “privilegiado”. Um testemunho na primeira pessoa, construído a partir de entrevista.


“Comecei a estudar arquitectura na Covilhã e estive lá até aos 20 anos, altura em que deixei o curso. Fui trabalhar: trabalhei dentro e fora da área, como desenhador ou num hotel canino, mas nunca me separei por completo da arquitectura. Com 22 anos, decidi que queria voltar a estudar e ingressei na Universidade Lusíada do Porto. Comecei a abrir horizontes, participei num voluntariado organizado pela Casa da Arquitectura e quando voltei a Viana do Castelo, no final do curso, fui chamado para trabalhar na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, como assistente em tempo parcial, onde ainda estou.

Fui simultaneamente procurando estágio de acesso à Ordem dos Arquitectos. Mas ainda não o fiz porque todas as propostas que tive eram não remuneradas. Acredito que este não seja um problema inerente à arquitectura, mas sim um problema cultural, porque em todas as áreas o estágio de acesso à Ordem não é remunerado, excepto no internato de Medicina.

Cheguei a ter propostas, nomeadamente em Lisboa, de 200 ou 300 euros por mês. Em Lisboa. Eles justificavam que eram ajudas de custo, que não era propriamente um salário. Mas sempre tive muita dificuldade em dialogar nessas condições. A minha proposta era sempre associar o estágio de acesso à Ordem ao estágio do IEFP. Mas sempre que eu falava no estágio do IEFP, os ateliers fugiam. Nos estágios para a Ordem há essa tendência de ficarmos ali um ano a fazer trabalho gratuito e isso faz-me um bocado de confusão, principalmente agora que tenho outras coisas em mãos.
Precariedade na arquitectura
Um estudo encomendado pela Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos diz que os arquitectos portugueses ganham, em média, 1000 euros brutos por mês, quando a média europeia ronda os 2840 euros. Portugal é o país com mais profissionais neste sector per capita, são 2,2 per capita (23 mil inscritos na Ordem) — rácio apenas superado pela Itália. No panorama nacional, os arquitectos ganham um terço do que ganham os licenciados noutras áreas com a mesma idade.

Entretanto surgiu-me uma oportunidade: comecei a trabalhar com um empreiteiro durante a semana e mantive o trabalho na Casa da Arquitectura ao fim-de-semana. A remuneração é muito acima do habitual. É a recibos verdes, de qualquer das formas, porque ainda estou no terceiro mês experimental. Mas o meu patrão, o Sr. António, paga-me bastante bem para o que é a média, os tais 1000 euros [brutos] de que o estudo da Ordem fala. Ele paga-me mais do que isso por 35 horas semanais, das quais eu acabo por não despender totalmente.


Eu fui um privilegiado. Quando fui chamado para este trabalho aconteceu-me o contrário do habitual: o meu patrão perguntou-me quanto é que eu achava que merecia e ofereceu-me mais. A minha experiência até agora sempre foi o contrário. Já tive uma entrevista para um estágio onde me ofereciam dois euros à hora em regime de exclusividade. E onde me disseram que ‘o que não falta são arquitectos’.

A perspectiva mínima para este trabalho que estou a fazer agora era de três meses, mas dado o interesse mútuo em investir neste projecto o Sr. António pretende ter-me lá de forma mais permanente. Para já não sinto necessidade de ir para a Ordem porque não preciso de assinatura para o trabalho que estou a fazer, que é como desenhador. Mas também não é do interesse dele ter-me a longo prazo sem poder assinar projectos. Então fez-me uma sugestão: ele conhece alguns escritórios que não se importam de me acolher no atelier deles. Ele continua-me a pagar à parte e assim faço o estágio à medida que vou trabalhando no projecto deste empreendimento. É assim uma situação sui generis, não é um processo de todo habitual. Isto tudo é estratagema para tentar fugir à precariedade.

No país dos arquitectos, a precariedade é a lei
Muitos dos meus colegas da Casa da Arquitectura, para fugir a tudo isto, enveredaram por outros caminhos. Tenho uma colega que está a tirar Museologia e Património, outra que estagiou durante nove meses e agora está a fazer curadoria em Belas Artes. Tenho outro amigo que também se formou pela Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e agora está a tirar Economia na Lusíada. Vamos conseguindo fazer estas estratégias paralelas. Mas de certa forma estamos todos a fugir da arquitectura.

Alguns dos meus colegas da universidade enveredaram pelo caminho normal. Uns estão a recibos verdes enquanto não começam o estágio, outros estão a fazer o estágio de forma não remunerada ou muito pouco remunerada e outros estão a concluir o estágio e à procura de outros gabinetes para trabalhar. Porque muitas vezes acontece isso: faz-se o estágio à Ordem e no fim o gabinete não está interessado ou não tem espaço para ter lá a pessoa.

Conheço uma pessoa que está contratada. São casos excepcionais e mesmo quando têm um contrato de um ou dois anos tentam investir de forma paralela na sua empresa ou no seu escritório. Porque mesmo tendo contrato, não são os contratos como antigamente, que são sem termo. Falamos sempre de contratos de curta duração, de um ano ou dois anos. Que nos dá alguma flexibilidade para o futuro, se quisermos emigrar ou assim, mas não nos dá estabilidade para comprar uma casa, por exemplo.

Ir lá para fora é uma opção para mim. Porque 1000 euros brutos, a média em Portugal, são cerca de 750 líquidos. Pondo as coisas nestes termos é muito complicado, principalmente para quem ingressa por uma universidade privada, em que metade iria para propinas. Portanto, só para compensar o investimento... demora algum tempo. Quanto mais comprar carro, comprar casa…

E quando começamos a ver Áustria, Holanda e percebemos quanto é que recebe um arquitecto lá ficamos com outra perspectiva. Talvez fosse para a Holanda, por uma questão cultural. Lá a profissão de arquitecto é valorizada de forma diferente. E não sei se isso se é por causa da demasiada oferta que nós temos, ou da pouca procura, mas a nossa profissão acaba por se tornar demasiado medíocre. Aqui acho muito difícil deixar de precisar de ter alguma coisa que subsidie a arquitectura.

Neste momento, em Portugal, estamos a fazer arquitectura do pladur, do gesso cartonado, de fábrica. Os gabinetes estão a despachar os projectos e é por isso que a mão-de-obra é tão barata. Os projectos também não podem sair bons: os clientes pagam pouco, os honorários são muito reduzidos, os ateliers depois também têm de pagar pouco aos colaboradores e os colaboradores têm de fazer os projectos com mais rapidez e com menos qualidade. A partir do momento em que há horas extraordinárias não remuneradas, as pessoas ficam no escritório das 9h à meia-noite muito dentro de um espírito ditatorial… Se nós estamos cansados, a própria arquitectura vai ser frágil.
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Quem são os arquitectos portugueses que estão entre os mais promissores da Europa?

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Ainda assim, trabalhar fora da arquitectura não me passa pela cabeça. Comecei a perceber que a arquitectura é completamente multidisciplinar e posso actuar em várias frentes. Neste momento eu estou na Casa da Arquitectura, que é uma veia mais cultural, expositiva, curatorial; tenho o projecto da revista Dédalo, onde há a vertente mais jornalística, e agora tenho este trabalho de construção de projecto. Ou seja, há pelo menos estas três frentes que se ramificam em muitas outras. E acho que isto é o bonito da arquitectura e foi por isso que eu investi tanto nela. Também ambiciono fazer investigação. Vou concorrer, talvez depois do estágio, a bolsas de doutoramento, para continuar o estudo que fiz na minha dissertação sobre um tipo de casas rurais do Porto. E acho que a arquitectura tem este espaço de manobra para conseguir fazer o que me interessa.”
Artigo corrigido às 12h43. Não existe exame de acesso à Ordem dos Arquitectos, como estava escrito, por lapso, na entrada.
tp.ocilbup@searud.anairam

Mais de um quinto dos trabalhadores recebia o salário mínimo até abril

in Notícias ao Minuto

Percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional ficou nos 22,4% nos primeiros quatro meses do ano, de acordo com os dados revelados esta quarta-feira pelo Ministério do Trabalho.

A percentagem de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional (SNS) ficou nos 22,4% nos primeiros quatro meses do ano, ou seja, até abril, de acordo com dados revelados pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, esta quarta-feira.

Os números mostram que esta taxa diminuiu, tanto em comparação com 2018 como com 2017, mas há uma diferença adicional, de acordo com a tutela:
"Desde há três anos que, nas comparações homólogas, se tem vindo a reduzir progressivamente o peso dos trabalhadores com remuneração igual ao SMN no total do emprego criado. Nos primeiros quatro meses de 2019, só 7% do crescimento homólogo do emprego ficou a dever-se ao aumento do número de trabalhadores com remuneração equivalente ao SMN", pode ler-se num comunicado a que o Notícias ao Minuto teve acesso.
Recorde-se que no início deste ano o valor do salário mínimo nacional foi atualizado para 600 euros, uma medida incluída no Orçamento do Estado para 2019, e que significa um acréscimo de 20 euros em comparação com o ano anterior.

Acrescenta ainda o Governo que o valor do salário mínimo nacional registou uma valorização real do seu valor em cerca de 14% nos últimos quatro anos. O valor máximo do salário mínimo foi atingido em abril, quando alcançou o patamar dos 944,2 euros.

"O aumento do SMN constitui um mecanismo importante no contexto das políticas de combate à pobreza e à exclusão social, contribuindo igualmente para a redução das desigualdades salariais e, portanto, na repartição do rendimento", explica ainda a tutela.

Detido suspeito de matar Ester, a 17.ª vítima de violência doméstica deste ano

in Público on-line

O homem, de 39 anos, é acusado da prática de “um crime de homicídio qualificado e de profanação de cadáver”.

A Polícia Judiciária deteve, esta terça-feira, no concelho da Calheta, na Madeira, o suspeito do assassinato de Ester Cabral, a 17.ª vítima mortal de violência doméstica deste ano.

Em comunicado, a PJ explica que deteve, através do Departamento de Investigação Criminal do Funchal, “fora de flagrante delito”, “um homem de 39 anos de idade, fortemente indiciado pela prática de um crime de homicídio qualificado e de profanação de cadáver”. A vítima é uma mulher, de 53 anos de idade, com quem o suspeito era casado. A mulher “terá sido morta com vários golpes violentos desferidos essencialmente na zona da cabeça, em contexto de violência doméstica”, acrescenta o comunicado.

Na noite de domingo, a vítima foi assassinada na residência onde o casal vivia, na freguesia do Jardim do Mar, concelho da Calheta. Segundo o comandante da corporação dos bombeiros voluntários da localidade, o alerta foi dado pelo irmão da mulher, pouco depois da 1h da manhã.

“Quando chegámos, já era cadáver, já não havia nada a fazer”, indicou o comandante. De acordo com o Correio da Manhã, a mulher assassinada, Ester Cabral,​ tinha três filhos e um neto.
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“Pode justificar-se alterar a Constituição por causa da violência doméstica”

O que fazer para acabar com a violência doméstica? Oito mulheres respondem
Após o crime, o suspeito colocou-se em fuga, tendo sido depois localizado e detido pela PSP da Calheta, que transferiu o caso para a Polícia Judiciária. O detido foi apresentado para primeiro interrogatório judicial esta terça-feira, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.

Com este caso, o número de mulheres mortas em contexto de violência doméstica chegou aos 17, segundo a contabilidade feita pelo PÚBLICO com base nas notícias publicadas sobre o tema. O número exclui um homem e uma criança que morreram igualmente vítimas de violência doméstica em 2019.

Banco de Portugal vai dar formação à Segurança Social e IEFP para promover serviços mínimos bancários

Diogo Cavaleiro, in Expresso

Quando um utente for atendido num balcão da Segurança Social, deve poder receber informações sobre a existência das contas de serviços mínimos bancários. É com base nessa ideia que o governador, Carlos Costa, e o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, vão assinar um protocolo de cooperação

O Banco de Portugal vai dar formação aos trabalhadores da Segurança Social e do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para que seja promovido o recurso aos serviços mínimos bancários, uma conta de custo reduzido que permite o acesso a um conjunto de operações essenciais.

