Como pode o Estado intervir? Por exemplo, aumentando os salários na função pública para licenciados, mestres e doutores. Seria o estímulo necessário para o aumento dos salários no privado.
Segundo o relatório Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal, publicado pela Fundação José Neves (FJN) e agora divulgado, a diferença entre o salário correspondente a um diploma do ensino superior e o salário correspondente à finalização do ensino secundário caiu para metade entre 2011 e 2022. Existiu uma desvalorização salarial para os jovens que têm uma licenciatura.
Isto significa, como consta no relatório, que “os jovens adultos com ensino superior continuam a marcar passo”, ou seja, na prática, quem tiver essa oportunidade acabará por optar por ir trabalhar para outros países onde oferecem melhores condições remuneratórias. Há aqui um convite à emigração, como referiu Carlos Oliveira, presidente da FJN.
É muito triste, e muito grave, que assim seja e temos a obrigação, diria mesmo a necessidade, de pensar um pouco sobre isto. Que país teremos daqui a dez anos, se os mais qualificados e mais preparados emigrarem? Ninguém quer responder ou conceber a resposta a esta pergunta, mas ela coloca-se neste preciso momento.
Em primeiro lugar, importa fazer a despistagem da formulação liberal deste problema que aponta sempre para o excesso de carga fiscal que, supostamente, afasta os jovens cérebros. Nunca vi ninguém emigrar por causa do excesso de tributação: se os salários fossem aproximados, não seria o pagamento de impostos que justificaria, e compensaria, ir viver para outro país. Quem paga impostos gostaria de pagar menos. É compreensível. É certo que jovens qualificados tenderão a obter rendimentos correspondentes a um escalão de IRS em que pagarão imposto. Mas nunca seria por aí que os jovens se sentiriam aliciados a ficar. Trata-se de uma ilusão que não ajudará a resolver este problema concreto.
O que nós temos é um problema de salários baixos comparativamente com outros países da União Europeia. O mercado paga mal. Os jovens licenciados não têm a obrigação de se conformar com isso. São livres e têm direito a ser ambiciosos e a procurar as melhores condições de vida possíveis. É o que estão a fazer.
Atenção que o mercado funciona sempre bem para si mesmo. Quando dizemos que temos um problema na Habitação, estamos a dizer que existe um problema para as pessoas – as que vivem dos rendimentos do seu trabalho em Portugal e que querem comprar ou arrendar casa. O mercado imobiliário continua a funcionar maravilhosamente. As agências e os investidores estão ao rubro.
Aqui também é assim. O mercado do trabalho não dá respostas às justas ambições dos jovens licenciados. Mas são estes e as suas famílias que têm um problema para resolver. O mercado prossegue lindamente a pagar salários baixos e a expulsar licenciados do país. O seu interesse é remunerar pouco e lucrar muito. Temos poucos empresários que se destaquem desta lógica obsoleta. Vemos muitos queixarem-se da falta de mão de obra, sobretudo da não qualificada, mas poucos a reconhecer que existe uma relação entre essa escassez e os salários miseráveis que têm para oferecer.
Terão de ser o Estado e as políticas públicas a ter um papel nesta crise. As universidades, e o sistema de ensino e formação, têm feito um esforço para se adaptarem ao mercado. Cada vez mais as licenciaturas, mestrados e doutoramentos têm uma vertente prática ou técnica orientada para as necessidades das empresas e, lá está, do mercado. Esta é uma “reivindicação” liberal. Isto significa que as universidades enquanto centros de conhecimento e laboratórios de pensamento crítico estão a perder valências. O Estado tem responsabilidade nisto. Não são as universidades que precisam de se adaptar ao mercado. Se as coisas não estão bem, é ao nível do próprio mercado.
Como pode o Estado intervir? Por exemplo, aumentando os salários na função pública para licenciados, mestrados e doutorados. Esse aumento seria o estímulo necessário para o aumento dos salários no privado. Não existe melhor remédio para travar o fluxo de emigração do que aumentar os rendimentos que estes jovens podem obter com o seu trabalho.
Já seria positivo que conseguíssemos pensar nisto sem as habituais cortinas de fumo e sem apontar armas aos alvos errados. O mercado funciona sempre muito bem, mas nunca consegue resolver os problemas das pessoas. Neste momento está até a criar um novo e grande problema: é que ninguém fica contente a ver partir os que podem fazer, deste país, um país melhor.
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