12.6.23

Por que razão sofrem os jovens? "Vejo a minha geração mais triste do que as anteriores. Estamos agarrados às redes sociais, sozinhos"

Joana Pereira Bastos Jornalista, João Martins, in Expresso


Nos últimos anos, os sinais de sofrimento psicológico dos jovens agravaram-se significativamente. A procura dos serviços de pedopsiquiatria disparou, os comportamentos autolesivos e as tentativas de suicídio estão a aumentar e são cada vez mais os adolescentes medicados com ansiolíticos e antidepressivos. Oiça aqui o novo episódio do podcast do Expresso “Que Voz é Esta?”, desta vez dedicado à saúde mental dos adolescentes, com as explicações do pedopsiquiatra Augusto Carreira e o testemunho de Beatriz Oliveira, uma jovem de 17 anos, aluna do 11.º ano numa escola em Lisboa

s números impressionam. Segundo um estudo da Organização Mundial da Saúde, divulgado no ano passado, 28% dos adolescentes portugueses sentem-se infelizes e 9% dizem-se “tão tristes que não aguentam mais”. É verdade que a adolescência sempre foi uma fase da vida associada a algum mal-estar psicológico, mas vários indicadores, como o aumento do consumo de psicofármacos ou o crescimento das tentativas de suicídio, mostram que o sofrimento parece estar a agravar-se.
“Vejo a minha geração mais triste do que as gerações anteriores”, admite Beatriz Oliveira, de 17 anos, apontando que muitos jovens estão hoje “agarrados a jogos ou a redes sociais, mais fechados sobre aquilo que sentem” e com dificuldade em criar relações.
No quinto episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, dedicado à saúde mental dos adolescentes, o pedopsiquiatra Augusto Carreira, antigo diretor do serviço de psiquiatria da infância e da adolescência do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, explicou alguns dos fatores que podem estar a provocar um agravamento do mal-estar psicológico dos mais jovens, como as profundas alterações sociais e familiares que têm vindo a acontecer nos últimos anos, de forma acelerada.

“O modelo de socialização dos jovens hoje em dia é diferente. É um modelo em que as pessoas, parecendo que estão acompanhadas, estão na verdade numa grande solidão”, explica, considerando que “este isolamento motivado pelas tecnologias” é um dos fatores que ajudam a explicar o agravamento dos sinais de sofrimento entre os adolescentes.
Para o pedopsiquiatra, os videojogos e as redes sociais aumentaram “a solidão emocional” dos adolescentes, promovendo relações muito superficiais, que dificultam o estabelecimento de laços mais íntimos e a partilha de sentimentos profundos, desde logo do próprio sofrimento.

Beatriz Oliveira descreve as redes sociais como “um abismo em que as pessoas caem e de que é difícil sair”. Mesmo tendo consciência de que estão “agarrados” a elas, muitos jovens não conseguem desligar. “Um like dá-nos uma validação que nós procuramos porque muitas vezes não temos essa validação na nossa vida diária”, diz a aluna do 11º numa escola de Lisboa.
A dependência dos videojogos, “que têm vindo a refinar os mecanismos de provocar adição”, está a ter igualmente “efeitos gravíssimos” na saúde mental dos mais novos, frisa Augusto Carreira. “Há jovens que não saem do quarto, só jogam. E uma das coisas que se percebe é que a sua capacidade de empatia está praticamente reduzida a zero”, afirma.

“As redes sociais foram feitas para nos prender a elas de uma forma que não é saudável e nós temos noção disso, mas mesmo assim continuamos (…) Acabam por ser um abismo em que as pessoas caem e de que é difícil sair. Um like dá-nos uma validação que nós procuramos porque muitas das vezes não temos essa validação na nossa vida diária."

A gestão do tempo de ecrã transformou-se mesmo num dos principais focos de conflito dentro das famílias, diz Augusto Carreira, frisando que a comunicação entre pais e filhos é mais importante do que nunca.

Neste episódio dedicado à saúde mental dos adolescentes, o pedopsiquiatra falou igualmente dos jovens que se ferem intencionalmente, auto-infligindo cortes ou queimaduras na pele como tentativa de alivar o sofrimento psicológico através da dor física. De acordo com um estudo da Organização Mundial da Saúde, quase 24,8% dos adolescentes portugueses já se feriu de propósito pelo menos uma vez e o número aumentou 5,2% entre 2018 e 2022.

“Hoje em dia, os jovens não têm capacidade de expressar as suas emoções e essa é a questão central dos comportamentos autolesivos”, explica, sublinhando que é urgente criar estratégias de prevenção, desde logo nas escolas. “É preciso que haja nas escolas quem seja capaz de identificar os jovens que estão a precisar de ajuda”.

Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.

Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.