Envelhecimento da população e aumento das doenças crónicas vão elevar pressão sobre o sistema de saúde e o acesso aos cuidados não é igual em todo o país, aponta a organização.
A saúde em Portugal “melhorou substancialmente nas últimas quatro décadas”, mas há desafios que têm de ser ultrapassados. O envelhecimento da população e o aumento das doenças crónicas vai elevar a pressão sobre o sistema de saúde e o acesso aos cuidados de saúde não é igual em todo o país, aponta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Um dos motivos é a falta de recursos humanos, nomeadamente médicos de várias especialidades e enfermeiros. Aumentar salários e condições de trabalho que permitam conciliar a vida profissional com a pessoal são duas das sugestões dadas para atrair e reter profissionais no SNS.
De acordo com o relatório da OCDE Economic Survey of Portugal, divulgado nesta quinta-feira, “nos próximos anos o sistema de saúde irá enfrentar um aumento dos encargos relacionados com cuidados de saúde e pressão financeira” com o continuado envelhecimento da população. Uma situação que terá reflexo na “já crescente carga de doenças crónicas e degenerativas e em multimorbidades”, refere o documento, que aponta a existência de disparidades no acesso à saúde relacionadas com questões socioeconómicas e geográficas.
“A distribuição dos recursos da saúde, incluindo estabelecimentos e profissionais, é desigual entre as regiões e resulta na falta de especialistas em algumas áreas”, salienta o relatório, que dá como um dos exemplos a falta de médicos de família que é mais pronunciada nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve. Mas estas diferenças de acesso também estão relacionadas com a capacidade financeira das famílias, que lhes permite recorrer ou não a serviços privados de saúde.
A questão dos recursos humanos no SNS é um dos pontos abordados no relatório, que refere as alterações legislativas promovidas pelo Governo, com a criação da Direcção Executiva do SNS, e os investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para melhorar o acesso e o investimento na área da saúde. O documento salienta que o investimento previsto no PRR em equipamentos, instalações e ferramentas informáticas “ajudará a lidar com o baixo investimento anterior” no SNS.
Menos rendimento disponível
O relatório da OCDE salienta que a escassez de médicos afecta especialmente a área de medicina geral e familiar e que nos próximos anos haverá uma “onda” de aposentações. Apesar de o número de vagas para formação pós-graduada ter aumentado nos últimos anos e de o Governo ter aberto mais vagas para contratar recém-especialistas do que o número de médicos que terminou a especialidade em cada época, as reformas e a dificuldade do SNS em reter profissionais de saúde leva a que não exista um equilíbrio entre saídas e entradas, lê-se no documento.
“Condições de trabalho desvantajosas no SNS, incluindo baixos salários e poucas oportunidades de formação”, estão a tornar o sector privado e a emigração mais atraentes para os médicos, diz a OCDE, que refere que “entre 2010 e 2021, a remuneração real em euros caiu 21% para especialistas e 28% para médicos de família”. “Aumentar a remuneração para a média da OCDE e oferecer oportunidades de aumentos regulares, de acordo com o desempenho e a progressão das competências, daria maiores incentivos financeiros para trabalhar no SNS e recompensaria melhor o alto desempenho.”
Reduzir o número de horas extraordinárias e aumentar a flexibilidade de horários também podem ajudar a atrair e reter médicos, permitindo uma maior conciliação entre a vida profissional e a pessoal, aponta o relatório, que admite que esta solução poderia no imediato agravar a escassez de profissionais.
O relatório refere ainda que “há também uma margem significativa para aumentar o uso de enfermeiros”. “A formação e as qualificações dos enfermeiros abrangem actualmente um conhecimento vasto e substancial”, diz o documento, referindo que, apesar disso, o sistema de saúde “continua centrado nos médicos”. E acrescenta que as responsabilidades atribuídas aos enfermeiros em Portugal “também ficam aquém de alguns outros países da OCDE, apesar da sua rigorosa formação universitária de quatro anos”.
O relatório recorda uma recomendação de 2016 do Tribunal de Contas, que considerava que um maior relevo dos enfermeiros de família ajudaria a libertar os médicos de algumas funções. “A implementação desta recomendação pode ajudar a resolver a escassez de profissionais de saúde de maneira económica. De uma forma geral, a realocação de tarefas para aproveitar melhor as competências de farmacêuticos, nutricionistas e enfermeiros, ao mesmo tempo em que remunera essas profissões, pode ajudar a melhorar os resultados dos pacientes e o uso eficiente da força de trabalho em saúde.”
Mas o “sistema de saúde português conta com menos enfermeiros do que a média da OCDE”, aponta o relatório, salientando que 19% dos enfermeiros portugueses emigram à procura de melhores salários e condições de trabalho. Percebe-se o porquê. “Quando ajustado ao poder de compra, os enfermeiros portugueses recebem apenas cerca de 60% da remuneração média da OCDE”, lê-se no documento, que deixa recomendações para atrair mais enfermeiros para o sistema.
“Tal como para os médicos, o aumento da flexibilidade nos horários, o trabalho a tempo parcial e a gestão do trabalho em conciliação com a vida pessoal e familiar podem ajudar a aumentar a atractividade da profissão de enfermagem, especialmente para as mulheres, que representavam mais de 80% dos enfermeiros em 2021”, refere o relatório.