Catarina Gomes, in Jornal Público
No grupo dos menores de 65 anos o Algarve destaca--se pela negativa, sendo a única região onde a taxa de mortalidade padronizada por suicídio cresceu
O suicídio e a existência de sintomas de "sofrimento psicológico" afectam sobretudo trabalhadores não-qualificados, refere um estudo feito pelo Alto Comissariado da Saúde (ACS) que explora alguns dos factores que influenciam a saúde mental em Portugal.
Ao contrário de ideias feitas ainda muito arreigadas, os problemas de saúde mental "não são um luxo dos ricos, das senhoras ociosas ou das pessoas que têm dinheiro para pagar psicanálise", sublinha o coordenador nacional da Saúde Mental, Caldas de Almeida. "As doenças mentais estão estreitamente associadas à pobreza", como demonstra o estudo do ACS que cruzou dados do Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006 e do Instituto Nacional de Estatística.
As taxas de mortalidade por suicídio são mais elevadas entre os trabalhadores não-qualificados (o que inclui pessoal de limpeza, serventes, vendedores ambulantes), seguindo-se os de profissões manuais (como operadores, artífices) e dos sectores da agricultura e pescas. Para os dois sexos o suicídio tem os valores mais baixos em profissões não-manuais, caso dos quadros de empresas e do pessoal administrativo.
No geral, quanto menos são os anos de escolaridade, maior é a probabilidade de existir "sofrimento psicológico", sendo que este indicador atinge o seu máximo em trabalhadores com menos de cinco anos de estudos, diz uma das autoras do estudo, Luísa Couceiro.Para se avaliar se alguém padece de "sofrimento psicológico", o Inquérito Nacional de Saúde fez uma série de perguntas para ver se as pessoas se sentiam ansiosas, nervosas, deprimidas, tristes e por quanto tempo - sintomas que não são sinónimo de doença psiquiátrica, mas que indiciam tendencialmente maior prevalência de patologias do foro mental, explica Caldas de Almeida.
A pobreza não é causa de doença mental, mas no grupo dos que têm menos estudos e recursos têm lugar "acontecimentos sociais precipitantes e predisponentes para doenças mentais", como é o caso do desemprego, do abandono enquanto crianças, do alcoolismo, de rupturas familiares. "É uma espiral que potencia a vulnerabilidade". Os dados confirmam o que acontece em termos internacionais.
Outro dado: são os viúvos, seguidos dos divorciados e dos separados, quem mais se suicida. Não se trata apenas de pessoas que vivem sós, o que está em causa "são pessoas que vivem sós e viveram acompanhadas. O fenómeno da perda é importante", junta Caldas de Almeida.
Que os idosos (com mais de 65 anos) do Alentejo são o grupo onde há mais suicídios é um dado conhecido. Este estudo revela que nas pessoas com menos de 65 anos o Algarve destaca-se pela negativa. Entre 2000 e 2005 só na região houve um crescimento da taxa de mortalidade padronizada por suicídio, "facto determinado pela população feminina", lê-se. No contexto geral, o suicídio é muito mais alto no masculino.
Ricardo Gusmão, professor de Psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, afirma que pode haver dois factores que explicam o cenário atípico no Algarve. Trata-se de "uma população com mais residentes estrangeiros", mais vulneráveis por estarem fora dos seus países, e onde existe "uma vida económica sazonal". São pessoas que numa parte do ano podem estar mais expostas a problemas financeiros.
O psiquiatra admite ainda que possa haver deficiências de registo que façam variar estas taxas.