“O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o Banco de Portugal vão trabalhar em parceria para promover os serviços mínimos bancários junto dos cidadãos”, revela um comunicado enviado às redações pelo gabinete de Vieira da Silva esta sexta-feira, 26 de julho, dia que é assinado um protocolo de cooperação entre o ministro e o governador, Carlos Costa.

A justificação para este envolvimento entre a autoridade administrativa e o Governo é que os serviços tutelados pelo Ministério do Trabalho lidam diretamente com os “cidadãos destinatários dos serviços mínimos bancários”. “Considerou-se que os serviços de atendimento ao público da Segurança Social e do IEFP, bem como os sites institucionais destes organismos, seriam locais privilegiados para a divulgação de informação, seja através de vídeos institucionais, cartazes ou folhetos, cumprindo as regras de acessibilidade em Língua Gestual Portuguesa ou através da impressão em Braille”.

Daí que este protocolo também preveja “a realização de ações de formação promovidas pelo Banco de Portugal dirigidas aos colaboradores, em particular aos que têm contacto com o público, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, do Instituto da Segurança Social, do Instituto de Emprego e Formação Profissional e do Instituto Nacional para a Reabilitação”.

Na prática, quando um utente é atendido num balcão da Segurança Social ou num centro de emprego, deve poder receber informações sobre a existência das contas de serviços mínimos bancários.

Contas têm crescido mas BdP quer mais
Todos os bancos são obrigados, desde 2015, a disponibilizarem contas de serviços mínimos bancários, que asseguram o acesso a um conjunto limitado de operações para quem tenha apenas uma conta à ordem (abertura e manutenção, cartão de depósito, depósitos e transferências) a um custo limitado. Em 2019, o custo anual destes serviços tem um tecto de 4,35 euros, que corresponde a 1% do indexante dos apoios sociais.

“No final de 2018, estavam abertas 59.173 contas de serviços mínimos bancários, o que corresponde a um crescimento de 32,6% face ao final de 2017 (mais 14.555 contas)”, revelou o Banco de Portugal no relatório de supervisão comportamental relativo ao ano passado. O número tem vindo a subir desde 2015, ano que tinha terminado com 24.068 contas abertas com estas condições.

O supervisor tem empreendido a promoção deste tipo de contas porque, como explica nesse relatório, “o acesso a uma conta de serviços mínimos bancários é um direito conferido por lei, cujo exercício depende da manifestação da vontade dos clientes”. “A divulgação de informação sobre os SMB assume um papel determinante para que os clientes tenham conhecimento da existência destas contas e das suas características e possam exercer este direito”, continua.

A assinatura do protocolo para esta disseminação é feita entre o Banco de Portugal e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de um Governo com que o supervisor tem tido divergências, sobretudo com o Ministério das Finanças.

30.7.19

Um recorde trágico: 12 mil crianças mortas ou feridas em guerras em 2018

in Público on-line

O recrutamento e uso de menores nos combates, a violência sexual, os raptos e os ataques a escolas fazem parte da lista que considera sobretudo as mortes e os ferimentos de crianças. Os países com as situações mais críticas são o Afeganistão, a Palestina, a Síria e o Iémen.

Mais de 12 mil crianças foram mortas e feridas em conflitos armados no ano passado, denuncia nesta terça-feira a ONU, sublinhando tratar-se de um recorde e apontando Afeganistão, Palestina, Síria e Iémen como os piores países da lista. Num relatório anual publicado nesta terça-feira, as Nações Unidas referem que as mortes e os ferimentos estão entre as mais de 24 mil “violações graves” dos direitos das crianças verificados pela organização no ano passado.

Entre as violações registadas contam-se ainda o recrutamento e uso de menores nos combates, a violência sexual, os raptos e os ataques a escolas e hospitais, avança o relatório.

Sete casas em Guimarães, lado a lado
De acordo com o documento, entregue pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, ao Conselho de Segurança das Crianças e Conflitos Armados, e citado pela agência AP, o número destas violações feitas por grupos armados manteve-se estável relativamente a 2017, mas houve um “aumento alarmante” do número de violações realizadas por forças governamentais e internacionais.

O relatório refere que o número de mortos e feridos em 2018 foi o mais alto desde que o Conselho de Segurança autorizou a monitorização e realização destas análises, em 2005.
O Afeganistão lidera a lista dos países com mais casos, com 3062 baixas em 2018, sendo que “28% de todas as vítimas civis são crianças”.
Na Síria, os ataques aéreos e as bombas mataram e feriram 1854 menores e, “no Iémen, 1689 crianças sofreram as consequências dos conflitos”, adianta o documento.

No conflito israelo-palestiniano, a ONU verificou ter-se registado em 2018 o maior número de crianças palestinianas mortas — 59 — e feridas — 2756 — desde 2014. A análise apurou terem também ficado feridas seis crianças israelitas.

Guterres pede que se acabe com “uso excessivo da força”
Guterres admitiu estar “extremamente preocupado com o aumento significativo” de feridos nesta área do mundo, incluindo por inalação de gás lacrimogéneo, e pediu ao enviado da ONU Nikolay Mladenov para fazer uma análise mais fina aos episódios causados por forças israelitas. Além disso, António Guterres “exortou Israel a implementar imediatamente medidas preventivas e de protecção para acabar com o uso excessivo da força”.

Crianças em zonas de conflito têm mais hipóteses de morrer por falta de acesso a água do que de violência
De acordo com o relatório, as partes em conflito na Somália recrutaram e utilizaram 2300 crianças, algumas com apenas oito anos, tendo-se verificado um aumento significativo do recrutamento feito pelos extremistas al-Shabab, que terão usado 1865 menores para combater. A Nigéria ficou em segundo lugar, com 1947 crianças recrutadas, incluindo algumas usadas como bombistas suicidas.

A Somália teve o maior número de casos de violência sexual contra crianças, com 331 casos em 2018, seguida pelo Congo, com 277 casos, embora o secretário-geral tenha alertado haver muitos casos que não são notificados, particularmente contra meninos, devido ao estigma. A Somália teve também o maior número de raptos de crianças no ano passado: 1609.

António Guterres sublinhou ainda os milhares de crianças afectadas por 1023 ataques verificados em escolas e hospitais no ano passado.

Na Síria, foram registados, no ano passado, 225 ataques a escolas e instalações médicas, o maior número desde o início do conflito em 2011, referiu o secretário-geral da ONU, acrescentando que o Afeganistão também apresentou um aumento desta violação dos direitos da criança, com 254 escolas e hospitais a sofrerem ataques.

“Um maior número de ataques também foi verificado na República Centro-Africana, na Colômbia, na Líbia, no Mali, na Nigéria, na Somália, no Sudão e no Iémen”, disse Guterres.

O secretário-geral também expressou preocupação com a crescente detenção de crianças, reiterando que “essa medida só deve ser usada como último recurso e pelo menor período possível” e defendendo que “as alternativas à detenção devem ter sempre prioridade”.
Segundo o secretário-geral da ONU, em Dezembro do ano passado estavam 1248 crianças, sobretudo com idades abaixo dos cinco anos, “privadas da sua liberdade”.

Estas crianças, provenientes de 46 nacionalidades de áreas anteriormente controladas por extremistas do Estado Islâmico, estavam detidas em campos no Nordeste da Síria.

No Iraque, 902 crianças permaneciam detidas por acusações de “ameaça à segurança nacional”, incluindo associação ao auroproclamado Estado Islâmico.
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Na mesma altura, Israel tinha detidas 203 crianças palestinianas por “crimes contra a segurança”, incluindo 114 que aguardavam julgamento ou que foram julgadas, e 87 que já estavam a cumprir uma sentença.
A ONU recebeu, segundo Guterres, depoimentos de 127 meninos palestinianos que “relataram às Nações Unidas maus tratos e violações do direito a um julgamento justo durante sua prisão, transferência e detenção”.

Banco criado para falir mantém-se como “marco de resistência”

in Público on-line

Cerca de 1,2 milhões de estudantes, do 1.º ao 12.º ano receberão livros gratuitos.

O movimento pela reutilização de manuais escolares está em vias de extinção, mas o fundador da iniciativa garante que o seu banco de livros vai manter-se aberto como “marco de resistência” até todos terem direito a livros gratuitos.

O movimento que nasceu em plena crise económica e fez aparecer mais de 300 bancos de livros em todo o país está a tornar-se substituível. Para o fundador da iniciativa, Henrique Cunha, esta é uma boa notícia: “Estes bancos foram criados com o objectivo de falir”, explicou à Lusa.

A ideia era tornarem-se dispensáveis. O movimento sempre defendeu que a reutilização de manuais devia ser uma obrigação do Estado e não o resultado do trabalho de um grupo de cidadãos anónimos. Aconteceu.
No próximo ano lectivo, todos os alunos das escolas públicas vão receber gratuitamente os livros. Serão cerca de 1,2 milhões de estudantes do 1.º ao 12.º ano.

“É a herança do movimento reutilizar. É muito animador ver o resultado directo de uma iniciativa levada a cabo pelos cidadãos. Nós fizemos evoluir a legislação. É uma grande vitória, embora ainda não esteja totalmente resolvido”, disse Henrique Cunha.

De fora do programa estão os alunos do privado. Para o professor de Matemática o direito ao ensino universal e gratuito previsto na Constituição só estará consagrado quando chegar a todos.

Movimento Reutilizar os manuais escolares recebeu mais de cem queixas de pais
“Estamos a violar a legislação”, defendeu Henrique Cunha, que acredita que o processo ainda está em curso.

Por isso, o banco de livros que abriu no seu escritório, no Porto, será o último a fechar: “É um marco de resistência e estará aberto até ser garantida que a medida implementada pelo Governo é para todos, sem excepção”, sublinhou o mentor do projecto que começou há oito anos com uma mensagem no Facebook.

Henrique Cunha nunca imaginou que um post chegasse tão longe. No verão de 2011 escreveu uma mensagem apelando para a reutilização. “Pensei que fosse lida na zona onde trabalho, mas foi partilhada milhares de vezes. Numa semana, tinha centenas de pessoas a visitar a meu escritório”, recordou.

Havia muita gente a querer participar no projecto e quando deu conta já tinha livros guardados na casa de banho.

E se além de gratuitos, os manuais em segunda-mão permitissem poupar 30 milhões?
Nascia assim o primeiro banco de manuais escolares organizado por cidadãos anónimos. Depois do Porto, foi a vez de um restaurante em Lisboa se transformar num espaço de troca de livros. No final de 2011, já havia 50 bancos a funcionar e milhares de famílias desconhecidas a beneficiar do projecto.

Segundo contas do professor de Matemática, os livros usados pelos alunos eram suficientes para encher três piscinas olímpicas por ano.
Entre 2011 e 2015 abriram mais de 300 bancos e foram reutilizados milhões de manuais que teriam ido parar ao lixo. O movimento revelou-se uma poupança para as famílias e para o ambiente.

Henrique Cunha estima que do seu banco saíssem todos os anos cerca de dez toneladas de manuais para casa dos alunos. Mas não existem números sobre a reutilização.
O projecto sempre foi feito à custa de horas livres de voluntários. Nunca houve dinheiro envolvido, só vontade de ajudar. Surgiram bancos em cafés, livrarias, centros de explicações e até clínicas veterinárias. A estes juntaram-se juntas de freguesia, bibliotecas, escolas e centros comunitários.

O movimento tornou-se nacional e conseguiu chegar às famílias que viviam nas zonas mais recônditas do país: em apenas um ano, só os correios entregaram gratuitamente mais de 15 mil manuais.
Tudo resultado da iniciativa de Henrique Cunha, o mais novo de sete irmãos que sempre foi educado a reutilizar numa época em que a palavra ainda não estava na moda.
Henrique herdava tudo o que era dos irmãos: sapatos, roupa, brinquedos e, claro, os livros.

