6.9.07

Acabou o 9.º ano e já pensa na universidade

Helena Norte*, in Jornal de Notícias

Carlos Silva trabalha há 19 anos numa empresa de pneus, em Braga


No fim do ano passado, Carlos Silva não tinha o 9.º ano. Actualmente, está a começar a formação que lhe conferirá o 12.º e já pensa na universidade. Com 50 anos, voltou à escola, no âmbito do programa Novas Oportunidades, e ficou surpreendido com o que a vida lhe tinha ensinado, agora devidamente certificado em termos académicos. Um computador portátil ligado a internet de banda larga móvel, por 150 euros, foi apenas um bónus. O verdadeiro prémio foi ter aberto novos horizontes à vida.

Deixou a escola aos 15 anos. "Não gostava dos professores, tive muito más experiências na primária. Agora, queixam-se de agressão dos alunos, mas há 40 anos os professores batiam nos alunos e ninguém falava disso", recorda Carlos Silva. Há 19 anos que trabalha numa empresa de recauchutagem, em Braga. Começou como electricista, passou por várias funções até chegar a responsável pelo departamento de manutenção. Recebeu muita formação profissional, ao longo da carreira. Talvez por isso nunca tenha sentido necessidade de prosseguir os estudos.

Tudo mudou quando ouviu falar do programa Novas Oportunidades. Informou-se na Escola Alberto Sampaio, Braga, e percebeu que, afinal, podia ser simples completar o 9.º ano. Durante meio ano, "foi desenterrar o baú das memórias". "Fiz uma viagem ao passado, fui recordando e actualizando o que sabia e o que já tinha esquecido", explica. Aulas, no sentido convencional, teve poucas. Mas fez muitos trabalhos, testes e apresentações orais sobre as quatro áreas temáticas Língua Portuguesa, Matemática para a Vida, Tecnologia de Informação e Comunicação e Cidadania. "Estava um pouco esquecido de Português e Matemática. De informática não, porque todos os dias uso vários programas, aqui no trabalho."

Forte adesão a Norte

Em Julho, terminou o 9.º ano e foi o escolhido para fazer uma intervenção, perante os colegas e o secretário de Estado das Comunidades, durante a entrega de computadores aos formandos que acabaram o 3.º Ciclo. Até ao momento, 1500 formandos - quase metade do Norte - receberam já portáteis.

Ao abrigo do programa e-oportunidades, qualquer adulto que esteja em fazer um curso de formação, pode candidatar-se a receber um computador por 150 euros. Nas próximas semanas, mais dez mil vão receber o equipamento, disse ao JN Luís Avelar, administrador da TMN, empresa que vai atribuir cerca de metade dos 640 mil computadores que o Governo quer distribuir, nos próximos três anos, por adultos em formação, professores e alunos do 10.º ano.

Computador já Carlos Silva tinha lá em casa, mas agora ficou com um portátil só para si. "Faço muitas pesquisas na net, vejo os e-mails e, por vezes, também adianto trabalhos em casa." A mobilidade da ligação móvel à net é que ainda só usou uma vez.

Carlos "era o parente pobre" da família, no que à formação diz respeito a esposa e a filha são licenciadas e o filho está a terminar o curso superior. "Nunca me senti diminuído, mas decidi voltar por realização pessoal, e agora estou muito motivado para prosseguir os estudos", conta. Começou ontem com as aulas para ter equivalência ao 12.º ano, mas já pensa noutros voos. "A Universidade do Minho é perto de minha casa e tem lá uns cursos interessantes. Quem sabe não tento algum para me manter entretido?"

O aluno presidente

José Pêra, 62 anos de idade, reformado da ex-Guarda Fiscal onde permaneceu 30 anos, é hoje um homem mais confiante. Tudo porque recentemente, no âmbito do programa Novas Oportunidades promovido pelo Governo, completou a sua formação no âmbito do processo de reconhecimento, validação e certificação de competências para adultos com mais de 18 anos e recebeu um certificado que lhe confere habilitações equivalentes ao 9º ano de escolaridade.

José Pêra, além de ocupar os seus tempos livres a cuidar da lavoura, é presidente da Junta de Freguesia de Atenor (concelho de Miranda do Douro) já há 12 anos.

A formação que recebeu vai ser útil não só para o seu dia-a-dia, mas também para as pessoas que residem na freguesia. "Enquanto presidente da Junta, já notei que houve uma evolução no meus conhecimentos, principalmente ao nível das novas tecnologias. Eu não sabia o que era um computador e tinha muitas dificuldades", reconhece José Pêra.

Ao longo de cerca de quatro meses, foi aprendendo como utilizar o computador e, agora, é ele quem redige todos os documentos oficias da autarquia e ainda tem tempo para preencher formulários electrónicos aos seus concidadãos e enviá-los via internet.

" Já não tenho dificuldade em fazer declarações, ofícios ou atestados. Agora, tento convencer a população da minha aldeia a seguir as minhas pisadas. Um alerta que deixo nas reuniões dominicais feitas à saída da missa, no adro da igreja," sustenta José Pêra.

Do portátil que recebeu, José Pêra diz que vai ser-lhe útil porque tem outra mobilidade "Até posso ir a casa das pessoas e ajudá-las a resolver alguns problemas burocráticas e ler as notícias."

Para José Pêra, a internet é agora uma ferramenta que faz parte do seu quotidiano, quase tão importante como o seu tractor para a lavoura.

*com Francisco Pinto

Três programas para três grupos alvos

São três programas e-oportunidades, e-escola e e-professores e destinam-se a três grupos alvo - adultos em formação, alunos do 10.º ano e professores dos ensinos Básico e Secundário. As candidaturas para docentes e estudantes (www.eescola.net)começam este mês.

Portátil ligado a banda larga móvel

Os candidatos que reunam os requisitos podem receber um portátil, com placa de ligação à internet de banda larga móvel, por 150 euros. O único custo adicional é uma mensalidade de 17,5 euros, durante um ano, da ligação à net.