A economia só surpreende quem não a quer conhecer.
O cenário de crescimento da economia portuguesa acima de 2% nos próximos três anos, que apresentei na semana passada, não é otimista, nem benevolente. Antes pelo contrário, é muito exigente para todos os que querem ver Portugal continuar a convergir com a Europa. É um cenário que exige estabilidade e previsibilidade, financeira e de políticas – ou seja, é um cenário que exige responsabilidade.
A área do euro está em recessão técnica. Podemos talvez dizer que está em estagnação. Não é com certeza um cenário externo benigno.
Uma economia vive de tendências e transições. Entre tendências e transições há depois ciclos económicos e choques.
O debate público acontece, demasiadas vezes, apenas sobre os choques, menos sobre os ciclos e ainda menos, mesmo raramente, sobre as tendências e as transições.
Desde 2016, a tendência de Portugal é de convergência com a área do euro. Na década que termina em 2025, vamos crescer mais de oito pontos percentuais acima da área do euro. Nos longos anos que decorreram entre 1995 e a grande crise financeira de 2008, a convergência foi de apenas um ponto percentual.
Desde o início do século, reduzimos o risco de pobreza e exclusão social, mais do que a área do euro, e aumentámos as nossas qualificações para além dos nossos parceiros. A percentagem de pessoas em risco de pobreza em Portugal passou de quatro pontos percentuais acima da área do euro em 2015 para dois pontos percentuais abaixo. Ultrapassámos, neste período, países como a Espanha, França ou Alemanha. Nas qualificações, abandonámos a cauda da OCDE na percentagem de estudantes que entram no mercado de trabalho com o ensino secundário completo, para estar hoje no topo. De pouco mais de 40%, passámos para mais de 85%.
Há hoje mais um milhão de empregos em Portugal do que em 2013. E a vasta maioria destes que hoje estão empregados são os mais qualificados que temos vindo a formar.
Os ciclos, esses, vão e voltam. Neste momento, conseguimos prolongar um ciclo que esteve, em 2019, no auge de mais de duas décadas.
Mas prolongar ciclos económicos não é simples e pode levar à acumulação de tensões. Todo o cuidado é pouco. Estas tensões fazem-se sentir nos preços, em situações em que os ativos ficam sobrevalorizados, e posteriormente os ajustamentos podem ser abruptos e desestabilizadores.
As políticas não podem ser expansionistas nestas fases do ciclo.
E de choques, infelizmente entre a covid e a guerra injustificada que a Rússia lançou contra a Europa em território ucraniano, temos tido “de tudo um pouco”.
E a resposta da economia portuguesa não poderia ter sido melhor.
Percebemos a natureza temporária da crise covid. Não teve o impacto estrutural na nossa economia que vimos nas crises financeira e de dívida soberana; não alterou as tendências, ainda que possa ter ajustado as transições que se observavam em 2019. Entre o início de 2019 e o de 2023, o emprego em sectores de maior valor acrescentado e salários acima da média cresceu mais. Dos 350 mil empregos criados pelo sector privado, 112 mil foram nos sectores da informação, comunicação, consultoria, ciência e imobiliário, onde o salário médio é de 1800 euros. Estes sectores contribuíram para a criação de emprego três vezes mais do que o seu peso de 10% no emprego.
Este facto desafia os 44 mil empregos criados pelos sectores do alojamento, restauração e transportes, onde o salário médio é de 1200 euros, e que perderam peso no emprego total.
A economia só surpreende quem não a quer conhecer.
Temos também de perceber a natureza temporária da crise inflacionista. O choque nos preços internacionais que esteve na sua origem já foi revertido. Cabe agora refletir essa reversão nos preços ao consumidor, em Portugal e na Europa.
Só assim a política monetária poderá ganhar previsibilidade nos próximos meses.
A Europa, Portugal incluído, deu a resposta com a natureza mais estabilizadora de todas as economias mundiais. A intensificação da integração europeia que o Eurogrupo e o Conselho Europeu aprovaram na Primavera de 2020 não pode voltar atrás.
Os cenários disponíveis para a economia portuguesa, com crescimento acima de 2% entre 2023 e 2025, apenas se materializarão se os agentes económicos e sociais (das empresas às famílias, passando pelo Estado) perceberem o valor da estabilidade promovida pelas políticas e comportamentos anteriores à pandemia.
necessário manter a redução do endividamento e aumentar a poupança; continuar a transição educativa, de que ninguém se pode apoderar ou tornar refém; e abrir as nossas fronteiras ao conhecimento e ao trabalho de todos os que possam contribuir para o sucesso da nossa sociedade.
O sistema bancário deve continuar a reduzir os riscos, remunerar o seu passivo e apoiar a economia portuguesa. Desde 2020 que o sistema bancário tem feito parte da solução e essa é a melhor retribuição que pode dar a todos os portugueses.
A responsabilidade social de todos, necessária à acumulação de capital social entre os agentes económicos, é uma condição precedente à continuação do atual momento económico – caracterizado por emprego e salários em máximos históricos, uma procura de trabalho que se encontra com a oferta de emprego mais qualificada de sempre. Os ingredientes que permitem, e permitirão, que este seja o verdadeiro momento do crescimento dos portugueses.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
[Artigo exclusivo para assinantes]