Marta Santos Vieira, opinião, in Observador
Vivemos mais, mas somos impedidos pelo Estado de continuar. Não queremos parar a nossa atividade, mas a paragem é-nos imposta. O nosso cérebro está operacional, mas dizem-nos que a hora é de abrandar.
Vivemos um paradoxo curioso: por um lado, a esperança de vida aumentou e vivemos hoje mais do que a geração dos nossos avós, e isso é muito bom, mas, por outro lado, o idadismo está amplamente disseminado nas instituições, leis e políticas em todo o mundo, prejudicando a saúde e a dignidade dos indivíduos, bem como economias e sociedades de maneira escancarada.
Mas afinal o que é o idadismo?
O idadismo refere-se aos estereótipos (como pensamos), aos preconceitos (como nos sentimos) e às discriminações (como agimos) direcionados às pessoas com base na idade que têm. E manifesta-se em três níveis: institucional, interpessoal e contra si próprio, podendo ser explicito ou implícito. O idadismo institucional tem a ver com as leis, regras, normas sociais, políticas e práticas institucionais que restringem injustamente as oportunidades e prejudicam sistematicamente indivíduos em função da sua idade. O idadismo interpessoal surge das interações entre dois ou mais indivíduos. O direcionado contra si próprio ocorre quando o idadismo é internalizado pela pessoa e usado contra ela mesma.
O idadismo resulta da necessidade de categorizar para tornar percetível, o que levou a que a idade, uma das primeiras coisas que percebemos nas outras pessoas, fosse o referencial utilizado para as dividir, de maneira a causar prejuízos, desvantagens e injustiças, e para arruinar a solidariedade entre as gerações. E ao longo da vida o idadismo vai assumindo diferentes formas. Sabemos todos que o envelhecimento é um processo natural, mas apesar de ser universal ele não é uniforme. A forma como envelhecemos depende de vários fatores, desde logo das relações que mantemos com os ambientes social e físico ao longo de nossas vidas. Ele também varia de acordo com as características pessoais de cada indivíduo, incluindo da família em que se nasceu, o seu sexo e grupo étnico. E note-se que quanto mais tempo vivemos, mais diferentes nos vamos tornando, o que leva a que a diversidade seja a marca que distingue a idade mais avançada.
O idadismo inicia-se cedo, na infância, quando as crianças começam a perceber os estereótipos da idade, da sua cultura, por meio de sinais e mensagens que captam das pessoas ao seu redor e que começam a assimilar e a usar como referencial para se orientarem nos seus sentimentos e comportamentos em relação a pessoas de diferentes idades. E é um processo que se reforça e internaliza no tempo (estereótipos, preconceitos e discriminações), por força das interações entre os indivíduos e os seus ambientes sociais. Um exemplo disso são as pessoas mais velhas que não são chamadas para uma vaga de trabalho devido à idade que têm. Mesmo quando têm 55 anos, estão ótimos de saúde e aptos profissionalmente.
Em suma, o idadismo tem consequências graves e de longo alcance para a saúde, o bem-estar e os direitos humanos da população.
Em Portugal a população é envelhecida, mas não se toleram os velhos, muitos deles tidos como um fardo para a sociedade e para as famílias, o que pode levar a formas de discriminação, como a exclusão social e a falta de acesso a serviços de saúde adequados. Na Europa o idadismo também constitui uma preocupação crescente. Por isso a União Europeia tem trabalhado para combater a discriminação baseada na idade por meio de políticas e programas que promovam a inclusão social e o envelhecimento ativo, mas muito há a ser feito para garantir que as pessoas idosas tenham acesso a serviços de saúde adequados, empregos e educação. No Japão, o idadismo é um problema grave já que a sociedade japonesa valoriza muito a juventude e a beleza. E a taxa de natalidade iniciou, na década de 70 do século passado, um decréscimo, o que tem levado a uma série de desafios, como o aumento dos custos de saúde e a falta de cuidadores para pessoas idosas.
Analisando objetivamente os factos: 1) vivemos mais, mas somos impedidos pelo Estado de continuar; 2) sentimo-nos úteis profissionalmente, mas dizem-nos que já não pode ser; 3) não queremos parar a nossa atividade, mas essa paragem é-nos imposta; e 4) o nosso cérebro está operacional, mas dizem-nos que a hora é de abrandar.
A imposição da reforma é muito penosa para quem quer continuar a trabalhar. E importa aqui recordar que quando se discutiram as questões da carreira em Portugal (nos anos 30 século passado), ela se focou na idade de reforma, isto num período em que a esperança de vida à nascença não chegava aos 50 anos. Ora, isso hoje não é assim, temos em média pelo menos mais 30 anos de vida. A idade cronológica que marca o idadismo nega às pessoas seus direitos humanos e a habilidade de cada indivíduo alcançar seu pleno potencial. Discrimina-se pela idade e aceitamos isso com naturalidade. No mercado de trabalho, as instituições e empresas colocam as pessoas em prateleiras douradas, ou empurram-nas para a pré-reforma com rescisões de contratos supostamente amigáveis, como todos vamos sabendo pelos media.
É preciso combater ao idadismo. É preciso mudar a forma como pensamos, sentimos e agimos em relação à idade e ao envelhecimento, em relação a nós mesmos e aos outros, porque só assim podemos vislumbrar uma sociedade com um envelhecimento saudável.
Ai Portugal ninguém nos preparou, ao longo da vida, para o envelhecimento saudável, mas esse deve ser o objetivo de todos nós!