João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Legislação ainda em vigor impede que da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho possa resultar a diminuição da retribuição
As alterações de horários dos trabalhadores vão poder acarretar uma redução salarial, deixando de existir, ao contrário do que acontece actualmente, normas estritas que a impeçam, segundo as linhas gerais de revisão da legislação laboral apresentadas na terça-feira pelo Governo. A Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), que hoje apresenta a sua posição sobre o documento, considera que a eliminação prevista de dois artigos do actual código aumentará a pressão para a diminuição salarial.
Em causa está a eliminação de dois artigos proposta pela comissão que elaborou o Livro Branco das Relações Laborais (CLBRL), terminado em Novembro de 2007. O artigo 168.º, no seu ponto 2, determina que "da redução dos limites máximos dos períodos normais de trabalho não pode resultar a diminuição da retribuição dos trabalhadores". Já o artigo 180.º, estipula que o trabalho a tempo parcial é o que "corresponda a um período normal de trabalho semanal igual ou inferior a 75 por cento do praticado a tempo completo".
A CLBRL sustentou a eliminação do artigo 168.º como não sendo "justificável" reduzir "o espaço transaccional" entre os actores da negociação colectiva. Por outro lado, na opinião dos seus membros, nada justificaria a fixação do limite de 75 por cento para o trabalho a tempo parcial. Em sua defesa, alegou-se que outros países europeus já o haviam cortado da legislação. O documento apresentado pelo ministro Vieira da Silva aos parceiros sociais, sem argumentar, reitera estes pontos e refere que "as formas internas de adaptabilidade são os instrumentos mais poderosos para tornar o trabalho mais adaptável às necessidades quer das empresas quer dos trabalhadores".
Para os dirigentes da central sindical, a articulação dos efeitos desses dois cortes poderá resultar numa maior liberação das normas, desimpedindo o caminho para ajustamentos de horários com as correspondentes reduções salariais. E com este caminho aberto, segundo a CGTP, a pressão para a redução salarial poderá ser um dos efeitos da penalização das empresas que contratem trabalhadores a "recibos verdes".
O Governo quer fazer as entidades patronais contribuir para a Segurança Social, criando uma taxa social de cinco por cento sobre o rendimento auferido por esses trabalhadores (70 por cento do recebido). Para a CGTP, as empresas tenderão a reduzir o rendimento auferido pelos trabalhadores para ajustar a penalização introduzida, preferindo pagar a taxa de cinco por cento, já que a situação até é legitimada pela lei.
A CGTP critica ainda a opção do Governo de desagravar as contribuições sociais sobre as empresas como forma de estimular os contratos sem termo. Sem desvalorizar por completo a medida, refere que se trata de incentivar o emprego à custa da sustentabilidade da Segurança Social, indo ao encontro de uma velha pretensão do patronato.
A maior facilidade ao despedimento (alargando a justa causa à inaptidão funcional, "que ninguém sabe o que é"), a caducidade das convenções colectivas (a acontecer a breve trecho), a flexibilidade dos horários de trabalho (sobre a qual o texto do Governo não é tido como de leitura "confusa") e a ineficácia das alterações legais relativamente ao combate à precariedade (ver caixa) são as linhas principais referidas pelo dirigente da CGTP.