O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Neste mês de junho, o tema será como nos adequamos ao envelhecimento da população
OS FACTOS
Em 2021, 25% da população que vivia abaixo do limiar da pobreza tinha 65 anos ou mais, segundo o relatório “Pobreza e Exclusão Social em Portugal” desenvolvido pelo Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza.
Este valor sobe para 26,7% quando consideramos a população com 75 anos ou mais.
O risco de pobreza nos idosos não é só monetário, mas também material e social: entre 2019 e 2021, aumentou 33% versus uma subida de 2% na população dos 18 aos 64 anos.
De acordo com Alda Azevedo, doutorada em demografia e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), 30% das pessoas com 65 e mais anos não conseguem aquecer as suas casas.
E segundo dados da GNR e da PSP referidos neste relatório, em 2021, foram sinalizados 45,7 mil idosos em situações de isolamento geográfico e social, vulnerabilidade física e psíquica e vítimas de violência.
As mulheres são as mais afetadas porque vivem mais anos que os homens, mas em condições menos dignas e com mais problemas de saúde.
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI
No que respeita ao aumento significativo da pobreza material e social nos idosos, o covid-19 foi uma das principais justificações porque, por serem um grupo de maior risco, foram obrigados a estar mais isolados.
Segundo Alda Azevedo, isto foi mais significativo no interior, por causa do despovoamento que se tem verificado nos últimos 30 a 40 anos, mas, acrescenta Pedro Góis, sociólogo e professor na Universidade de Coimbra, também foi uma realidade nas cidades. Aliás, já o era antes da pandemia, diz.
“No mundo urbano também há cada vez mais segregação. Os velhos para um lado e as famílias para outro”, comenta o sociólogo Pedro Góis.
Apesar de não ser considerada uma condição médica, a solidão é muito nociva para a saúde: “há estudos que apontam que a solidão faz pior que o tabaco”, repara Alda Azevedo.
A escassez de lares e residências sénior é uma das razões para haver tantos idosos a viver sozinhos. Segundo dados da Carta Social, que analisa a dinâmica da Rede de Serviços e Equipamentos Sociais, mesmo com o aumento de 53% no número de lares desde o ano 2000, ainda só são cerca de 2600 em todo o território nacional. Claro que há também lares e residências privadas, alguns deles ilegais, mas os preços não são acessíveis a todas as famílias e muito menos a todos os idosos, cujas pensões são baixas.
Para Alda Azevedo, “na faixa etária dos 65 e mais anos existem grandes desigualdades sociais em Portugal que decorrem, precisamente, dos rendimentos e da riqueza acumulada ao longo da vida e das pensões que se recebem. Quem tem mais dinheiro, consegue ter mais condições de vida durante a velhice”.
Mas esses são poucos, porque uma parte da população idosa atual, apesar de ter trabalhado desde muito cedo, não teve empregos qualificados e bons salários, logo recebem pensões baixas e vivem em piores condições. E isto é ainda mais evidente nas mulheres do que nos homens, acrescenta, porque as mulheres que são mais velhas agora ou nunca estiveram empregadas e não descontaram, logo recebem a pensão mínima, ou tinham salários mais baixos que os dos homens, e recebem menos de pensão.
PARA ONDE CAMINHAMOS
As perspetivas não são muito animadoras.
Por um lado, as despesas dos mais velhos tendem a aumentar a cada ano que passa porque, repara Alda Azevedo, “se continua a apostar mais numa medicina curativa do que preventiva”. E os aumentos das pensões não são muito expressivos, porque dependem do crescimento da economia e da inflação. Este ano, por exemplo, subiram cerca de 4% em janeiro, ou €26,6 numa reforma de €550, e em julho vão ter mais um aumento extraordinário, que, neste caso, será de mais €19,6 por mês.
Depois, não se perspetivam alterações nas políticas do Estado para melhorar as condições de vida dos idosos.
Por exemplo, segundo escreveu o Expresso em março, o Programa de Recuperação e Resiliência tinha €417 milhões para melhorar e alargar a rede de lares, residenciais e centros de dias, criando 26 mil novas vagas, e desenvolver uma “nova geração de apoio domiciliário”, construindo 22 projetos de cohousing [partilha de casa]. Mas, os concursos já estão todos feitos e o Estado ainda só pagou às entidades responsáveis cerca de 8% dos fundos disponíveis.
Além disso, não há ainda uma resposta adequada para os 30% de idosos que passam frio dentro da sua própria casa e que, por isso, “têm mais probabilidade de ter problemas cardiovasculares e respiratórios, aumentando as suas necessidades de cuidados médicos e, consequentemente, os gastos do Estado”, nota Alda Azevedo.
Nem há medidas para tornar os espaços e transportes públicos mais adequados a idosos, o que evitaria quedas e as suas consequências. Nem há uma estratégia para repovoar o interior do país, por exemplo, com os imigrantes, repara Pedro Góis. “Não percebo porque é que os centros de emprego continuam a ser locais e não nacionais”, remata.