15.6.23

Portugueses são dos que mais pagam a saúde do próprio bolso

Ana Sofia Santos Jornalista, Carlos Esteves Jornalista infográfico, in Expresso


Relatório da OCDE dá conta de que o Serviço Nacional de Saúde tem sido um pilar no acesso da população a cuidados médicos, mas que os portugueses continuam a suportar custos diretos muito elevados

Os doentes portugueses são dos que mais gastam com custos de saúde, em pagamentos diretos, entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). “Portugal tem uma das maiores percentagens de pagamentos diretos na OCDE, representando cerca de 29% do total das despesas de saúde em 2021, em comparação com cerca de 18% em média na OCDE”, indica o Relatório Económico da OCDE sobre Portugal, que inclui um capítulo de análise ao sector da saúde.

Estes pagamentos do próprio bolso estão, em regra, relacionados com serviços em prestadores privados, incluindo cuidados dentários, que são financiados muitas vezes por seguros de saúde.

Em 2015, cerca de 11% dos agregados familiares tiveram de gastar mais de 40% do seu rendimento em assistência médica, faz notar a OCDE.

Aliás, o peso dos pagamentos do próprio bolso na despesa total com saúde em Portugal “é duas vezes superior ao europeu média e entre as mais altas da OCDE, o que pode limitar o acesso aos cuidados e resultar em elevados gastos com serviços privados para algumas famílias”, afetando, em particular, os grupos com menores rendimentos.

A OCDE destaca ainda que a despesa corrente pública e privada com saúde aumentou entre 2020 e 2022, mas é realçado que essa subida se deu “a partir de uma base comparativamente baixa”. É que os gastos com saúde só regressaram em 2021 ao peso que tinham no Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, “após um declínio persistente desde a crise económica de 2011”.

Os gastos com saúde, públicos e privados, ficaram em torno de 9,5% do PIB em 2019 e 11,2% em 2021. “O que é acima da média da OCDE”, mas a organização realça que, per capita, o gasto anual foi de cerca de 3350 dólares (cerca de 3100 euros ao câmbio atual), menos do que a média da OCDE, enquanto a despesa pública com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) representou apenas 6,8% do PIB em 2021. “Há um considerável potencial para alcançar ganhos de custo-eficiência”, indica a OCDE.

“O SNS de Portugal tem sido a espinha dorsal de fortes resultados de saúde, mas a sua gestão financeira é um desafio de longa data”, frisa ainda o relatório. O aumento das despesas no SNS desde 2015 foi impulsionado por uma recuperação dos salários públicos e pelo aumento dos custos dos medicamentos e dos dispositivos médicos, “colocando uma pressão crescente sobre os orçamentos dos hospitais”.

O que, combinado com deficiências no planeamento e no controlo de gastos, leva a que “os orçamentos hospitalares sejam repetidamente insuficientes”. Como resultado, os hospitais públicos têm acumulado atrasos consideráveis nos pagamentos a fornecedores externos, que de forma recorrente são resolvidos com injeções de capital por parte do governo central.

“Medidas mais recentes começaram a abordar algumas dessas questões, com total pagamento das dívidas dos hospitais no final de 2022 e o aumento do orçamento da saúde para 2023, enquanto o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal prevê a adoção de um sistema de contabilidade analítica reforçado”, sublinha a OCDE, acrescentando que estas práticas orçamentais e o subinvestimento do passado “impedem uma utilização eficaz do financiamento”.

Ao mesmo tempo, a escassez de capacidade “cria disparidades no acesso aos cuidados e na cobertura”. Para a OCDE a aposta em práticas orçamentais mais eficientes e numa melhor gestão de recursos humanos ajudaria “a resolver listas de espera elevadas e falta de pessoal”.

O “rápido” envelhecimento da população é um dos grandes desafios futuros para o sistema de saúde de Portugal. “Apesar de um bom desempenho em expectativa de vida ao nascer e anos de vida saudável aos 65 – que contam o número de anos gastos livres de limitações de atividade –, os mesmos estão abaixo da média europeia”.

O nosso sistema de saúde “enfrentará crescentes encargos com a assistência e pressão financeira à medida que a população envelhece” já que a “proporção de pessoas com mais de 80 anos, que são os maiores beneficiários per capita de saúde e cuidados de longa duração, aumentará fortemente”, com a consequente maior prevalência de doenças crónicas e degenerativas, bem como o acumular de multimorbilidades.

“As projeções sugerem que esses desenvolvimentos exigirão aumentos significativos no número de profissionais de saúde trabalhadores e nas despesas de saúde pública até 2060, enquanto a atual escassez de alguns trabalhadores, nomeadamente enfermeiros, e a capacidade hospitalar limitada já conduzem a elevados tempos de espera para cirurgias e cuidados e crescentes necessidades médicas não atendidas”, refere ainda o relatório, salientando que a pandemia da Covid-19 “agravou mais esses desafios”.

Mesmo assim, a OCDE salienta que a saúde em Portugal melhorou substancialmente nas últimas quatro décadas. A esperança média de vida à nascença “aumentou consideravelmente, em dez anos desde 1980, e está um ano acima da média da OCDE”.

O SNS “oferece acesso universal a cuidados de qualidade a todos os residentes e tem muitos pontos fortes: a mortalidade evitável e tratável é baixa e as taxas de vacinação de rotina e contra a Covid-19 estão entre as mais altas da OCDE”.

“No geral, a qualidade dos cuidados prestados pelo sistema de saúde de Portugal é boa, mas há espaço para melhoria em áreas específicas. Embora as mortes relacionadas a causas evitáveis ​​e tratáveis ​​estejam abaixo da média da OCDE, Portugal fica atrás de outros países europeus, como Itália, Espanha e França”, o que sugere que pode ser feito “mais” para salvar vidas, “reduzindo os fatores de risco para as principais causas de morte, como a prevenção do cancro e das doenças cardiovasculares”.

Durante os surtos de Covid-19, o sistema de saúde português “mostrou-se bastante resiliente e conseguiu ajustar a capacidade de camas e das equipas médicas através de medidas excecionais”.

No entanto, muitos procedimentos hospitalares foram adiados e as condições de trabalho dos funcionários pioraram ainda mais, frisa a OCDE, o que se soma “aos já existentes atrasos, listas de espera e insatisfação entre os profissionais de saúde, que continuam elevados”.

Por outro lado, a distribuição dos recursos de saúde, incluindo instalações e serviços de saúde profissionais, é desigual entre as regiões e resulta em escassez de especialistas em algumas áreas.

Segundo a OCDE, as diferenças no acesso aos serviços de saúde entre regiões e bairros estão relacionados com os elevados gastos diretos assumidos por algumas famílias, a que se somam práticas e regras médicas heterogéneas, notadamente entre hospitais, e o baixo enfoque na prevenção. Por exemplo, nos municípios com áreas de baixa densidade ou de fronteira tende a existir um acesso geográfico mais débil aos seus hospitais de referência, enquanto o acesso a serviços de emergência é pior nos bairros mais pobres de Lisboa, cita a OCDE partindo de estudos nacionais.