Foi a dar explicações de Matemática e Geometria Descritiva que começou a aplicar esta filosofia de vida aos seus alunos, a quem pedia que deixassem o que não precisavam para quem viesse no ano seguinte.
“Era engraçado porque eles escreviam dedicatórias para outros miúdos que nem sequer conheciam”, recordou. Foi deste hábito que surgiu a mensagem no Facebook e depois o banco de livros no seu escritório e os restantes espaços espalhados pelo país.

Pai de três filhos, Henrique Cunha tem agora em mãos uma nova missão: ensinar a mais nova, de quatro anos, a “estimar, respeitar e devolver os livros que lhe forem emprestados”.
O fundador do movimento Reutilizar espera nunca ter de comprar manuais para a filha “independentemente de ela estar a estudar numa escola pública ou privada”.

É mais difícil fazer amigos quando somos adultos e a cada sete anos perdemos metade dos que temos

Natália Faria, in Público on-line

As amizades surgem sem que pensemos nelas durante a infância e a juventude. Já na idade adulta, nem por isso. A família rouba tempo e a desconfiança em relação ao outro é maior. E não, os amigos do Facebook não contam. Até porque a amizade não se pede, constrói-se. Um trabalho que, segundo um estudo, requer no mínimo 90 horas. Primeiro de uma série de artigos que mostram como a ciência nos ajuda a perceber melhor alguns dos nossos comportamentos.

Fazer novos amigos implica uma espécie de dança que Nathan Belois, um norte-americano radicado há quatro anos em Portugal, conhece de cor e salteado. Mas que nem por isso se torna mais fácil de executar. “É difícil. É quase como se estivéssemos à procura de um parceiro para um relacionamento amoroso, mas sem a parte do sexo”, brinca o norte-americano, que, aos 39 anos de idade, já viveu em geografias tão remotas como a Bósnia-Herzegovina, Sérvia, Alemanha, passando pelos Países Baixos e pela Ucrânia.

“Como mudei tantas vezes ao longo da vida, fazer amigos tornou-se um grande desafio. Estou cá há vários anos e hoje penso que finalmente consegui ter amigos próximos com quem posso falar de forma muito honesta e aberta, e a quem posso ligar para beber um copo de vinho ou se me apetecer falar de algum problema. Mas esse nível de amizade é muito difícil de conseguir”, acrescenta, para explicar que, no seu caso, como no da maior parte das pessoas, a passagem dos anos não trouxe mestria. “Fazer amigos implica fazer uso de um conjunto de competências que nos são mais naturais quando somos mais novos, altura em que as coisas acontecem sem que tenhamos de pensar no que está a acontecer. Com a idade, torna-se um processo muito consciente, deliberado e também mais difícil, principalmente porque a abertura a que isso obriga nos coloca numa posição de maior vulnerabilidade.”

É dessa vulnerabilidade que fica depois do exercício de “strip tease” sentimental de que fala a correspondente em Londres da revista norte-americana New York, Jessica Pan, quando descreve a sua participação num workshop destinado a ensinar as pessoas a serem mais sociáveis, obrigando-as a substituir as conversas sobre o tempo, as férias ou a última refeição por aquilo que realmente as preocupa e angustia. Escreve a jornalista, depois de ter sido obrigada a revelar-se diante de um desconhecido: “Passámos por uma brutal série de revelações pessoais e pusemo-nos no lugar um do outro, exaustos mas cheios de endorfinas. Senti aquela espécie de alívio que se segue a uma boa sessão de choro.”

Claro que o exagero virá de o exercício ter sido imposto para obrigar as pessoas a confrontarem-se e a ligarem-se a outras. Mas o workshop é real e tem inscritos. Destina-se a ajudar os habitantes de uma cidade que, com nove milhões de habitantes em permanente interacção, viu recentemente colar-se-lhe o rótulo de “capital da solidão da Europa”. Os malefícios de estar só (que, segundo alguns estudos, prejudicam tanto a saúde como 15 cigarros por dia) ganharam base científica e levaram mesmo o Governo britânico a criar o Ministério da Solidão. O problema é sério e faz mal à saúde, portanto. E, numa altura em que andar com o nariz colado ao telemóvel se tornou o novo normal, por um lado, e em que as migrações provocam desenraizamentos familiares e sociais a uma escala global, a dificuldade de que fala a jornalista e que testemunha também Nathan Belois é denominador comum a várias geografias. “É como se tivéssemos de estar sempre a criar raízes”, descreve Nathan.

Numa leitura transversal que alguns investigadores norte-americanos fizeram a 148 estudos sobre mortalidade, a conclusão dificilmente podia ser mais taxativa: o risco acrescido de morte em alguém que não tem uma rede de amigos é comparável ao risco que corre quem fuma até 15 cigarros ou ingere mais de seis bebidas alcoólicas por dia.

Quanto se é jovem, a conversa é outra. As dificuldades neste campo começam com a entrada na vida adulta. “Ao constituírem família, as pessoas centram-se mais nos filhos, trabalham, e é natural que tenham menos disponibilidade. As relações acabam por ser muito mais internas do que quando se tem 20 anos e disponibilidade e tempo para ir para todo o lado”, começa por dizer o psicólogo e investigador da Universidade do Minho (UM) João Lopes. “As amizades têm um lugar e um sítio. E a verdadeira amizade é quando se é novo e se passa a noite toda e dias seguidos na risota e a falar. Quando se é mais velho, é uma coisa só muito de vez em quando”, atira Miguel Esteves Cardoso. E, confirmando sem o poder saber a explicação adiantada pelo psicólogo, o cronista explica que, no seu caso, os amigos foram perdendo terreno, porque lhe aconteceu a Maria João. “Quando estamos apaixonados ou casados, essa pessoa torna-se o ‘mais que tudo’ e sobra menos tempo para os outros.”

É isso, mas não é só isso. Além de roubar tempo, por via das novas responsabilidades, a idade aumenta a selectividade. “Fazer novas amizades a partir da meia-idade torna-se complicado, porque as pessoas já são mais exigentes, mais rígidas em relação ao que querem e ao que sentem, e, portanto, sob um certo ponto de vista, mais desconfiadas também”, prossegue o investigador da UM. Quando a vida corre bem, “as pessoas conseguem manter-se fiéis a meia dúzia de amizades mais profundas”. “São amizades extremamente duradouras e fiáveis e é em torno destas que as pessoas se relacionam”, precisa ainda João Lopes.

A amizade é uma coisa mariquinhas
Mas, além das mudanças de endereço, na vida das pessoas há rupturas. Divórcios com direito a divisão de amigos, além da de bens. O momento em que, no lugar dos filhos, se instala o vazio. Velhas amizades que, qual personagens de Elena Ferrante, se tornam corrosivas e que, por isso, vão ficando para trás. Outras que se esfumam também, ainda que apenas porque se adiou um telefonema (e outro e outro e mais outro) a perguntar pela vida. “A amizade, como todas as relações, tem de ser alimentada, consolidada, revigorada. De x em x tempo, é preciso que as pessoas se juntem, façam coisas. As relações que, a partir do momento em que estão consolidadas, se aguentam, mesmo com afastamento, também existem. Mas são mais raras”, diz o investigador.
Quantas horas são precisas para fazer um amigo?
Eis-nos então neste cenário em que qualquer pesquisa no Google inunda o ecrã de dicas e conselhos para ajudar cada um a conseguir galgar as barreiras que nos separam uns dos outros. De artigos de fundo nos jornais a artigos científicos, em todos se entrevê essa dificuldade comum a muita gente de passar da fase da cordialidade àquela em que se tem à vontade para ligar a meio da noite ou de uma crise. Num desses artigos, publicado no Journal of Social and Personal Relationships, o investigador norte-americano Jeffrey Hall, da University of Kansas, pôs-se a contar o número de horas necessárias para conseguirmos fazer um amigo: 50 horas para transformar um conhecido num amigo casual, 90 horas para fazer um amigo e mais de 200 horas para que este passe a melhor amigo.
Numa primeira fase, o investigador recrutou 429 voluntários que tinham mudado de cidade há menos de seis meses, pedindo-lhes que nomeassem uma pessoa que tivessem conhecido após a alteração de endereço: como se tinham encontrado, quanto tempo passavam juntos e a fazer o quê. Os inquiridos foram ainda convidados a posicionar o recém-conhecido numa escala destinada a medir a proximidade. Na segunda fase do estudo, Jeffrey Hall inquiriu 112 caloiros e convidou-os a escolher duas pessoas que tinham conhecido aquando da entrada na universidade e a estimar o tempo partilhado durante várias semanas, ao mesmo tempo que iam registando a evolução da relação na escala de proximidade.
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O investigador norte-americano Jeffrey Hall pôs-se a contar o número de horas necessárias para conseguirmos fazer um amigo: 50 horas para transformar um conhecido num amigo casual, 90 horas para fazer um amigo e mais de 200 horas para que este passe a melhor amigo.
Além da quantificação do tempo que demora a fazer um amigo (e descartando desta análise as relações que se criam porque se anda na mesma turma ou se partilha o mesmo bloco de apartamentos e que nunca extravasam para uma amizade propriamente dita), o investigador concluiu que há uma janela temporal para que as relações evoluam para uma amizade: entre três a nove semanas depois de as pessoas se conhecerem. Se ao fim de três ou quatro meses a relação não evoluiu para amizade, “as hipóteses de isso vir a acontecer tornam-se muito remotas”, reconheceu, ressalvando que o ritmo a que a amizade se constrói pode atrasar-se ou acelerar-se consoante aquilo que as pessoas fazem quando estão juntas: rir é importante, falar do que realmente interessa a cada um deles também.
Num cenário de estabilidade, a família pode substituir os amigos. Mas só até certo ponto. “Nós temos as relações entre pais e filhos, que são verticalizadas, e depois as relações com os professores, que também são verticais. Mas é por via da relação que estabelecemos com o grupo de pares que entramos numa comunidade que é horizontal. E por isso é que as amizades são fundamentais no desenvolvimento da personalidade humana”, explica ainda João Lopes, para lembrar que a ausência deste tipo de relacionamento, “que não é parental, que não é conjugal e que nem sequer é igual à que se estabelece com os irmãos”, é essencial “para uma saúde mental adequada”.
Quantos amigos cabem na vida?
Entre quem anda há anos a queimar as pestanas a estudar os meandros da amizade, o melhor que alguém que se gaba de somar várias centenas de amigos no Facebook consegue arrancar é uma boa gargalhada. É que há um limite biológico para o número de amigos que cada um consegue somar. Não virá muito aqui ao caso saber se o poeta Herberto Helder tinha lido os estudos do antropólogo e psicólogo evolucionista britânico Robin Dunbar, quando escreveu amar “os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado”, mas a verdade é que, segundo os estudos feitos nos anos 90 por aquele investigador da Universidade de Oxford, um ser humano não consegue ir além dos cinco bons amigos, em média.
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Um estudo conduzido pelo sociólogo Gerald Mollenhorst concluiu que a cada sete anos, cada pessoa perde cerca de metade dos seus amigos.
Segundo a mesma teoria, que ficou conhecida como “Número de Dunbar”, a quantidade de relações que uma pessoa consegue manter é limitada pela biologia, na medida em que o neocortex humano, isto é, a zona do cérebro activada no processo cognitivo, linguagem e no processamento de estímulos sensoriais, não é capaz de administrar um círculo social superior a 150 pessoas. E, dividindo a amizade em diferentes categorias – os amigos casuais, os amigos, os bons amigos e os amigos íntimos –, Dunbar definiu, a partir da observação do comportamento de primatas que depois validaria em seres humanos (nomeadamente quando se pôs a analisar a quantas pessoas as famílias inglesas costumavam enviar postais de Natal, uma tradição muito enraizada naquele país), os limites cognitivos para o número de pessoas com que cada ser humano consegue relacionar-se nas diferentes categorias da amizade. Assim, além das cinco pessoas que caberão em média no círculo íntimo de amizades, as pessoas poderão aspirar a qualificar como melhores amigos não mais do que 15 pessoas; amigos poderão ser cerca de 50 e, por último, a rede de amigos casuais não conseguirá ir além de um máximo de 150 pessoas. Acima deste número deixa de ser possível manter relações significativas.
“O problema não é a capacidade de memória. Conseguimos fazer isso com um número muito superior a 150 indivíduos – saber quem são e o que fazem. A questão é o tipo de relação que mantemos com as pessoas. Qual é o papel que elas têm na nossa vida? Dos 150 amigos, apenas 15 podem ser qualificados como bons amigos. E, entre eles, somente cinco pertencem à categoria dos amigos íntimos, aqueles que procuramos quando estamos com problemas, pedimos conselhos e até dinheiro emprestado”, especificou, numa entrevista recente à revista brasileira Veja.
A teoria deste investigador voltou à ribalta a propósito da amplificação das “amizades” proporcionada pelas redes sociais. E, segundo Robin Dunbar, a limitação numérica para a manutenção de relações significativas manteve-se, independentemente de hoje em dia qualquer um poder acumular centenas de amigos no Facebook. “É interessante ver que uma pessoa pode ter 1500 amigos, mas, quando se olha para o tráfego nesses sites, percebe-se que essa pessoa mantém [interacções com] o mesmo círculo de 150 pessoas que observamos no mundo real”, sublinhou ao The Times.
Fazer novas amizades a partir da meia-idade torna-se complicado porque as pessoas já são mais exigentes, mais rígidas em relação ao que querem e ao que sentem, e, portanto, sob um certo ponto de vista, mais desconfiadas também
João Lopes
A amizade não se pede, faz-se
Declarado objector do Facebook (“Nem tenho conta criada”), o psicólogo João Lopes arrepia-se com o que declara ser a infantilidade da expressão “pedir amizade” celebrizada por aquela rede social. “É ridícula. A amizade não é uma coisa que se peça. A amizade faz-se e, é bom que se diga, até de forma particularmente selectiva, que é algo que as redes sociais frequentemente não permitem. É transpor para a idade adulta uma linguagem infantil, primária e até rude.”
De facto, dificilmente as amizades “facebookianas” terão o poder terapêutico daquelas que são cerzidas no dia-a-dia das pessoas, olhos nos olhos. E que não são poucas. Na mesma entrevista à Veja, Robin Dunbar alude aos diferentes estudos que comprovam que a interacção com os amigos é gatilho para a síntese de endorfina, a hormona que quando é libertada pelos neurónios alivia a dor e provoca uma sensação de felicidade. “A construção de relações de amizade ricas e duradouras está associada a uma série de benefícios para a saúde. Ajuda na prevenção de várias doenças – distúrbios cardiovasculares, depressão, Alzheimer, entre outras”, reforçou, concluindo que os efeitos positivos da amizade na saúde são tão grandes quanto parar de fumar.
São centenas os estudos que equiparam os benefícios da amizade na saúde aos do exercício físico e de uma boa alimentação. Numa leitura transversal que alguns investigadores norte-americanos fizeram a 148 estudos sobre mortalidade, envolvendo mais de 300 mil homens e mulheres de diferentes continentes, a conclusão dificilmente podia ser mais taxativa, segundo relata o portal de divulgação científica PLoS Medicine: o risco acrescido de morte em alguém que não tem uma rede de amigos é comparável ao risco que corre quem fuma até 15 cigarros ou ingere mais de seis bebidas alcoólicas por dia.
Por mais que o poder curativo da amizade esteja cientificamente sustentado, nem por isso se torna mais fácil a tarefa de fazer novos amigos na idade adulta. E, como se isso não bastasse, um estudo recente que juntou investigadores finlandeses e ingleses veio sustentar que começamos a perder amigos a partir dos 25 anos de idade. “A partir dessa idade, as pessoas focam-se mais em certas relações e em manter essas relações”, interpretou, em declarações à televisão norte-americana CNN, Kunal Bhattacharya, co-autora do estudo, que, a partir de análises aos dados de telemóvel de três milhões de pessoas, comprovou que o estreitamento do círculo de amizades coincide com momentos marcantes na trajectória das pessoas, como o casamento ou o nascimento de filhos, alturas em que a família e um círculo mais restrito de amigos são chamados a partilhar a tarefa de tomar conta das crianças. Outro estudo, conduzido pelo sociólogo Gerald Mollenhorst, concluiu algo parecido, a partir de premissas diferentes: a cada sete anos, cada pessoa perde cerca de metade dos seus amigos.
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A amizade como bolsa de valores e capitais (sociais)

