Joaquim Forte, in Jornal de Notícias
Investigação centrada em feirantes permitiu concluir da existência de métodos próprios de cálculo, diferentes dos ensinados na escola
Que ligação existe entre a matemática e a comunidade cigana? A resposta pode ser Etnomatemática. "É uma área de investigação ligada ao estudo da matemática que pretende perceber e procurar a matemática que tenha ficado em forma latente em grupos sócio-culturais diferentes", responde Cláudio Cadeia.
Este professor do Primeiro Ciclo do Ensino Básico faz parte do grupo de investigadores cujos trabalhos constam da publicação internacional "Etnomatemática, um olhar sobre a diversidade cultural e a prática de matemática", lançada este mês. No seu caso, a investigação fez parte da tese de mestrado em Educação em Matemática Elementar, na Universidade do Minho, em Guimarães - "Etnomatemática o cálculo mental na comunidade cigana".
Dois anos de investigação e contactos com ciganos nas feiras semanais de Vila Nova de Famalicão e na freguesia de Joane daquele concelho e com um grupo restrito de alunos desta comunidade. "Foi uma experiência aliciante. Fui muito bem recebido pela comunidade, apesar de ter situações caricatas como a de ser confundido com um agente da PJ ou com o fiscal da feira", conta o docente.
Cadeia observou o tipo de cálculo mental utilizado pelos ciganos nas feiras tentando perceber a forma como, apesar da baixa escolaridade, conseguem fazer os trocos aos clientes. De seguida, procedeu a entrevistas. "Comecei por questionar com números inteiros, depois fui complicando com os cêntimos. Eles resolvem as questões em ritmos diferentes mas algumas pessoas demonstram um cálculo mental muito bom", descreve.
A investigação permitiu concluir da existência de métodos próprios de cálculo, diferentes dos que são ensinados na escola. "Em situações de troco utilizam o método de subtrair, modificando até ao múltiplo de 10 mais próximo", explica o investigador, exemplificando "o cliente dá 100 euros para pagar 28 euros; eles fazem a conta até aos 30 euros e depois concluem com os restantes dois euros. Recorrem muito à propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição, sem saberem, claro, destes termos".
O autor da tese considera que este tipo de investigação acaba por ser um contributo para combater o abandono escolar muito precoce da comunidade cigana e para que o ensino procure adaptar-se ao ritmo de aprendizagens das etnias. "Há muitas dificuldades em integrar as crianças ciganas nas escolas porque os pais e as crianças não vêem a escola com bons olhos, e a própria escola não sabe muito bem como lidar com eles", afirma.