16.4.08

A matemática específica que os ciganos calculam

Joaquim Forte, in Jornal de Notícias

Investigação centrada em feirantes permitiu concluir da existência de métodos próprios de cálculo, diferentes dos ensinados na escola


Que ligação existe entre a matemática e a comunidade cigana? A resposta pode ser Etnomatemática. "É uma área de investigação ligada ao estudo da matemática que pretende perceber e procurar a matemática que tenha ficado em forma latente em grupos sócio-culturais diferentes", responde Cláudio Cadeia.

Este professor do Primeiro Ciclo do Ensino Básico faz parte do grupo de investigadores cujos trabalhos constam da publicação internacional "Etnomatemática, um olhar sobre a diversidade cultural e a prática de matemática", lançada este mês. No seu caso, a investigação fez parte da tese de mestrado em Educação em Matemática Elementar, na Universidade do Minho, em Guimarães - "Etnomatemática o cálculo mental na comunidade cigana".

Dois anos de investigação e contactos com ciganos nas feiras semanais de Vila Nova de Famalicão e na freguesia de Joane daquele concelho e com um grupo restrito de alunos desta comunidade. "Foi uma experiência aliciante. Fui muito bem recebido pela comunidade, apesar de ter situações caricatas como a de ser confundido com um agente da PJ ou com o fiscal da feira", conta o docente.

Cadeia observou o tipo de cálculo mental utilizado pelos ciganos nas feiras tentando perceber a forma como, apesar da baixa escolaridade, conseguem fazer os trocos aos clientes. De seguida, procedeu a entrevistas. "Comecei por questionar com números inteiros, depois fui complicando com os cêntimos. Eles resolvem as questões em ritmos diferentes mas algumas pessoas demonstram um cálculo mental muito bom", descreve.

A investigação permitiu concluir da existência de métodos próprios de cálculo, diferentes dos que são ensinados na escola. "Em situações de troco utilizam o método de subtrair, modificando até ao múltiplo de 10 mais próximo", explica o investigador, exemplificando "o cliente dá 100 euros para pagar 28 euros; eles fazem a conta até aos 30 euros e depois concluem com os restantes dois euros. Recorrem muito à propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição, sem saberem, claro, destes termos".

O autor da tese considera que este tipo de investigação acaba por ser um contributo para combater o abandono escolar muito precoce da comunidade cigana e para que o ensino procure adaptar-se ao ritmo de aprendizagens das etnias. "Há muitas dificuldades em integrar as crianças ciganas nas escolas porque os pais e as crianças não vêem a escola com bons olhos, e a própria escola não sabe muito bem como lidar com eles", afirma.