Amizade verdadeira entre um homem e uma mulher

Amizade no feminino
Felizmente, além de quantificar o número de horas que são precisas para fazer novos amigos, a pesquisa de Jeffrey Hall concluiu também que os momentos de mudança na vida – divórcio, mudança de emprego ou de cidade… – são também aqueles em que as pessoas estão mais receptivas a estabelecer novas relações. “Está provado que a amizade se desenvolve mais facilmente logo após a relocalização geográfica ou a entrada num novo ambiente, seja escolar ou de trabalho. As pessoas parecem emparelhar com potenciais amigos logo após a transição.”
Para quem não mudou de cidade nem de escola, mas já deu por si a questionar o desperdício de tantas horas diante da Netflix ou a fazer scroll no Facebook outro bom ponto de partida poderá ser a inscrição em novas actividades. Voluntariado serve. E a simples inscrição num ginásio também pode ajudar. Aos que se preparam para iniciar esta dança, Nathan Belois deixa um conselho: “É mais fácil dizer do que fazer, mas penso que é mesmo importante estar aberto a tudo e a todos e tentar deixar os juízos pré-concebidos em casa.”

Solidão,
amigos
Actualidade
Questões sociais

Sazonalidade Taxa de desemprego desceu no segundo trimestre, avançam os economistas ouvidos pelo Expresso

Sónia M. Lourenço, in Expresso

Verão traz mais trabalho

verão é para muitos portugueses sinónimo de férias e descanso. Mas também significa mais emprego. Com a chegada da época alta no turismo e na agricultura, multiplicam-se os postos de trabalho. É o chamado efeito sazonal, que ajuda à descida do desemprego em Portugal nesta época do ano. E 2019 não vai ser exceção.

Os dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE) só serão conhecidos daqui a mais de uma semana, mas os economistas ouvidos pelo Expresso apontam todos para uma descida da taxa de desemprego no segundo trimestre em relação aos primeiros três meses do ano, altura em que ficou nos 6,8%. Caso se confirme esta previsão, a taxa vai voltar a baixar face ao trimestre anterior ao fim de um ano. A última vez em que isso aconteceu foi precisamente no segundo trimestre de 2018. E cumpre-se a tradição: nas últimas duas décadas o desemprego só não recuou nesta altura em cinco ocasiões: 2002, 2004, 2009, 2010 e 2012.

Na última semana foi conhecido mais um dado que reforçou esta perspetiva: o número de desempregados inscritos nos centros de emprego diminuiu em junho pelo quinto mês consecutivo face ao mês precedente e quebrou a fasquia das 300 mil pessoas pela primeira vez desde dezembro de 1991.“Historicamente, há uma correlação muito forte” entre este indicador e a taxa de desemprego, frisa Márcia Rodrigues, economista do Millennium bcp (ver gráfico). O que “sinaliza uma descida da taxa no segundo trimestre”, antecipa.

“É normal o desemprego descer nesta altura do ano, porque há muita contratação de trabalho sazonal para o verão”, aponta, por sua vez, Francisco Madelino, professor do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa e antigo presidente do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Um efeito que se sente em força em Portugal devido “ao forte peso do turismo, que envolve uma série de atividades como a hotelaria, a restauração e outras atividades recreativas, como os espetáculos e concertos, que são muito intensivas em trabalho”, explica. Ao turismo junta-se a agricultura e, também, “a construção, sector que tem vindo a recuperar desde a crise”, acrescenta este especialista.

Desemprego vai descer mais
O que esperar para a taxa de desemprego na segunda metade do ano? Francisco Madelino é cauteloso: “Muito vai depender da evolução da situação internacional.” Até porque “com o grau de abertura da economia portuguesa a atingir níveis nunca vistos, estamos mais dependentes do que acontece lá fora”.

Contudo, Paulino Teixeira, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, lembra que “a atividade económica portuguesa mantém-se firme no seu crescimento moderado”. E continua: “Domina uma ligeira onda de otimismo, o que fortalece o sentido de segurança no crescimento, ainda que não espetacular.” Com este estado de ânimo favorável “cresce o investimento privado, a cavalo também do acrescido investimento público, a que não será alheio o ciclo eleitoral”. Somando “o bom desempenho do turismo, sector agroalimentar e produção automóvel, a par do crescente espírito empreendedor dos portugueses”, Paulino Teixeira antecipa “a continuação da descida da taxa de desemprego, para níveis que se aproximarão de 6% este ano”. E vai mais longe: “Continuo a pensar ser possível atingir uma taxa inferior a 6% em 2020”.

Previsões apontam para desemprego perto dos 6% no final deste ano e na casa dos 5% em 2020
José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, considera que “estão criadas as condições para que o emprego continue a crescer e a taxa de desemprego a diminuir, embora de forma muito mais moderada do que nos últimos anos”. Até porque “há alguma moderação do crescimento dos salários”. A sua previsão é uma taxa entre 6% e 6,5% no final de 2019, intervalo em que caem as projeções das principais organizações nacionais e internacionais, oscilando entre 6,1% e 6,3% para 2019, e entre 5,7% e 5,9% para 2020.

Mas nem tudo são rosas no mercado de trabalho. “A população ativa ainda está abaixo do que foi antes da crise”, alerta Francisco Madelino. E pode não voltar a esse nível, porque há fatores de natureza estrutural a ter em conta: com o envelhecimento demográfico, o número de idosos reformados está a aumentar e há cada vez menos jovens na população. Além disso, entram, em regra, mais tarde no mercado de trabalho, por prolongarem os estudos. Ao mesmo tempo, os fluxos de emigração têm vindo a baixar desde que a economia começou a recuperar, mas continuam mais expressivos do que antes da crise.

Desemprego em queda no concelho de Beja

in Rádio Pax

No centro de emprego de Beja estavam inscritos 1 026 indivíduos no mês passado. Comparativamente ao mês anterior (Maio), foram registadas mais 11 inscrições. Face a Junho de 2018, foram contabilizados menos 107 desempregados no concelho de Beja.

Os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) agora revelados indicam que o desemprego atingia 454 homens e 572 mulheres no concelho de Beja.
Os indivíduos entre os 35 e os 54 anos eram os mais afectados pelo desemprego.

Em matéria de escolaridade, o desemprego atingia maioritariamente indivíduos com o secundário

O “fim trabalho não permanente” foi a principal causa de inscrição, no concelho de Beja.

Nos centros de emprego do Alentejo estavam inscritos em Junho passado 13 520 indivíduos. Os dados do IEFP apontam para um recuo de 8,3% no número de desempregados face a período homólogo e uma descida de 3,5% face ao mês anterior (Maio).

