23.6.23

Catarina terminou o estágio e recusou um emprego. Ainda não estava na hora: viajou pela Europa e focou-se em terminar o mestrado

Cátia Barros, in Expresso

Os jovens têm de aceitar um emprego porque essa será a única oportunidade que vão ter? Catarina Almeida viveu esse dilema no fim do seu estágio curricular e não deixou de lado o medo de “ser ingrata ou arrogante por não aceitar uma proposta de trabalho”, mas optou por recusar e se dedicar com foco aos últimos meses enquanto estudante

Catarina Almeida passou os últimos anos, enquanto estudante de psicologia, a ouvir que “é muito difícil arranjar trabalho na área”. Ainda assim, depois de um estágio “numa grande empresa nacional”, recusou aceitar uma proposta de trabalho que lhe foi feita para ali “realizar funções relativamente diferentes”.

“Não aceitei porque senti que não era a minha hora”, explica a estudante de 22 anos, que optou antes por conciliar a escrita de uma dissertação de mestrado e de um relatório de estágio, a participação em ações de voluntariado, a criação de conteúdo para as redes sociais e ainda tirar um curso de Inglês. Aquando da proposta, recusou, pegou nas malas e aventurou-se durante duas semanas num interrail.

MEDO DO DESEMPREGO LEVA JOVENS A QUEREREM “DESTACAR-SE DESDE O PRIMEIRO ANO”

Catarina Almeida entrou na universidade no ano letivo de 2018/19 e desde então que cresceu a ouvir que não ia ter emprego. “Sempre que digo a alguém que sou estudante de psicologia as pessoas respondem, com uma cara preocupada, que é muito difícil arranjar trabalho na área e que muitas pessoas acabam no desemprego ou a realizar funções em setores diferentes”, conta.

Esta “pressão gigantesca”, que diz ter sentido ao longo do seu curso, levou-a a tentar destacar-se. “Comecei a internalizar o discurso e senti uma pressão gigantesca para me destacar no mercado de trabalho desde o meu primeiro ano de curso”. Para tal, envolveu-se em diversas atividades extra curso, tendo chegado a estar, durante a pandemia, em cinco projetos diferentes. Admite que em alguns momentos foi difícil participar em todos. “Conciliar todas as minhas responsabilidades extracurriculares quase me levou a um estado de exaustão psicológica, porque os meus minutos do dia eram meticulosamente calculados”

Contudo, Catarina acredita não ser caso único. “Não deixa de ser curioso refletir sobre esta necessidade de me envolver em várias atividades fora do curso até porque já pude perceber um padrão semelhante noutros estudantes”, conta.

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Enquanto aluna do Mestrado em Psicologia das Organizações, Social e do Trabalho, Catarina Almeida teve a oportunidade de estagiar numa “grande empresa nacional” e que “é reconhecida em todo o país como uma escola”. Ao fim de seis meses, recebeu uma proposta para ficar na empresa, mas recusou. “Comecei a ponderar os prós e contras, de uma forma muito racional. Sei que sou privilegiada e não preciso trabalhar para ajudar os meus pais a pagar as contas, portanto pude considerar a opção de não aceitar a proposta”, explica Catarina.

Ao longo dos seis meses de estágio, Catarina continuou a escrever a sua dissertação de mestrado – jornada que ia partilhando nas redes sociais com outros estudantes. No entanto, a aluna admite que “os avanços na tese não foram significativos porque era extremamente difícil chegar a casa depois de oito horas de trabalho e pegar na tese”.

“Não me foi possível gerir o desenvolvimento da tese, realização do estágio e dinamização das redes sociais sem sentir, em diversos momentos, que estava a falhar, não em uma, mas em todas as áreas”.

Catarina admite que esta “primeira experiência” no mercado de trabalho “foi bastante desafiante”, por isso, sentiu que “precisava de recuperar energias depois dos seis meses intensivos”, para depois se dedicar novamente à dissertação. “Decidi fazer uma pausa e fazer um interrail porque acredito genuinamente que, por vezes, precisamos de parar para conseguirmos recarregar as energias e avançarmos novamente”, conta.

Catarina Almeida durante a sua viagem pela Europa

Esta não é, no entanto, a única opção para quem quer fazer uma pausa. Raquel Novais, da Associação Gap Year Portugal, realça que os jovens podem realizar “experiências fora da caixa”, isto é, “experiências que coloquem os indivíduos fora da sua zona de conforto e em situações que, dificilmente, estes poderiam vivenciar no seu dia a dia e, consequentemente, contribuem em grande escala, para o seu crescimento e desenvolvimento pessoal”. Entre essas experiências, Raquel destaca as viagens, os programas de estágio, a experiência e trabalho de voluntariado, a experiência de trabalho, a Integração em projetos de Erasmus+ e a aprendizagem ou melhoraria uma capacidade.

Catarina quase consegue fazer check na lista completa. A viagem pela Europa deixou-a “mais empoderada” e com mais “confiança”. “Passei duas semanas a conhecer várias cidades que já tinha interesse na Europa e como planeei e fiz a minha viagem praticamente sozinha percebi que era capaz de muito mais do que aquilo que imaginava”, refere.

Raquel explica que “estas experiências podem integrar o gap year, mas podem ser igualmente realizadas isoladamente e integradas no dia a dia destes indivíduos/as como trabalhadores e/ou estudantes”.

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“SENTIA QUE ESTAVA A DESILUDIR ALGUMAS PESSOAS”

Apesar de tudo, Catarina não teve uma decisão fácil. “Alguns familiares fizeram questão de me dizer que estava a perder uma excelente oportunidade”, conta. “Sentia que estava a desiludir algumas pessoas importantes para mim, ao mesmo tempo que sentia que estava a ser ingrata ou arrogante por não aceitar uma proposta de trabalho num contexto instável como é aquele em que nos encontramos quando estamos perto de terminar o curso”.

Mas as redes sociais podem ser um fator importante para que um like se transforme na ‘síndrome do impostor’. “É muito fácil sentirmos que estamos a ficar para trás. Estamos expostos a variadíssimos relatos de pessoas com percursos profissionais de sucesso e acabamos por nos comparar com realidades que desconhecemos quase na sua totalidade”, diz a aluna, falando de uma comparação que “acontece à escala mundial”.

“Fala-se muito das questões associadas à beleza nas redes sociais, o quanto as fotos são manipuladas para se enquadrarem no padrão e quantos aspetos são omitidos para relatar a vida perfeita. Mas não acontece exatamente o mesmo no que diz respeito aos percursos profissionais e modos de vida?”, questiona Catarina. “Não podemos comparar-nos com a ponta do iceberg – o que a pessoa mostra nas redes sociais – e ignorar tudo o que não é partilhado”, acrescenta.

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A estudante considera que a sua geração, por consequência das redes sociais, ambiciona, “na sua grande maioria, um trabalho nómada e uma liberdade financeira numa idade ridiculamente prematura”.

“Eu tenho mais de 40 anos de trabalho à minha frente, como estudante só tenho mais uns meses. Será que recusar uma proposta de trabalho depois do estágio curricular vai ter um impacto assim tão negativo no meu percurso quando olhamos para a quantidade de anos que ainda tenho pela frente? Quando somos jovens temos a tendência de achar que tudo aquilo que decidimos neste exato momento vai impactar toda a nossa vida”. Mas Catarina, em resposta a si mesma, assegura que há mais que uma oportunidade na vida. “Como se fosse impossível escolher trocar de profissão a meio da vida”.