13.6.23

Carlos Pinto de Sá: "Alentejo vai perder, nas próximas décadas, entre 28% a 40% da água"

Francisco Almeida Fernandes, in DN


O presidente da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central pede mais apoio do Estado aos municípios para a resposta às alterações climáticas. Já há 14 concelhos com planos locais de mitigação.
m entrevista ao DN, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC) fala sobre os desafios que os municípios da região enfrentam na resposta às alterações climáticas. Através do projeto Adapta.Local.CIMAC, apoiado com 191 mil euros dos EEA Grants, a instituição conseguiu definir medidas de mitigação adaptadas a cada concelho. Com os planos concluídos, Carlos Pinto de Sá pede agora mais apoio financeiro do Estado central e mais recursos humanos para executar as estratégias.

Como é que surge o projeto Adapta.Local.CIMAC?

O projeto surge na sequência de um conjunto de anteriores projetos e posições da CIMAC de preocupação com as questões das alterações climáticas e da necessidade de estudar formas de nos adaptar a essas alterações climáticas. Recordo que estamos no Alentejo, uma região que tem problemas graves ao nível dessas alterações climáticas, em particular se tivermos em conta o problema da escassez de água. Há estudos que apontam para a possibilidade de o Alentejo perder nas próximas décadas entre 28% a 40% dos seus recursos de água. É por isso que surge esta ideia de sistematizar e olhar o futuro a médio prazo para podermos preparar os municípios e a sua intervenção na adaptação às alterações climáticas. Foi possível propor, no âmbito da CIMAC, aos 14 municípios do Alentejo Central, um projeto comum que permitisse responder a estas preocupações e depois traduzir essas medidas na atividade diária e nos planos estratégicos dos municípios.

O projeto conta com apoio técnico para desenhar as diferentes estratégias?

Foi feita uma candidatura a um concurso apoiado pelos EEA Grants e a CIMAC viu aprovada esta candidatura, que tem como parceiros, além dos técnicos dos municípios, o CEDRU - Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano e o operador dinamarquês International Development Norway, que trabalha com as questões climáticas e tem uma experiência significativa nesta matéria. Portanto, é nesta perspetiva de responder de uma forma sustentada que se avançou para os 14 planos de adaptação. Estes planos estão interligados e sustentados no Plano Intermunicipal de Adaptação de Alterações Climáticas.

Que tipo de medidas estão incluídas nestes planos? São dirigidos a setores e atividades específicas?


Em primeiro lugar, identificaram-se as principais prioridades relativamente às alterações climáticas. O que vamos ter aqui no Alentejo e no Sul de Portugal é uma tendência para que o deserto avance do Norte de África para o Sul da Europa, o que significa que vamos passar a ter um clima diferente, com muito menos períodos de chuva, em que a chuva aparecerá muito mais concentrada e em que o volume será significativamente maior por causa dessa concentração. Temos de ter atenção, por exemplo, à agricultura que aqui no nosso território é quem mais água gasta, cerca de 80% da água. Mas também para os próprios municípios, no sentido de poderem preparar a adaptação das suas redes de água e saneamento. A rede de água precisa ser remodelada e temos de obter financiamento para essas requalificações. A rede de saneamento também precisa ser intervencionada para se adaptar às chuvas muito concentradas que vamos ter. Precisamos também de adaptar os instrumentos de planeamento, como os Planos Diretores Municipais, no sentido de poderem responder a estas preocupações.

A cooperação entre municípios para atingir este objetivo comum também é uma das conquistas neste processo...


Este é um exemplo de cooperação entre municípios. Esta é uma área em que é particularmente necessária a cooperação de todas as entidades, não apenas do Estado Central, do Estado Regional ou do Estado Local. Estou a falar também das empresas, ou seja, estes planos não podem ser apenas municipais, têm de ser planos mais alargados e que tenham por base também essa cooperação. Isto é essencial, até porque as alterações climáticas não olham para os ciclos políticos.