Duas instituições de Coimbra vencem Prémio Infância

Diário das Beiras

Duas instituições de Coimbra vencem Prémio Infância

António Barreto e Artur Santos Silva entregaram cheque ao Clube de Tempos Livres de Santa Clara

O Clube de Tempos Livres de Santa Clara e a Liga dos Pequeninos, ambas instituições de Coimbra , estão entre os vencedores da 1.ª Edição do Prémio Infância, instituído pelo BPI e pela Fundação “la Caixa”. Ao todo, foram 24 os projetos apoiados, com 750 mil euros , uma média de 31.250 euros por projeto ,, destinados a facilitar o desenvolvimento social e educativo e a saúde de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, incluindo ainda o reforço de competências parentais. No total foram recebidas


196 candidaturas. Os projetos distinguidos promovem diferentes respostas sociais, onde se incluem: educação inclusiva e promoção do sucesso escolar, projetos de animação sociocultural, iniciativas de hipoterapia e música, capacitação parental, saúde infantil, desporto inclusivo, voluntariado jovem, integração de refugiados, entre outros. Para além das instituições de Coimbra, foram distinguidas A Turma dos Judokinhas | ADM Estrela , Associação Social e Desenvolvimento | ADOLESCERE | ART - Associação de Respostas Terapêuticas | Associação Aprender em Parceria - A PAR | Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa | Associação Grão Vasco | Associação Santa Teresa de Jesus Dignidade e Desenvolvimento | Centro Juvenil de S. José | Centro Social da Musgueira | Conselho Português para os Refugiados | Fundação AFID | Movimento Transformers | O Companheiro - Associação de Fraternidade Cristã | O Fio de Ariana | Ponto de Apoio à Vida | Pressley Ridge | Psientífica | Reencontro | Misericórdia do Divino Espírito da Maia| Teach For Portugal | TreeTree2

26.7.19

Do IRS às creches: o que PS negou à “geringonça” e agora promete nas legislativas

Helena Pereira, in Público on-line

O programa eleitoral dos socialistas inclui várias propostas idênticas a outras que os parceiros de esquerda apresentaram nesta legislatura e que o PS ajudou a chumbar.

Votou contra no passado, promete agora para o futuro. É o que aparentemente o PS faz no seu programa eleitoral, analisado à lupa. Algumas medidas que agora os socialistas propõem foram negadas aos seus parceiros de “geringonça”, PCP e BE, na legislatura que está a terminar.

Englobamento de IRS
Esta é uma das medidas mais flagrantes. O PS propõe no seu programa eleitoral “caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas”. Ora, esta é uma antiga reivindicação do PCP que esteve presente, por exemplo, nas negociações do Orçamento do Estado em 2018. O Governo e o PS opuseram-se e não passou.

Mais creches
Em 2016, o PS foi o único partido a votar contra todos os pontos de uma proposta de resolução do PCP que pedia um levantamento das necessidades existentes ao nível de creches e a criação de “uma rede pública de creches, considerando o recurso a fundos comunitários para a sua concretização e calendarizando a sua concretização” e em conjunto com municípios. Agora, no seu programa eleitoral, os socialistas assumem vários compromissos como “investimento na rede de equipamentos sociais de apoio à infância, nomeadamente creches e jardins-de-infância"; criação de cheque-creche a partir do segundo filho; “promover, em parceria e com o envolvimento de diferentes actores, incluindo os municípios, um programa de alargamento das respostas sociais de apoio à família, em particular para a infância e com especial incidência nas áreas metropolitanas, onde a cobertura da rede tem maiores fragilidades, designadamente estimulando o alargamento da rede de creches"; “estimular a oferta de serviços de creche para os filhos dos profissionais de saúde”.

Julgados de paz
No seu programa eleitoral, o PS promete “reforçar significativamente, até ao final da legislatura, o número de julgados de paz, em parceria com autarquias, comunidades intermunicipais e outras entidades públicas, alargando as suas competências e criando também julgados de paz especializados, a funcionar de forma desmaterializada, designadamente em questões de regulação do poder paternal, condomínio e vizinhança”. Contudo, o projecto de lei do PCP entregue em Março de 2018, com objectivos semelhantes, ficou a marinar no Parlamento, nunca tendo sido levado a votação final. Previa, precisamente, julgados de paz de base concelhia e alargamento de competências a litígios entre vizinhos.

Leques salariais de referência
Em Setembro do ano passado, o PS chumbou um projecto do BE para estabelecer leques salariais de referência como mecanismo de combate à desigualdade salarial. O argumento de Carlos César era o de que tal matéria deveria ser levada primeiro à Concertação Social. No programa eleitoral, o PS propõe agora passos concretos como “desenvolver uma política de combate às excessivas desigualdades salariais, através de estímulos concretos à melhoria dos leques salariais de cada empresa a partir da referência do indicador de desigualdade S80/S20, quer penalizando, no plano fiscal e contributivo, as empresas com leques salariais acima do limiar definido e, pelo contrário, beneficiando as que tiverem uma trajectória positiva em contexto de valorização salarial, quer ponderando a limitação de elegibilidade como custo fiscal dos salários de cada empresa que se situem significativamente acima deste indicador de desigualdade”, promete ainda “estabelecer mecanismos de representação das comissões de trabalhadores nas administrações das empresas cotadas em bolsa e das maiores empresas, em especial no que toca às questões salariais e da distribuição de outros dividendos”.

Acesso à especialidade dos médicos
Em 2016, a proposta do BE para garantir vaga a todos os médicos que quisessem aceder à especialidade foi chumbada no Parlamento: PSD e CDS votaram contra e como o PS se absteve a maioria de esquerda foi insuficiente. Esta semana, António Costa alinhou pelo discurso do BE, criticando a Ordem dos Médicos por vedar o acesso à profissão. É obrigatório dotar Portugal com os recursos humanos necessários “e não utilizar as competências que existem para práticas restritivas da concorrência e limitar o acesso à formação com qualidade e exigência”, disse o primeiro-ministro numa visita a unidades de saúde de Sintra e Amadora. Caso contrário, advertiu, o país ficará com enormes carências para satisfazer as necessidades” da sua população. O programa eleitoral do PS, contudo, não é claro a este respeito.

Violência doméstica
A contradição, nesta promessa, já foi denunciada por Catarina Martins, que lembrou este domingo que a proposta de juízos especializados para julgar violência doméstica, anunciada na véspera por António Costa (admitindo até fazer-se uma revisão extraordinária da Constituição para isso ser possível), foi uma proposta que o partido propôs no passado no Parlamento e que foi chumbada com os votos do PS. “O BE fez esta proposta, levou-a ao Parlamento e foi chumbada há poucos dias. Todos os outros partidos votaram contra. Ontem ouvi o Partido Socialista (PS) incluir esta proposta de juízos especializados no seu programa eleitoral. Por uma vez, ainda bem que o PS recuou”, disse.

Avaliação do impacto da pobreza
Este assunto foi discutido e chumbado no último plenário desta legislatura na semana passada. Tratava-se de um projecto do BE que estabelecia “o regime jurídico aplicável à avaliação de impacto dos actos normativos na produção, manutenção, agravamento ou na diminuição e erradicação da pobreza”, ou seja, a criação de mecanismos de “poverty proofing”. Esta medida tinha o apoio da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal e foi elogiada pelo Presidente da República. Agora, no capítulo intitulado “Erradicar a pobreza”, o PS promete "consolidar e desenvolver a experiência, já em curso, de avaliação do impacto das leis quanto ao combate à pobreza (poverty proofing), consagrando a obrigatoriedade de avaliação fundamentada das medidas de política e dos orçamentos na ótica dos impactos sobre a pobreza”.

BE propõe consumo energético mínimo gratuito no inverno

in Público on-line

Medida custará cerca de 30 milhões de euros ao Estado, um número “que combate a doença, combate a pobreza e dá condições de vida às pessoas”.
Lusa 20 de Julho de 2019, 13:33

O BE propõe que nos meses de inverno os beneficiários de tarifa social de energia tenham direito a um consumo energético mínimo gratuito nos três meses desta estação do ano, anunciou este sábado a coordenadora do partido, Catarina Martins.

De barco afundado a escritório flutuante: aqui embarca-se todos os dias para trabalhar
“O que o Bloco de Esquerda propõe é que nos meses de inverno, quem tenha tarifa social de energia, ou seja, quem está numa situação de vulnerabilidade, tenha direito a um consumo energético mínimo de 5 kilowatts por dia gratuito”, anunciou Catarina Martins à margem de uma visita ao bairro da Quinta da Lage, na Amadora, distrito de Lisboa.

No entender da líder do BE, esta medida “custará cerca de 30 milhões de euros” ao Estado, um número “que combate a doença, combate a pobreza e dá condições de vida às pessoas”.
“Pode parecer um número muito grande, mas vos garanto que no âmbito do Orçamento do Estado é um número muito modesto” e com “impacto financeiro muito limitado”, considerou Catarina Martins, que crê “estar perfeitamente ao alcance do país garantir que as famílias mais vulneráveis conseguem aquecer a sua casa no inverno”.

Catarina Martins lembrou que Portugal é “um país em que um milhão e 700 mil pessoas ainda vivem abaixo da linha de pobreza”. Para o BE, segundo a coordenadora, “a energia é um bem essencial” e por isso “deve estar na taxa mínima do IVA”, de 6%, mas “o Partido Socialista e a direita opuseram-se” à votação dessa medida no âmbito do Orçamento do Estado para 2019 por terem “a ideia que Portugal tem de pedir a Bruxelas autorização para baixar o IVA”.

“Nós sabemos que noutros países o IVA sobre a energia é mais baixo, portanto temos que tomar a decisão primeiro e depois comunicá-la, não ficar à espera de autorização, e vamos propor isso mesmo”, acrescentou Catarina Martins.

A coordenadora do BE reagiu ainda à manifestação dos sindicalistas, na sexta-feira, na Assembleia da República, dizendo que tem “compreensão para quem sentiu a frustração da votação da legislação laboral”.
Uma série de diplomas de revisão do Código do Trabalho foi aprovada na sexta-feira em votação final global na Assembleia da República, com votos a favor do PS, abstenção do PSD e CDS-PP e votos contra de PCP, BE, Verdes e PAN.

Dezenas de sindicalistas da CGTP, envergando uma t-shirt vermelha, levantaram-se em protesto quando foram aprovadas, no parlamento, alterações à legislação laboral, votadas pelo PS, PSD e CDS, e gritaram “a luta continua” e “vergonha, vergonha”.

Ataque à Câmara da Amadora
Catarina Martins, apelou ainda, ao diálogo da Câmara Municipal da Amadora com os moradores do bairro da Quinta da Lage, para “parar as demolições”, acusando a autarquia de “autoritarismo”.
“A Câmara Muncipal da Amadora deve parar imediatamente o processo de demolições e começar um diálogo com a comunidade, para perceber que soluções se podem encontrar para este bairro e para esta comunidade sem a destruir, e isso é urgente”, disse.

Catarina Martins afirmou que “têm faltado à autarquia da Amadora capacidades básicas de diálogo”, falando inclusive num “autoritarismo que é absolutamente insuportável”.
Em 11 de Julho, a Câmara da Amadora demoliu seis casas no bairro da Quinta da Lage, justificando que as construções pertencem a agregados familiares que quiseram sair da zona, mas o PCP disse que os moradores foram surpreendidos.

A líder do BE lembrou que a Quinta da Lage “é um bairro autoconstruído há 60 anos" pelos habitantes, com “saneamento, luz, onde há muita gente que paga o seu IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis]. “Nunca ninguém disse a estas pessoas que não podiam morar aqui”, reforçou, acrescentando que o processo de demolições “é de uma violência social absolutamente inaceitável”.

“Vogui” vai apoiar jovens em risco de exclusão social

in Diário de Leiria

O Centro de Juventude de Águeda vai implementar o “Vogui”, projecto destinado aos jovens do concelho de Águeda com idades compreendidas entre os 13 e os 30 anos. O “Vogui - Programa de Intervenção Comunitária para o Desenvolvimento de Competências Pessoais e Sociais e Orientação Vocacional”, foi pensado e desenvolvido devido à elevada taxa de jovens em situação e risco de exclusão social e jovens “NEET” (não estudam, não trabalham e não frequentam nenhuma formação profissional), consequência directa do défice de competências pessoais e sociais e de um suporte de orientação vocacional adequado.

