Padre jardim Moreira, opinião, in Mensageiro de Bragança
Tendo em conta o momento crítico que atravessamos, o aumento intenso da pobreza, sobretudo dos grupos mais vulneráveis, a EAPN Portugal/Rede Europeia Anti Pobreza propõe uma reflexão sobre os desafios colocados às entidades com responsabilidades sociais, no que respeita a enfrentar este problema complexo, de natureza multidisciplinar, gerador de exclusão e de perda oportunidades e de capacidades.
Apesar do investimento em políticas sociais, nas duas últimas décadas em Portugal, os indicadores de pobreza monetária e de desigualdades são ainda bastante elevados, sendo Portugal um dos países europeus com taxas de incidência de pobreza mais altas. Não obstante o esforço redistributivo da proteção social dos últimos anos, do qual resultou alguma redução das desigualdades, da pobreza e exclusão social, este permanece como um dos grandes desafios que Portugal tem de enfrentar.
De acordo com um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) de 2018, Portugal é dos países desenvolvidos onde é mais difícil sair da pobreza ou, do outro lado, deixar de ser rico. Tendo em conta a mobilidade de rendimentos de uma geração para a seguinte, bem como o nível de desigualdade salarial em Portugal, pode demorar cinco gerações para que as crianças de uma família na base da distribuição de rendimentos consigam um salário médio.
Porque é que é assim?
Pensamos que não tem sido considerado que a pobreza tem causas multidimensionais, e não basta apenas uma resposta monetária. O conceito de pobreza multidimensional refere-se à experiência e ao impacto da pobreza no percurso de vida das pessoas. As pessoas experienciam a pobreza como uma série de privações, não apenas como ‘dinheiro insuficiente’ – ou outras coisas, mas experiências, oportunidades, serviços e ambientes que outras pessoas aceitam como normais. Estas privações podem incluir desemprego e baixa intensidade laboral, recursos financeiros, acesso a educação de qualidade e a cuidados de saúde, integração social, apoio familiar, condições de alojamento e residência. As pessoas em situação de pobreza também podem ser vítimas de estigma, vergonha, discriminação, isolamento e exclusão da vida social, consequências negativas de decisões restritivas ou de curta duração, pior saúde mental e física e uma esperança de vida mais reduzida. Por outro lado, o impacto da pobreza multidimensional pode ser mitigado nos seus efeitos através de fatores pessoais, relacionais, sociais e culturais de apoio ou que diminuem danos, criam resiliência e resistência. Episódios de pobreza frequentes, pobreza muito profunda ou pobreza persistente (i.e que dura um longo período), pode enfraquecer a resiliência das pessoas, reforçando a sua pobreza e isolamento.
Será indispensável uma resposta pluridimensional, que conte com a participação das próprias pessoas em situação de pobreza. Lembramos o aforismo: ”nada por nós sem nós” e todos os atores que intervêm aos vários níveis territoriais, bem como um cuidado acompanhamento de proximidade.
Trabalhamos já há vários anos, com uma equipa de âmbito nacional, composta de alguns dos melhores especialistas na matéria, na apresentação de uma estratégia nacional de luta contra a pobreza.
Temos assistido, e bem, a uma grande sensibilidade por parte das autarquias e muitas juntas de freguesia, organizações sociais públicas e privadas, empresas e sociedade civil, a responder, cada um a seu modo, aos problemas e carências de muitos portugueses, nesta hora de pandemia que enfrentamos.
Penso que são pressupostos e condições que propiciam uma nova intervenção para uma sociedade mais respeitadora dos direitos humanos de todos os portugueses; de exigirmos o exercício verdadeiro da democracia, da defesa das vítimas da injustiça e não prioritariamente na defesa das elites.
Sabemos que muitos cidadãos (ãs) portugueses, vivem hoje em condições que não são compatíveis com a dignidade humana e com uma sociedade democrática; estamos conscientes de que uma parte considerável da população portuguesa não vê satisfeitas as suas necessidades básicas em domínios como educação, saúde, habitação, justiça, emprego e proteção social. Sabe-se que as diversas formas de desigualdade (de rendimento, de riqueza, de poder, etc) se entrelaçam e se reforçam mutuamente.
Os pressupostos essenciais do combate à pobreza são a participação, a intervenção em parceria, a abordagem territorial e a intervenção integrada (Jordi Estivill). Sendo todos eles importantes para o êxito da intervenção social, entendemos que existem, ainda fortes limitações, sobretudo quanto à participação e quanto à ação integrada, que devem ser corrigidas.
De facto, frequentemente, combinam-se na mesma pessoa ou na mesma família vários problemas a necessitar de apoio, como insuficiência de recursos, baixa escolarização e qualificações, emprego precário, habitação degradada, desarticulação familiar, saúde debilitada, dificuldade no acesso à justiça e aos serviços.
A multidimensionalidade do fenómeno da pobreza tem de ser reconhecida pelos programas, e dar lugar a respostas integradas que mobilizam competências e recursos de diversas especialidades e parcerias. A promoção do acesso de todos os cidadãos a um conjunto de direitos sociais, designadamente, a um rendimento mínimo, ao mercado de trabalho, à proteção social, à educação e formação, à habitação, a cuidados de saúde, a serviços e equipamentos sociais, constitui um desafio estratégico e exige uma articulação de políticas que conjugam três pilares da inclusão ativa: (1) Favorecer a melhoria do rendimento, (2) Apoiar a integração socioprofissional, (3) Proporcionar mais e melhor acesso a serviços.
Uma estratégia de luta contra a pobreza requer medidas de carácter transversal e a avaliação dos efeitos (positivos e ou negativos) que as políticas poderão ter sobre a pobreza e a exclusão social.
O sistema judicial é um instrumento central no exercício da democracia “como instrumento de adensamento da cidadania “
Diversos estudos têm demonstrado que as categorias sociais mais vulneráveis evidenciam uma maior dificuldade no exercício do direito, o que indica uma desigualdade da proteção dos interesses sociais, ou seja, uma desigualdade jurídica dos cidadãos. Por parte, dos mais desfavorecidos, também se traduz num maior desconhecimento dos direitos e uma maior propensão para a resignação, e pela sua fragilidade linguística enfrentam dificuldades acrescidas.
A pobreza e a desigualdade em Portugal constituem problemas profundos e multidimensionais que requerem uma ação política para serem erradicadas. A EAPN Portugal acredita que é hora de concretizar uma Estratégia Nacional que mude positiva e eficazmente o destino de quase dois milhões de pessoas em Portugal.
Mantemo-nos disponíveis para cooperar com as entidades nacionais, regionais e locais na procura de soluções e iniciativas para a superação da profunda crise económica e social que estamos a vivenciar, nomeadamente através do desenvolvimento de projetos experimentais junto de populações afetadas por situações de depressão social e pressão económica, nas suas várias vertentes, tendo em vista assegurar um acompanhamento próximo, inteligente e inovador. O combate à pobreza e exclusão social exige-nos, mais do que nunca, essa coragem transformadora e urgente.
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