Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Os dez por cento de famílias com rendimento mais baixo estão a sentir uma inflação de 3,5 por cento. As mais ricas de apenas três por cento
As famílias portuguesas com rendimentos mais baixos são aquelas que mais estão a sentir os efeitos da inflação.
O último inquérito aos orçamentos familiares divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostra que quanto mais baixo é o rendimento do agregado familiar, maior é o peso no orçamento das despesas em classes de produtos onde, durante o último ano, os preços subiram mais.
Cálculos feitos pelo PÚBLICO - adaptando a estrutura de despesa familiar de 2006 aos números do Índice de Preços no Consumidor por produto registados no passado mês de Março - colocam a inflação homóloga em 3,5 por cento para os dez por cento dos agregados familiares mais pobres em Portugal, o que compara com um valor de apenas três por cento para os dez por cento mais ricos.
De igual modo, o mesmo tipo de cálculo mostra que os agregados com um rendimento médio anual por pessoa inferior a 5200 euros estão a sentir uma inflação homóloga de 3,6 por cento, ao passo que aqueles que têm um rendimento médio anual por pessoa superior a 31.200 euros se ficam por um valor de 3,1 por cento.
Nos rendimentos intermédios, a regra é sempre seguida: quanto menor o rendimento, maior a taxa de inflação sofrida (ver gráficos).
Culpa dos bens essenciais
Este fenómeno ocorre porque, durante o último ano, os preços têm subido mais naqueles bens que, por serem essenciais, têm de ser forçosamente consumidos em quantidades quase iguais por todas as famílias, seja qual for o seu rendimento.
As famílias mais pobres saem particularmente prejudicadas pelo facto de gastarem uma parte substancialmente superior do seu orçamento na compra de bens alimentares e nas despesas relacionadas com a habitação. É para estas duas classes que fica reservado logo 43 por cento do rendimento dos agregados que auferem anualmente menos de 5200 euros por pessoa. O problema é que, neste tipo de bens, tem-se registado, durante o último ano, uma subida de preços que fica acima da média da totalidade dos produtos. A inflação homóloga nos bens alimentares foi em Março de 3,6 por cento, enquanto na habitação - que inclui as despesas com electricidade, água e gás - este indicador chegou aos quatro por cento.
Nas famílias com rendimentos mais elevados, em que o valor anual médio auferido por pessoa supera os 31.200 euros, a despesa com estes bens não ultrapassou os 35 por cento.
É ainda de chamar a atenção para o facto de, dentro da classe de bens alimentares, as principais subidas de preços se darem em bens considerados essenciais e em que, em princípio, as famílias com rendimentos mais baixos gastam uma parte superior do seu orçamento, como o leite ou o pão. A análise feita pelo PÚBLICO não leva em conta esse nível de desagregação da despesa familiar, que ainda poderia acentuar as disparidades do impacto da inflação sobre os diferentes tipos de famílias.
Mas existem ainda outras classes de bens que prejudicam de forma acentuada a população com menores rendimentos. Os gastos com a saúde, que exigem, no caso dos agregados mais pobres, oito por cento da despesa total, têm registado subidas de preços muito fortes nos doze últimos meses, com uma inflação homóloga de 4,3 por cento. A principal explicação está na subida das taxas moderadoras nos hospitais públicos decidida pelo Governo em Abril do ano passado.
Lazer mais barato
Outro factor a contribuir para a diferença no impacto da inflação está também naquilo que aconteceu aos preços dos bens que as famílias de maiores rendimentos consomem mais. Estão nesta circunstância as despesas em lazer e cultura, que ocupam oito por cento do orçamento dos mais ricos, ao passo que não ultrapassam os dois por cento nos agregados mais pobres. Nestes bens, a inflação anual está, neste momento, bastante abaixo da média, não ultrapassando os 0,6 por cento.
O mesmo tipo de fenómeno ocorre na classe de bens constituída pelo vestuário e calçado. A inflação homóloga aqui foi de 2,2 por cento em Março, o que também acaba por beneficiar as classes de rendimento mais elevado.
Com as famílias de menores rendimentos mais afectadas pela inflação, agravam-se ainda mais os problemas de desigualdade que têm vindo a acentuar-se nos últimos anos. O mesmo inquérito aos orçamentos familiares apresentado recentemente pelo INE veio revelar que a diferença de rendimentos entre os 10 por cento mais ricos e os 10 por cento mais pobres da população portuguesa agravou-se entre os anos 2000 e 2006.