Figueira da Foz: Roma TV quer da voz à comunidade cigana

por Notícias de Coimbra

Decorreu no dia 19 de julho, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, a apresentação pública da primeira do canal «ROMA TV – Cigana TV», um projeto da responsabilidade da Letras Nómadas – Associação de Investigação e Dinamização das Comunidades Ciganas, no âmbito do Programa de Apoio ao Associativismo Cigano (PAAC), cuja entidade promotora é o Alto Comissariado para as Migrações- IP, que se fez representar por Luísa Malhó, Diretora do Departamento de Apoio à Integração e Valorização da Diversidade.

A «ROMA TV» é uma web TV que será transmitida através de plataformas digitais, e que tem como principais objectivos divulgar e promover a cultura cigana bem como as iniciativas, boas práticas que se realizam com as comunidades ciganas em território nacional.

Na sessão que foi presidida pela Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, estiveram presentes o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Carlos Monteiro, a Vereadora da Ação Social, Diana Rodrigues, o Presidente da Assembleia Municipal, José Duarte, a Presidente da Letras Nómadas, Olga Mariano, Bruno Gonçalves, Co-fundador da Letras Nómadas, e Sérgio Aires, sociólogo e ex-Presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza.

O Presidente da Câmara manifestou o seu agradecimento pela escolha da Figueira da Foz para a realização desta iniciativa, que no seu entender “foi, modéstia à parte, pelo trabalho que temos feito em prol da igualdade, em prol dos ciganos”.

O edil realçou o “trabalho profícuo e valioso que tem sido feito na estratégia de integração”, que permite que “possamos sentir os valores da Europa, da tolerância democrática, da cidadania” e que é uma preocupação “em termos de futuro, pois é assim que consideramos que é a maneira correta de integrar e receber”.
Rosa Mariano, Presidente da Letras Nómadas, frisou que ser cigano é ser português “com cultura cigana”, “é ser tudo aquilo que se quer ser sem deixar de ser quem é”.

José Duarte, Presidente da Assembleia Municipal, referiu que é importante “continuar a diminuir o estigmas e a promover a diversidade cultural”, pois o “caminho faz-se caminhado” e “nós estamos no caminho certo”.
Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, manifestou-se feliz pelo lançamento da ROMA TV (Cigana TV) que vai “ser um sucesso” e vai “desvendar à sociedade um conjunto de figuras e protagonistas da cultura cigana”. Agradeceu ao Município e à Associação, pelo seu “empenhamento naquilo que são causas de direitos humanos, por darem visibilidade aos problemas e arranjarem forma de corrigir os erros”.

A governante enalteceu o papel das Autarquias que assinaram a “Declaração dos Presidentes de Câmara e dos Representantes Locais e Regionais Eleitos dos Estados-Membros do Conselho da Europa contra o Anticiganismo”, bem como as políticas de igualdade de género, de integração de migrantes e de trabalho com pessoas ciganas, do Município da Figueira da Foz, que “passam uma “mensagem forte”, que pode “contaminar positivamente outras entidades”. Referiu ainda a importância do associativismo cigano, “de termos hoje vozes ciganas que falam dos seus desejos e das suas expectativas”.

A sessão constituiu ainda momento para a visualização do vídeo da primeira sessão da ROMA TV e para a distinção, por parte da Letras Nómadas de três personalidades, pelo seu trabalho, funções desempenhadas e perseverança na luta contra qualquer tipo de discriminação e promoção da diversidade cultural: a Secretária de Estado, Rosa Monteiro; o sociólogo, Sérgio Aires, que manifestou regozijo pelo reconhecimento de um trabalho com mais de 25 anos de combate à pobreza, e a Técnica do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Coimbra, Sancha Dias.

Formação sobre Inteligência Emocional em Farminhão

in Diário de Viseu

Formação sobre Inteligência Emocional em Farminhão INICIATIVA O Núcleo Distrital de Viseu da EAPN Portugal realiza, nos dias 18 e 19 de Setembro, a segunda edição da acção de formação ‘Inteligência Emocional: Como promover a autoconsciência e autogestão emocional nas pessoas e organizações?’, que decorrerá nas instalações da Associação de Solidariedade Social de Farminhão.

A acção é destinada a técnicos, coordenadores de equipas, directores técnicos e dirigentes de organizações sociais ou entidades públicas e privadas, projectos ou medidas como CPCJ, RLIS, NLI, RSI, CLDS 3G/4G, Escolhas 7G.
A formação tem como objectivos tomar consciência da importância da gestão emocional, conhecer e aplicar as cinco etapas da gestão emocional segundo Daniel Goldman, adquirir ferramentas de gestão emocional nas relações interpessoais e promover emoções positivas.

A formação será ministrada por Núria Mendoza, que é psicóloga e coach, pós graduada em coaching psicológico, certificada em coaching, programação neurolinguística, inteligência emocional, inteligência positiva, storytelling e hipnose.

O prazo para inscrições decorre até 11 de Setembro.
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Famalicão comemora Dia dos Avós

in Jornal do Ave

A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão vai juntar avós, filhos e netos na próxima sexta-feira, 26 de julho, no recinto do Santuário de Nossa Senhora do Carmo, em Lemenhe, para comemorar o Dia Mundial dos Avós. A iniciativa que já é uma tradição no concelho, realiza-se a partir das 15h00 e conta com a presença do presidente da Câmara Municipal, Paulo Cunha.

Boa disposição, convívio intergeracional, e momentos de lazer e brincadeira são as características mais marcantes deste dia. Do programa definido destaca-se ainda eucaristia pelas 14h30, seguindo-se a oferta de lanches e a animação musical.

A iniciativa é promovida pelo municipio, através dos pelouros da Família, Solidariedade Social e Desporto.

Programa:
Local: Santuário da Nossa Senhora do Carmo – Lemenhe
Data: 26 de julho de 2019
14h30: Abertura
15h00: Eucaristia
15h45: Após Eucaristia terminar prevista intervenção do Sr. Presidente
16h00: Distribuição de lanches e animação musical
17h00: Encerramento

25.7.19

Quem são e onde estão os pobres do mundo

in ElPaís

ONU adverte que a desigualdade, assim como a discriminação sofrida por mulheres, minorias étnicas, o coletivo LGTBI e a população rural impedirá que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sejam alcançados em 2030

Alguns poucos têm muito e muitos têm pouco. Acontece entre os países, também dentro deles e até em comunidades e lares. Existem aqueles que têm menos oportunidades do que outros para ter acesso à educação de qualidade ou aos serviços de saúde. Alguns sofrem discriminação e até perseguição por causa de quem amam, pela cor da pele, etnia, religião ou de onde residem. Todos eles são exemplos da desigualdade instalada, em maior ou menor grau, em todo o mundo. E ameaça impedir os progressos necessários para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030. É a advertência lançada pela ONU durante a realização do Fórum Político de Alto Nível em Nova York, um evento anual em que são avaliados os avanços nessa agenda internacional.

“A desigualdade faz com que os pobres e marginalizados tenham menos oportunidades de sair da pobreza”, disse Máximo Torero Cullen, vice-diretor-geral do departamento de desenvolvimento econômico e social da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), durante o debate de avaliação. Em sua opinião, a fome e a pobreza não podem ser erradicadas se não forem tomadas medidas para abordar o ODS 10 –reduzir a desigualdade nos países e entre eles–, cuja primeira meta é “alcançar progressivamente e manter o crescimento da renda dos 40% mais pobres da população a uma taxa superior à média nacional”.

Crescer e viver no bairro mais perigoso de Nairóbi
Os dados disponíveis a esse respeito são “limitados”, diz o relatório de acompanhamento dos ODS, pois só existem dados comparáveis para o período 2011-2016 de 92 países, dos quais apenas 13 são da África subsaariana. Com as informações disponíveis, a ONU estima que em 69 países os 40% mais pobres tiveram um aumento em sua renda, mas com grandes variações entre os territórios. Em 50 desses 69 países a renda desse segmento da população cresceu mais rápido que a média nacional. “No entanto, deve-se destacar que os 40% mais pobres receberam ainda menos de 25% da renda total”, escrevem os autores.

Desigualdades que não têm a ver (apenas) com dinheiro
Em busca de estatísticas mais detalhadas e úteis para o propósito de reduzir a pobreza “sem deixar ninguém para trás”, conforme proclama a agenda de desenvolvimento sustentável, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Iniciativa sobre Pobreza e Desenvolvimento Humano de Oxford (OPHI na sigla em inglês) elaboram anualmente o Índice Global de Pobreza Multidimensional. A edição de 2019, publicada recentemente, lembra que existe 1,3 bilhão de pessoas multidimensionalmente pobres nos 101 países de renda baixa e média que o estudo analisa, ou seja, que sofrem várias carências de uma lista de 10 relacionadas à saúde, educação e qualidade de vida. São quase o dobro dos 736 milhões daqueles considerados extremamente pobres, que vivem com menos de 1,90 dólar (cerca de 7,07 reais) por dia.

“Para combater a pobreza precisamos saber onde vivem as pessoas pobres. Elas não estão distribuídas uniformemente em cada país, nem mesmo dentro das casas. Dois irmãos podem viver sob o mesmo teto, um desnutrido e outro não”, explicou Achim Steiner, administrador do PNUD durante o lançamento do estudo. “O Índice Global de Pobreza Multidimensional de 2019 oferece as informações detalhadas que os responsáveis políticos necessitam para tomar medidas mais bem direcionadas e eficazes”, acrescentou. Os países que o fizeram “conseguiram progressos notáveis”, observou. O país que mais avançou foi a Índia: em uma década (2006-2016), 271 milhões de pessoas saíram da pobreza.

“Existem países que não crescem economicamente, mas reduzem a pobreza multidimensional porque usam melhor seus orçamentos, pois sabem melhor onde estão os pobres, em qual grau o são e onde estão”, detalhou Sabina Alkire, diretora da OPHI. Isto poderia ser feito por Uganda, onde agora se sabe que a pobreza afeta especialmente as áreas rurais. No país, 55% dos cidadãos sofrem de carências graves. No entanto, na capital, Kampala, esse percentual é de 6%, enquanto na região de Karamoja a proporção da população afetada dispara a 96%, o que faz dela uma das mais pobres da África subsaariana.

No mundo existe 1,3 bilhão de pessoas multidimensionalmente pobres
Entre os grupos de pessoas, além da população rural, as mulheres e as crianças são as mais vulneráveis à pobreza, segundo o Índice de Pobreza para Multidimensional. Metade das pessoas que sofrem de carências, como falta de acesso à água potável, educação, desnutrição ou moradia digna, é menor de 18 anos. Principalmente na África subsaariana, onde 63,5% das crianças são pobres. Em países como Burkina Faso, Chade, Etiópia, Níger e Sudão do Sul a situação é ainda pior: 90% das crianças menores de 10 anos são pobres.
Apesar da pior situação dos países menos desenvolvidos, a maioria na África, os países de renda média não estão isentos desse problema. De fato, dois terços dos pobres (886 milhões) vivem neles, de acordo com esse índice.

“Quase toda a discussão se concentra no crescimento econômico. Mas o crescimento econômico não resolverá o problema da desigualdade”, disse Justice Edwin Cameron, membro do Tribunal Constitucional da África do Sul, em seu discurso na assembleia da ONU em Nova York. “Há muitas discriminações e uma delas é a criminalização. Como homem gay orgulhoso em uma África do Sul homofóbica pré-democrática, vi e experimentei o medo de poder ser detido, preso e condenado que pode sentir uma pessoa gay”, afirmou. “Entre os países representados aqui na ONU, 69 ainda criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo, a maioria no meu continente: a África”, enfatizou, arrancando o aplauso dos presentes.

O juiz ressaltou que a perseguição à homossexualidade, à prostituição e ao consumo de drogas significa maior vulnerabilidade na prática. “Pensemos no HIV. A criminalização só faz com que essas pessoas não tenham acesso ao tratamento”.

