Rosa Soares, in Público
Clientes que renegociaram os contratos e ficaram com uma taxa de esforço inferior a 35% estão excluídos da medida que demorou mais de dois meses a chegar ao terreno.
As primeiras respostas aos pedidos de acesso à medida que pretende garantir a bonificação parcial de juros no crédito à habitação estão a confirmar aquilo que já se antevia. A medida tem uma abrangência muito limitada, porque considera apenas o encargo da prestação da casa para o cálculo da taxa de esforço das famílias (peso do crédito no seu rendimento). Mas também porque, constata-se agora, acaba por excluir quem teve necessidade de renegociar as condições dos contratos para baixar prestação, reduzindo a taxa de esforço abaixo dos 35%, mesmo que depois desse processo o valor a pagar continue elevado e acima do valor fixado aquando do início do empréstimo.
A renegociação dos empréstimos da casa por parte de quem não conseguiu acomodar o aumento das taxas Euribor foi incentivada por um diploma do Governo, o Decreto-Lei n.º 80-A/2022, de 25 de Novembro, que criou condições especiais para os clientes com taxas de esforço igual ou superior a 36% e empréstimos até 300 mil euros, poderem alterar as condições do contrato, como o alargamento do prazo ou o estabelecimento de períodos de carência de capital, entre outras. Isto, com o objectivo de baixar as prestações.
Depois daquela iniciativa, o Governo aprovou outra medida de apoio a agregados familiares com menores rendimentos, a bonificação parcial de juros, criada pelo Decreto-lei n.º 20-B/2023, de 22 de Março, cuja aplicação efectiva se arrastou por mais de dois meses, com as primeiras respostas a chegar aos clientes que a pediram apenas nos últimos dias. Para além da demora em chegar às famílias, as respostas estão a surpreender alguns clientes pela negativa, uma vez que estes estão a ser informados de que não cumprem os critérios de admissibilidade.
Estão em causa clientes que se viram forçados a renegociar os empréstimos da casa nos últimos meses, por não conseguirem suportar o aumento muito significativo das prestações, na sequência da forte subida das taxas Euribor, mas que no âmbito desse mecanismo — que tem custos a prazo, como o pagamento de mais juros — acabaram por ficar com uma taxa de esforço abaixo de 35%. O que os exclui, agora, do acesso à bonificação de juros, uma situação para que não foram alertados, segundo alguns casos que são do conhecimento do PÚBLICO.
Para esta situação contribui o facto de os critérios de acesso à medida, apesar de se destinar a famílias com rendimentos modestos, no limite até ao sexto escalão do IRS (ou rendimento bruto anual até 38.632 euros do agregado), serem muito restritivos. Como o PÚBLICO já noticiou, e ao contrário do que inicialmente se previa, a bonificação parcial de juros acabou por ficar limitada a quem apresente uma taxa de esforço igual ou superior a 35%, mas considerando apenas a prestação do empréstimo da casa, excluindo outros créditos, incluindo alguns complementares ao crédito à habitação e ao consumo, mesmo que representem um peso significativo no orçamento familiar. A bonificação também é aplicada apenas a partir de um determinado patamar da taxa Euribor — acima dos 3% em boa parte dos casos, nível em que se encontram já todos os prazos utilizados no crédito à habitação.
Para a associação de defesa do consumidor Deco, as respostas que estão a chegar aos clientes confirmam os alertas feitos sobre a restritividade dos critérios. “Em alguns casos, as instituições financeiras nem sequer detalham o motivo da exclusão dos particulares, limitando-se a dizer que não cumprem os requisitos de elegibilidade”, adianta ao PÚBLICO Natália Nunes, directora do Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da associação.
[Artigo exclusivo para assinantes]