13.6.23

A humanidade não cabe na "inteligência artificial"

 Henrique Raposo, opinião, in Expresso


A linguagem humana não é feita apenas com palavras no sentido literal. As nossas palavras podem ter sentidos figurados no subtexto (ironia, metáforas) que o cérebro literal não capta e, acima de tudo, temos uma linguagem não verbal, uma linguagem escondida que é transmitida pelo tom de voz – uma arte em si mesmo -, pelos gestos e pelos olhares

Não compreendo a preocupação ou medo que vai por aí em relação à inteligência artificial (IA), em relação aos sistemas que fazem textos como ChatGPT. Mais uma vez, o debate aparece em tons apocalípticos, "Ela", a IA, vai dominar-nos! Podemos ter calma por uma vez? Para começar, convém dizer que estes sistemas não fazem textos - copiam textos; são gigantescos sistemas de plágio. Essa é, aliás, a discussão que devia estar em cima da mesa: porque é que encolhemos os ombros quando se instala na sociedade um gigantesco sistema de plágio? O ChatGPT não é "inteligência artificial", é roubo.

Além de fomentar o plágio, a IA é literal, não consegue compreender os significados figurados, isto é, a arte, o humor, a metáfora, a ironia, porque para isso é preciso o QE e não apenas o QI. Sem o coeficiente de inteligência emocional que se constrói desde a infância com as memórias e as emoções, o QI não chega para montar uma linguagem humana.

Como dizia a Virginia Woolf, uma única palavra (por exemplo, “feminista”) tem diferentes camadas, diferentes ecos que variam de país para país, de classe para classe, de pessoa para pessoa, uma palavra pode ser banal para uma pessoa, mas pode ser um tabu para outra.

Há quem diga que numa reunião Zoom à distância já corremos o risco de estar a falar com uma inteligência artificial que monta a imagem e o discurso que parece real, um avatar. Mas mesmo assim há um problema para a IA.

A linguagem humana não é feita apenas com palavras no sentido literal. As nossas palavras podem ter sentidos figurados no subtexto (ironia, metáforas) que o cérebro literal não capta e, acima de tudo, temos uma linguagem não verbal, uma linguagem escondida que é transmitida pelo tom de voz – uma arte em si mesmo -, pelos gestos e pelos olhares.

O que faz de nós humanos não é aquilo que dizemos de forma literal na linguagem verbal e captável pelo ChatGPT, o que nos define como humanos está no timbre da voz (que pode ser a negação do que está a ser dito); está nas hesitações no momento de falar, na tosse nervosa, nos tiques e trejeitos, no riso, no sorriso, na linguagem corporal, o encolher de ombros, as mãos no cabelo ou no queixo, as mãos a falar ou não, as caretas e demais expressões do rosto.