Outro desses grupos estigmatizados é formado pelos trabalhadores informais, segundo Martha Chen, professora de políticas públicas da Harvard Kennedy School e assessora principal da rede global Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando (WIEGO na sigla em inglês). Eles representam 61% dos trabalhadores no mundo. “Um total de 2 bilhões. E mais de 90% vivem em países pobres”, disse a especialista. De fato, de acordo com estatísticas publicadas pela Organização Internacional do Trabalho, “a maioria é pobre e a maioria é de minorias étnicas. E há mais mulheres do que homens”.

“Existem muitas discriminações e uma delas é a criminalização”
“Isso tem relação com a desigualdade. Os trabalhadores informais sofrem de carências em termos de trabalho digno, direitos, proteção e canais para se expressarem e, portanto, em relação à sua qualidade de vida decente, acesso à moradia, serviços sociais...”, continuou Chen. “Os trabalhadores informais são estigmatizados, penalizados e até criminalizados por tentar ganhar a vida honestamente e os economistas os culpam pela falta de produtividade. Se têm de trazer seu trabalho para casa todos os dias, é claro que produzirão menos”.

É o caso, disse, dos vendedores ambulantes e dos recicladores de lixo nas cidades. “São assediados pelos Estados, sofrem confiscos, prisões...”. Pelo contrário, a especialista pediu que os primeiros fossem apoiados com facilidades para trabalhar em “espaços públicos centrais e seguros” e com “espaços de armazenamento” para os segundos. “Temos de acolhê-los em vez de estigmatizá-los e penalizá-los. O entorno político e jurídico deve priorizar os empregados que estão na base da pirâmide. Fala-se muito em criar empregos, mas às vezes se tomam decisões em cidades que, literalmente, destroem dezenas de milhares deles, de vendedores ambulantes e coletores de resíduos”, concluiu.

Nas três horas de debate houve tempo para falar, além disso, de outros grupos que sofrem especialmente a discriminação. Entre eles, os idosos. “É preciso mudar a narrativa: não somos um fardo ou um problema. Contribuímos para o tecido social e econômico das nações”, argumentou Jane Barratt, secretária-geral da Federação Internacional do Envelhecimento. “Todas as pessoas, independentemente da idade, têm o direito de que seus temores, talentos ou conhecimentos não sejam excluídos”, acrescentou.

“Se as causas da desigualdade não forem enfrentadas, os ODS não poderão ser alcançados e as pessoas começarão a protestar. Nós o faremos com uma greve no Dia da Mulher”
Mas existe uma metade da humanidade que, independentemente de pertencer ou não aos grupos anteriores, sabe bem o que é a discriminação: as mulheres. Os relatórios dizem isso e Nalini Singh, diretora-executiva do Movimento dos Direitos Humanos das Mulheres de Fiji, o recordou. “Como mulher do sul global, sei o que é desigualdade. As mulheres ganham menos que os homens, serão necessários 202 anos para acabar com essa defasagem e 107 anos para alcançar a paridade no âmbito político. Se as verdadeiras causas da desigualdade não forem enfrentadas, os ODS não poderão ser alcançados e as pessoas começarão a protestar. Nós o faremos com uma greve no Dia da Mulher”. Os aplausos e os vivas foram sonoros.

Olhar para cima e outras receitas contra a desigualdade
A desigualdade não é apenas um problema dos pobres, mas também dos ricos. A concentração de renda e de patrimônio contribui para ampliar o fosso entre eles. Isso foi destacado por um grupo de organizações da sociedade civil em um debate paralelo ao oficial sobre a desigualdade durante o Fórum Político de Alto Nível para o acompanhamento dos ODS. “Eles esquecem que também devemos tomar medidas para a redistribuição da riqueza, que as rendas mais altas devem contribuir mais, que se deve lutar contra a evasão de impostos e os paraísos fiscais”, argumentou Marco Gordillo, representante da Futuro em Comum, uma plataforma espanhola de entidades aliadas para promover a agenda de desenvolvimento sustentável na Espanha.

Não só contra a desigualdade, mas nos esforços para alcançar os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, “toda a atenção está em acelerar o que estamos fazendo, mas não há nada sobre o que precisa deixar de ser feito”, lamentou Barbara Adams, diretora-executiva do Global Policy Forum. Ela se referia às questões em que as nações ricas têm maior responsabilidade, como a mudança climática e a exportação de armas. O pensador uruguaio Roberto Bissio, secretário internacional do Social Watch, concordou com ela. “Nos exames nacionais de acompanhamento dos ODS, os países não falam oficialmente da desigualdade, nem dos impactos extraterritoriais de suas ações, não apenas o que tem a ver com o clima, mas também com os paraísos fiscais, a exportação de armas... Eu não acredito que alguém fale de suas exportações de armas em seus relatórios”, concluiu.

Trabalho: a matemática das desigualdades

João Fraga de Oliveira, in Público on-line


Numa economia que tantos economistas e políticos garantem estar “em franco crescimento”, o que esta tendência de agravamento das desigualdades sociais indicia é que, afinal, a “crise” é-lhes mais instrumento do que causa das desigualdades sociais.

“E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”
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De barco afundado a escritório flutuante: aqui embarca-se todos os dias para trabalhar
Apesar de não se ser “economista político” nem “moralista”, há poucos dias, aquando de uma das viagens na minha biblioteca, veio-me à memória esta pergunta de matemática (e não só) que, há muitos anos, fixei ao reler um dos meus livros preferidos.

Nunca consegui acertar com a resposta a esta pergunta. Se bem que tivesse perdido dias e noites às voltas com aritmética, álgebra, logaritmos, probabilidades, funções, equações e conjuntos, errei sempre. Por defeito.
Ora, tal complexa pergunta veio-me agora à memória ao ler um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado há poucos dias (em 4/7/2019), sobre a “distribuição e partilha do rendimento global do trabalho” [1].

Este estudo, abrangendo 189 países e o período de 2004 a 2017, mostra como, nestes 14 anos, veio a ser partilhada e distribuída aos trabalhadores a riqueza produzida. Ou melhor, dito de forma mais concreta, como veio a ser feita a partilha e distribuição da riqueza entre os representantes e interessados (directos ou indirectos) da detenção do capital e quem o trabalho consubstancia, isto é, as pessoas que o realizam, os trabalhadores propriamente ditos.

No que respeita a Portugal, este relatório da OIT demonstra uma situação especialmente negativa. Em 2004, a porção de riqueza produzida que cabia aos trabalhadores portugueses era de 65,8%. Em 2017, foi de 54,5% [2]. Mesmo com o aumento do “salário mínimo”, a partir de 2016, esta quebra relativa de rendimento dos trabalhadores portugueses foi a maior da União Europeia. Aliás, este estudo da OIT vem, no que respeita a Portugal, confirmar dados ainda mais recentes do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (também referentes a 2017 mas divulgados em 10/7/2019 [3]).
Segundo estes dados oficiais, as remunerações dos quase dois terços (1.300.000) dos cerca de 2.100.000 trabalhadores portugueses por conta de outrem não chegavam aos mil euros por mês, mesmo quando somados salário-base, prémios, subsídios e outros complementos. A grande maioria dos portugueses recebe salários entre os 600 e os 750 euros mensais. A exiguidade dos salários cresce no interior (por exemplo, nos distritos de Bragança, Viseu e Guarda), relativamente ao litoral.

No trabalho, do ponto de vista do que este contribui para a produção de riqueza, cada vez mais desigualdade(s). Importa relevar que resumir a concepção de desigualdade do rendimento dos trabalhadores (só) à ponderação do salário nominal, é escamotear o que de mais real e substantivamente desigual encerra essa abstracção numérica. E que decorre do quanto, com a tendência de privatizações e de objectivo retrocesso (porque não acompanhando proporcionalmente as inerentes necessidades financeiras, técnicas, organizacionais) de investimento nos serviços públicos (e, no caso do interior, mesmo de encerramento de alguns destes), tendencialmente (quase) só o salário garante saúde, educação, justiça, habitação, transportes. Enfim, (quase) só o salário é meio de “ganhar (a) vida”.

Não é que este estudo da OIT surpreenda. O agravamento das desigualdades na distribuição da riqueza, aumentando o património (e, daí, o poder) dos detentores (ou seus representantes) de(o) capital e reduzindo os rendimentos (e, daí, o poder de reivindicação, ainda que “só” da concretização dos direitos legais já existentes) dos apenas detentores da sua capacidade de trabalho, dos trabalhadores propriamente ditos, é uma tendência das últimas dezenas de anos. Como o têm comprovado insuspeitas organizações nacionais e internacionais [4] e especialistas insuspeitos e reconhecidos [5].

Acresce que a fragilização da posição dos trabalhadores nas relações de trabalho por esta via económica, das remunerações (tudo “aceitando” nos locais de trabalho para “compor” o salário ou, pelo menos, para não comprometer com ele o diário único “ganho da vida”, ainda que insuficiente...) não pode ser dissociada, porque a potencia, da fragilização induzida pela desregulamentação de direitos dos trabalhadores implicada pelas sucessivas alterações à legislação laboral (e, especialmente, as promovidas pelo anterior Governo de 2011 a 2014 – mormente em 2012 [6] – e que este Governo não reverteu [7]), nomeadamente no domínio da crescente precarização e individualização das relações de trabalho, facilitação objectiva dos despedimentos, bloqueamento da contratação colectiva e, mesmo, redução real e até literal das remunerações [8].

Dir-se-á que é ainda um efeito da “crise”, da real e da que para tudo é pretexto. Contudo, numa economia que tantos economistas e políticos garantem estar “em franco crescimento”, o que esta tendência de agravamento das desigualdades sociais indicia é que, afinal, a “crise”, se bem que também das desigualdades seja consequência para muitos (99%), para alguns, poucos (1%), é-lhes mais instrumento do que causa das desigualdades sociais. Que, objectivamente, como este relatório evidencia, lhes convêm.

Nada surpreendente. Afinal, “os pobres são pobres porque os ricos são ricos”, como dizia o professor Alfredo Bruto da Costa [9].

Dir-se-á também que é um “efeito colateral”, um defeito, uma imperfeição do funcionamento do mercado, que este resvalou pontualmente para a promoção de desigualdades sociais crescentes, porque, como escreveu Adam Smith [10], foi “levado como que por mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções”.

Contudo, esta hipótese não colhe, porque numa economia de mercado cada vez mais liberalizada (portanto, mais “perfeita”), é de supor, ter a certeza, de que este objectivo de promoção das desigualdades não se deve a qualquer imperfeição do mercado, a qualquer empurrãozinho malandro e fortuito da (tal) “mão invisível”, mas, antes, faz mesmo parte das intenções estruturais, da estratégia do mercado. Mais concretamente, de quem do capital do mercado é detentor (ou representante deste) e dele mais se aproveita.

Porventura, alguém também virá pôr em causa este estudo duvidando da credibilidade da OIT, apesar de esta ser uma entidade centenária [11] e mundialmente reconhecida do ponto de vista humano e social [12].
É certo que, sob certo ponto de vista, há razões para duvidar da credibilidade da OIT. Mas não no de pôr em causa a fiabilidade deste e de outros estudos idênticos. O que há razões para duvidar, sim – muito mais importante do que isso – é de que a OIT consiga (não o tem conseguido devidamente) ter efectiva aceitação, com efectiva possibilidade de nelas ter uma intervenção consequente, nas decisões das organizações regionais, internacionais e globais do mercado e da finança (por exemplo, a Comissão Europeia, a Organização Mundial do Comércio, o FMI, o G7, o G20 e outras). No sentido de estas integrarem nas suas decisões, procedimentos e práticas as posições (nomeadamente, convenções e recomendações) da OIT em coerência com este e outros estudos, bem como com outras referências fundamentais da Constituição, missão e acção da OIT, como são, por exemplo, a de que “o trabalho não é uma mercadoria” [13] e a promoção do “trabalho digno” [14].

