Abel Coentrão, in Jornal Público
A convite da CCDR-N, a Fundação de Serralves iniciou um "movimento imparável" que aumente o peso da cultura na criação de riqueza
O Norte está deprimido. Há desemprego. E pior do que isso, há desalento. Mas para os lados de Serralves e da sede da Comissão de Coordenação da Região Norte ainda há esperança. Na criatividade. As duas entidades acreditam que uma estratégia que potencie a criação de indústrias criativas - algo que vai muito para lá da cultura, tocando a moda, o design, o entretenimento e, no meio de tudo isto, o turismo - pode ser mais uma alternativa, económica, ao afunilamento da região na crise dos sectores tradicionais. E entregaram a um consórcio liderado pelos ingleses da Tom Fleming Creative Consultancy a tarefa de realizar, até Junho, um estudo que aponte o caminho, ou caminhos, para a criação de um cluster que coloque em rede todos os recursos existentes. O trabalho já começou.
"Sou uma pessoa criativa, a fervilhar de ideias maravilhosas. Como pode ajudar-me?" A pergunta vinda do público não desarmou Tom Fleming, apresentado em Serralves como o "vendedor" de uma ideia, o cluster de indústrias criativas para o Norte, que ontem atraiu umas dezenas de pessoas ao auditório do Museu de Arte Contemporânea. "Dê-me o seu telefone. Temos de conversar." Ouvir, ouvir os agentes no terreno, perceber o que fazem, do que precisam em termos de condições físicas, de apoios institucionais e financeiros, de contactos com outros criadores, investidores e "clientes". Será esta uma das receitas que a equipa de Fleming, que tem vários parceiros portugueses no consórcio, vai seguir para mapear o panorama da criatividade no Grande Porto, região e cidade que só esta semana conheceu, mas na qual vê grande potencial, desde logo pela sua heterogeneidade.
De baixo para cima
A multiplicidade de texturas - o Porto histórico, com as caves em frente, a modernidade e a contemporaneidade arquitectónica da envolvente, as indústrias tradicionais nos concelhos periféricos são para Fleming uma oportunidade. Se alguém conseguir fomentar a articulação entre estas "várias" cidades. Tal como tem feito noutras cidades inglesas e não só, o trabalho dele - um olhar bottom-up, de baixo para cima, como agradou a Serralves - é procurar entre quem está já no terreno personalidades que possam liderar "um movimento imparável" de criação de uma rede que fomente a erupção e o desenvolvimento de projectos criativos. Projectos que tenham um papel no desenvolvimento económico da região e na construção de uma identidade cultural que atraia novos residentes e leve os turistas a procurar algo mais do que o vinho e o património classificado pela UNESCO.
Na conferência que ontem proferiu, Tom Fleming aproveitou a sua experiência com os vários países nórdicos, para assinalar o que para ele é uma vantagem no Porto. A existência de um meio underground, de uma cidade desorganizada a fervilhar de projectos alternativos, em contraponto à "higiene urbana" escandinava. O consultor considera essencial que as autoridades que se envolvam no apoio a este cluster - seja criando agências ou fomentando a reconversão ou construção de estruturas físicas para acolher projectos - respeitem este universo subterrâneo, de onde sairão, assegurou, muitas ideias economicamente viáveis.
O desafio feito pela CCDR-N a Serralves para que esta instituição liderasse o processo de criação de um cluster de indústrias criativas no Norte tem como base o apoio da comissão a outro projecto da Fundação. O In Serralves visa o acolhimento, numa casa já reconfigurada para tal, de doze projectos que tenham a criatividade como motor. A incubadora ainda não começou a funcionar, mas já é um sucesso, a atestar pelas cerca de 70 candidaturas, para apenas 12 vagas. Odete Patrício, directora-geral de Serralves, explicou que o In Serralves é uma portunidade para os criadores, que, para além de trabalharem mum ambiente visitado anualmente por 350 mil pessoas, vão ter acesso a capital semente e ao contacto com empresas de peso, como é o caso de alguns dos fundadores da instituição que gere o Museu de Arte Contemporânea.
a A palavra saiu várias vezes da boca de Tom Fleming. Há nalgumas cidades um lado "messy" - dessarrumado, desorganizado - que deve ser acarinhado. Em conversa posterior com o PÚBLICO (ver P2 de amanhã), o consultor que tem ajudado lugares aparentemente incaracterísticos a valorizar, incrementar e " vender" criatividade - olhada como um sector económico, em sentido lato - voltou a insistir nessa ideia, e a observar que já percebera que o Porto é um desses sítios com uma camada underground essencial para esse esforço de reconstrução da identidade local/regional em torno de projectos com uma forte carga criativa.
A experiência de outras cidades por esse mundo diz-nos que a ideia é válida, mas valeria a pena saber o que dela pensa Rui Rio, presidente da Junta Metropolitana e mentor da criação Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, dois dos parceiros de Serrralves (o outro é a Casa da Música) no estudo para a formação de um cluster de indústrias criativas no Norte do país. É que, por cá, a experiência dos últimos anos, com o afunilamento cultural do Porto/cidade no mainstream e na cultura pimba, mostra-nos uma total marginalização desse Porto underground, que nada diz a Rui Rio, e que este confunde até com as vozes que o criticaram a propósito da sua política de subsídios e de privatização da gestão de espaços públicos.
Fleming talvez ainda não a conheça, mas há ali pela Baixa uma cidade que não precisou de estender a mão ao silêncio subsidiado para medrar; que há bandas a reiventar um shopping decrépito, criativos negócios em velhas ruas onde a SRU ainda nem sequer chegou, e que fazem muita gente ter vontade de procurar casa - há poucas e são caras - para viver. É esta atracção que o inglês nota nas cidades onde desenvolveu trabalho. Tenha ele parceiros para o fazer também no Porto. Apesar de Rio.