A falta de financiamento e de recursos humanos nas autarquias são desafios à implementação destes planos municipais?

Podemos ter um bom plano, mas se não for concretizado não vale de nada. Infelizmente, em Portugal temos muitos exemplos dessa situação e, em particular, no Alentejo. Recordo vários anúncios de planos estratégicos para o desenvolvimento do Alentejo que ficaram na gaveta e apenas pelo anúncio. Tendo o plano, precisamos, em primeiro lugar, de ter estruturas dentro dos municípios que assegurem a sua execução. Isso significa ter recursos humanos qualificados e meios financeiros para os executar. A questão do financiamento é absolutamente essencial e tem de haver uma decisão nacional sobre estas matérias. Aliás, em rigor, este problema é um problema nacional, que tem de ser articulado ao nível nacional e local, no qual o governo tem, obviamente, um papel absolutamente determinante na execução destes planos.

Uma das características deste projeto é o envolvimento das comunidades no processo com reuniões locais. Será para manter?

Diria que é obrigatório, porque é necessário sensibilizar as populações e, naturalmente, devemos começar pelas escolas. Costumamos dizer que de pequenino é que se torce o pepino. Vamos ter de ter alterações nos comportamentos da população, nas nossas casas, nas empresas e nos padrões de consumo. É importante também ouvir as populações sobre o problema da mobilidade, por exemplo. Uma das principais causas das alterações climáticas tem a ver com as emissões do transporte rodoviário. É, portanto, necessário reduzir essas emissões, substituindo automóveis de combustão por automóveis mais amigos do ambiente. Mas temos de alterar o uso do automóvel e o comportamento. Por exemplo, no centro histórico de Évora não vai ser possível termos o volume de veículos que temos, vamos ter de reduzir substancialmente, ter outros hábitos de mobilidade, nomeadamente andar a pé, de bicicleta ou em transporte público. E isso faz-se envolvendo a população, porque não é de um dia para o outro que se conseguem essas alterações.

O Plano Ferroviário Nacional pode ter um papel importante nessa transição?

O Alentejo tem sido muito penalizado pelo desinvestimento na ferrovia, mas diria que o país todo, durante décadas, não cuidou do transporte ferroviário e desinvestiu, em particular no transporte de mercadorias. Os mármores aqui da zona de Estremoz, Vila Viçosa ou Borba podiam perfeitamente ter sido transportados por ferrovia. Houve, de facto, um desinvestimento na ferrovia, que me parece inqualificável, mas também algo que surpreende, porque a ferrovia oferece, sobretudo do ponto de vista do transporte de mercadorias, vantagens muito significativas. No Alentejo, a situação é ainda mais grave porque houve um conjunto de linhas que foram fechadas, não houve alternativas a essas linhas e, no Plano Ferroviário Nacional, o que está previsto para o Alentejo é, a nosso ver, manifestamente pouco. A CIMAC já se pronunciou sobre isso, chamando a atenção para a necessidade de reforçar e concretizar os investimentos na ferrovia aqui no Alentejo. No caso do Alentejo Central, vamos ser atravessados pela linha que vai de Sines a Évora e depois a Espanha. É claro que não deve servir apenas o porto de Sines e tem de servir também os territórios que atravessa. E, por isso, naturalmente, precisamos ter aqui pontos de ligação à ferrovia de mercadorias.

Deverá incluir também o transporte de passageiros?

Sim, a rede ferroviária pode ser utilizada não apenas para mercadorias, mas em simultâneo para passageiros. E essa é outra aposta que é importante. É verdade que o Plano Ferroviário Nacional aponta o que pretende fazer, mas não fala em prazos nem em financiamento. Ficamos sempre aqui um pouco na dúvida se é mais um plano que ficará no papel. Mas continuaremos a insistir nesta necessidade, que também terá impactos positivos na questão do clima.