De resto, este estudo é fiabilíssimo, não apenas por ser da autoria da OIT mas, também – muito importante –, porque já foi validado pelos accionistas e CEO da Jerónimo Martins, da EDP, da GALP, do BCP e de todas as empresas do PSI-20, nas quais, como se sabe [15], os rendimentos destes têm sido cada vez mais desproporcionadamente desiguais (na ordem das muitas dezenas e, nalguns casos, até mais de uma centena e meia de vezes) em relação aos salários médios dos trabalhadores das empresas de que são proprietários, gestores ou administradores de topo.

De qualquer modo, para os “economistas políticos” e para os “moralistas” portugueses, há uma vantagem matemática no prosseguimento deste caminho de desigualdades no trabalho. É que, assim, já podem responder à tal pergunta expressa por Almeida Garrett em Viagens na Minha Terra (1846) sobre “o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização... à penúria absoluta para produzir um rico”.

Sim, com este estudo, os “economistas políticos” e os “moralistas” já podem fazer melhor os seus cálculos e responder com convicção ao nosso grande escritor sobre (parafraseando-o) quantos trabalhadores é preciso condenar (pelo menos) à penúria e ao trabalho desproporcionado durante muitos anos para produzir certos accionistas e CEO, desproporcionadamente remunerados, das empresas onde eles próprios, trabalhadores, trabalham.
Pelos vistos, a resposta, matematicamente segura, é: cada vez mais.

[1] The global labour income share and distribuition https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_712261/lang--es/index.htm
[2] Dados recolhidos no mapa Excel que faz parte do relatório e a que este dá acesso, por link.
[3] https://observador.pt/2019/07/08/maioria-dos-trabalhadores-por-conta-de-outrem-ganha-menos-de-mil-euros/
[4] OCDE, Oxfam e outras
[5] Por exemplo, Joseph Stiglitz, Amartya Sem, Thomas Piketty e outros
[6] Lei 23/2012, de 25 de Junho
[7] Bem pelo contrário, manteve – vai manter – no essencial, como resultou da inerente votação na generalidade em 19/7/2019, na Assembleia da República.
[8] “Futuro do trabalho e qualidade do emprego: trabalhar mais para ganhar menos e ganhar menos para trabalhar mais?” – PÚBLICO, 15/6/2019 - https://www.publico.pt/2019/06/15/economia/opiniao/futuro-trabalho-qualidade-emprego-trabalhar-ganhar-menos-ganhar-menos-trabalhar-1876519
[9] Entrevista ao DN Madeira em 30/10/2010 (https://www.dnoticias.pt/multimedia/videos/233541-entrevista-a-bruto-da-costa-DLDN233541#). Alfredo Bruto da Costa (Goa, ex-Índia portuguesa, 5/8/1938 – Lisboa, 11/11/2016), engenheiro, professor universitário, foi ministro dos Assuntos Sociais (V Governo Constitucional), conselheiro de Estado, presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz e um dos maiores especialistas e interventor cívico e político em pobreza, desigualdades e exclusões sociais
[10] Adam Smith (Escócia, actual Reino Unido, 5/7/1723-17/71790), em A Riqueza das Nações (1776)
[11] A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919, em Genebra (Suíça), no âmbito da Liga das Nações (hoje ONU), na sequência do Tratado de Versalhes que pôs fim à I Guerra Mundial.
[12] É cinquentenária da atribuição do Prémio Nobel da Paz, em 1969
[13] Primeiro princípio da Constituição da OIT, introduzido pela Declaração de Filadélfia, em 10/5/1944
[14] “Trabalho digno” (formulação portuguesa da versão original – decent work) é um conceito adoptado há 20 anos (1999) pela OIT e que mais tem balizado a sua missão e acção internacional no mundo do trabalho. A definição assenta, essencialmente, em quatro componentes: oportunidades de emprego, efectivação de direitos a condições de trabalho e salário dignos, protecção social e diálogo e participação social
[15] “Desejo de menos desigualdade é generalizado, também entre os portugueses” – PÚBLICO, 25/9/2018. https://www.publico.pt/2018/09/25/economia/noticia/desejo-de-menos-desigualdade-e-generalizado-e-tambem-existe-entre-os-portugueses-1845122

Diálogo à esquerda vai exigir mais ‘humildade’

Texto David Dinis e Filipe Santos Costa Foto Tiago Miranda, in Expresso

Fim de caminho. Vieira da Silva já disse a António Costa que não quer ficar mais tempo. E não por causa da filha ter subido a ministra. Nesta entrevista, fala de Sócrates, de Costa, de Centeno, da ‘geringonça’ e do que virá. E deixa um conselho à esquerda: a exigência da humildade vai “pôr-se com mais evidência” na próxima legislatura.

Já esteve em vários Governos, todos diferentes, foi mais difícil governar nestas circunstâncias devido à pressão sobre a despesa?
É verdade, os modelos de solução governativa influenciam tudo isso, mas também há influência da situação económica e social. Mas não me afasto: os partidos [PCP e BE] colocam permanentemente uma dimensão de maior cobertura dos sistemas sociais. Eles diriam que também têm propostas de aumento da receita, só que na minha opinião algumas não garantem a tal tripla sustentabilidade da Segurança Social: além da social, que o custo não seja penalizador para a competitividade da economia e que não ponha em causa o equilíbrio orçamental.

O que se perspetiva é um crescimento menos forte do que nestes últimos anos. Seria desejável o PS estar menos dependente destes parceiros?
Não estou pessimista em relação ao ciclo de crescimento que temos pela frente. Há incertezas, mas também boas razões para acreditar que podemos viver num período muito prolongado com dinamismo no emprego e contribuições. Quanto à dimensão política, sejam quais forem os resultados das eleições, não vai ser quebrada esta dinâmica de diálogo, com incidência governativa, entre o PS, BE e PCP. É inevitável a continuação de um debate, que vai sempre depender dos resultados.

Sentiu alguma vez que PCP e BE tenham feito reivindicações “irresponsáveis” que nos pudessem levar de volta “ao caminho da penúria”, como disse Carlos César?
Uma coisa são algumas posições de princípio que alguns desses partidos têm — por exemplo, a reforma aos 60 anos, com 40 de contribuições. Isso é no plano dos princípios, mas essa proposta nunca foi feita. Significaria um aumento da taxa contributiva na ordem dos 6 pontos ou então um corte no valor das pensões, ou outra forma de financiamento que é sempre relativamente incerta. Os temas em cima da mesa estiveram dentro do quadro que permitiu uma consolidação orçamental.

É um choque. Eu não revejo naquelas acusações [a Sócrates] a pessoa com quem trabalhei vários anos
Nesta legislatura houve muitos diálogos impossíveis: pensão aos 60 anos, 35 horas no privado, fim do fator de sustentabilidade, leis laborais. Será possível retomar esses temas?
São temas permanentemente abertos, mas se há lição que temos que tirar desta experiência é que este trabalho de concertação é um exercício de humildade. Este modelo só é eficaz quando todos entendemos o que somos, o que valemos, quem representamos e contribuímos com isso para o bem-estar de todos. Isso pôs-se neste exercício e vai pôr-se com mais evidência no próximo.

Mas vê terreno comum em propostas como um novo patamar para o fim do fator de sustentabilidade, leis laborais, na próxima legislatura?
Os pontos de partida continuam a ser diferentes. Se são impeditivos de um entendimento, não creio.

É possível que a esquerda veja em Mário Centeno um obstáculo para novo acordo?
Não creio. Não é costume um dos ministros mais populares ser o das Finanças. Isso quer dizer que toda a gente compreendeu o enorme impacto positivo, para a economia e sociedade, das medidas de sustentação do equilíbrio das contas públicas.

BE e PCP também?
Além da retórica, acho que sim.
Em 2015 participou no grupo de economistas que preparou o programa económico do PS, onde estava Mário Centeno. Imaginou que quatro anos depois ele teria este capital político?
Sim. Eu já conhecia Mário Centeno. Fiz o contacto com ele, a pedido de António Costa, para integrar e liderar o grupo. E ele fê-lo de forma muito inteligente, com grande sensibilidade a ouvir os outros. Nessa altura, com algumas propostas mais arrojadas...

Algumas caíram nas negociações com a esquerda.
As circunstâncias mudam. Mas não era difícil perceber que ele poderia ter um papel muito importante. Portugal recuperou credibilidade muito por via de ter acompanhado medidas na área social com solidez das contas públicas.

A dupla Vieira da Silva/Mário Centeno vai manter-se na próxima legislatura?
Por Mário Centeno não posso responder…

E por si?
Já disse ao primeiro-ministro que não tenciono fazer parte das listas do PS. Vou terminar a minha longa passagem por cargos de responsabilidade política a este nível. Fui membro do Governo e deputado, fi-lo em exclusividade absoluta desde 1999. É altura que outros façam.

O facto de a sua filha ser agora ministra influenciou a decisão?
De maneira nenhuma.

Fez-lhe confusão a crítica que se fez ouvir, quando Mariana Vieira da Silva foi nomeada?
Dizer que foi agradável seria hipocrisia. Não tive nenhuma influência na escolha que António Costa fez, obviamente que sempre soube que a situação levaria a maior escrutínio, até às críticas, porque não é uma situação vulgar. Mas não é de todo por essa razão, até porque se haveria um preço a pagar por isso, já foi pago.

O que é que, nestes anos, gostou mais de fazer?
Encontrar soluções para os problemas, inovar nas respostas. Fazê-lo com sentido de justiça, recolhendo a maior informação possível. Fiquei ligado à criação de novas prestações sociais, de instrumentos de emprego e formação... não fiz o balanço, foram momentos muito intensos, também com a maior crise financeira que o país teve….

Esse foi o momento mais difícil? O final do segundo mandato com Sócrates [ 2011]?
É difícil não ser. Um país que estava a trilhar um caminho de recuperação, de modernização, e que foi atingido, por razões externas e internas, de forma tão dura…

Na última campanha com Sócrates, defendeu-o de forma veemente. Olhando para trás, o caso Sócrates é para si uma desilusão?
É um choque. Eu não revejo naquelas acusações a pessoa com quem trabalhei vários anos, e com proximidade política.
Nunca teve indícios de que aquilo se pudesse estar a passar? Parece difícil de acreditar...
Sei que isso hoje é considerado por muitos uma coisa extraordinária... mas comigo foi assim, como com muitas outras pessoas que têm funções importantes na sociedade portuguesa e tiveram a mesma experiência. Sempre trabalhei com um primeiro-ministro, com as suas características pessoais, que manifestava com muita intensidade a vontade de defender Portugal. Foi assim que sempre o vi.

E com quem gostou mais de trabalhar nestes 20 anos?
A resposta mais sincera é que eu gostei muito de trabalhar com as minhas equipas. Tive secretários de Estado com enorme capacidade, o Fernando Medina, o Pedro Marques. muitos outros. Quanto a primeiros-ministros, quem não fica entusiasmado por trabalhar com António Guterres? Mas é muito diferente trabalhar com um primeiro-ministro numa situação pacífica e de crescimento, ou num momento de tensões elevadas.

Falou em Pedro Marques e Medina. Vê o futuro do PS a passar por algum deles?
O PS gerou num escalão etário em torno dos 40 anos um conjunto de pessoas com muita capacidade. Mas temos no PS um secretário-geral que é, para o cargo, um jovem e tem características excecionais de liderança. Assisto com curiosidade e até com sorrisos a estas vagas de putativos candidatos. É legítimo, mas é cedo.

Contra Marcelo? “No PS, não vejo”
A pergunta foi direta: vê-se a votar em Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais? A resposta saiu aos solavancos: “O voto é secreto”… “a esta distância…”. Por fim, o elogio: “Marcelo Rebelo de Sousa tem tido um papel muito positivo na sociedade portuguesa”, e por essa razão Vieira da Silva repete o que António Costa já disse: “A seu tempo se verá, todas as possibilidades estão em aberto.” E haverá alguém no espaço do PS capaz e com vontade de defrontar o atual Presidente da República? “Não tenho visto sinais nesse sentido. Não vejo ninguém com peso político no PS e na sociedade portuguesa que se esteja a colocar nessa trajetória.” Marcelo pode dormir descansado...