2.9.07

Troca de seringas e comida para conquistar confiança

Natacha Palma, in Jornal de Notícias

Para os utentes, o serviço é uma carrinha que percorre alguns pontos com "gente que não prega moral"


"Nem vale a pena". A frase, dita com um encolher de ombros, é expressa com um tal grau de certeza que até assusta. Reinaldo Moreira, 36 anos, é toxicodependente desde os 23 e acredita piamente que nunca deixará de sê-lo. Há seis anos libertou-se das drogas durante nove meses, num tempo em que esteve a trabalhar na Alemanha. Quando regressou, voltou ao mesmo. "O ano passado tentei de novo. Estive durante uma semana em Gondomar e fiquei limpo, mas mal saí porta fora fui logo consumir", recorda. "Isto é como um bichinho que está cá dentro. Às vezes parece adormecido, mas à primeira oportunidade acorda cheio de força", explica.

Ainda assim, Reinaldo Moreira preocupa-se com os riscos que corre ao consumir drogas, daí ser um dos 187 indivíduos dos concelhos de Espinho e de Ovar que durante o último ano recorreram ao Serviço Móvel de Apoio à Comunidade, mais conhecido por SMACTE.

Uma carrinha que ajuda

O serviço, promovido pelo Centro Social de Paramos, em Espinho, é um projecto nascido em 2002 no âmbito do programa Redução de Danos e financiado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência. Para os utentes é uma carrinha que percorre alguns pontos dos dois concelhos conduzida por gente que não lhes prega moral e que está pronta a ajudar, seja a dar seringas novas em troca de usadas ou a dar aquela que muitas vezes é a primeira refeição do dia.

E se os indicadores relativos ao período entre Setembro de 2006 e Julho deste ano, 'a priori', não saltam à vista, isto no que respeita, por exemplo, ao número de seringas trocadas ou de preservativos distribuídos, o que é certo é que o trabalho realizado pela equipa de rua junto de toxicodependentes, prostitutas e sem-abrigo tem obtido bons resultados práticos.

"Não trocamos centenas ou milhares de seringas como acontece em Lisboa ou no Porto, mas, por outro lado, por o universo ser mais pequeno, temos mais tempo para conhecer os utentes pelo nome, os seus problemas e aspirações. Não forçamos nada, mas, sempre que vimos uma abertura, procuramos dar a conhecer programas de tratamento ou serviços de apoio. Daí orgulhar-nos muito de, só neste último ano, termos registado 180 encaminhamentos para centros de atendimento a toxicodependentes (CAT), centros de alojamento e hospitais", explicou Marília Costa, coordenadora da equipa e educadora social.A enfermeira Rita Cruz, explica que tal só se torna possível quando a confiança entre os técnicos e os utentes é já muito forte. E, muitas vezes nem assim. "Quando tudo parece estar bem encaminhado, não acontece. Estou a falar das vezes em que o utente se mostra interessado em ir a uma primeira consulta no CAT e pergunta constantemente quando é que irá ser e depois não aparece", contou.

Joaquim (nome fictício) diz ser um dos que querem mudar. "Estou farto. A arrumar carros podia ganhar mil euros por mês se não gastasse tudo na droga. Assim, não tenho nada. Quero ir para a França trabalhar na construção civil com o meu irmão, que já lá está, mas, se não estiver limpo, mandam-me embora. É difícil, mas vou conseguir. Ai de mim se não vou", garante.