Joana Pereira Bastos, in Jornal Público
Responsável diz que não tem dúvida de que situação "acontece em larga escala e que precisa de investigação"
Há lares sem fins lucrativos apoiados pelo Estado que "vendem" vagas em troca de avultados donativos, deixando em lista de espera os idosos mais carenciados. A Segurança Social sabe da prática, que pode constituir um crime de burla, mas diz ter dificuldade em actuar.
No final de 2006, Graça (nome fictício) tentou pôr a mãe, então com 92 anos, no lar da Santa Casa da Misericórdia de uma vila transmontana, onde lhe pediram 15 mil euros. Disseram-lhe que "havia uma longa lista de espera e que se não pagasse davam a vaga a outra pessoa".
Numa outra instituição de solidariedade social, na área do Porto, a mãe ficou em lista de espera. Passados alguns meses, Graça voltou a contactar esta instituição de beneficência apoiada pelo Estado. "Disseram-me que iam ser francos, que havia pessoas em lista de espera dispostas a pagar cinco mil euros. Ficou decidido que se eu desse essa quantia, a minha mãe tinha uma vaga. Paguei mil contos, deram-me um recibo a dizer "donativo" e ela entrou logo".
A história de Graça é apenas uma entre muitas, segundo a Rede Internacional de Prevenção da Violência Contra a Pessoa Idosa, que garante que situações como esta são generalizadas em Portugal. "Não tenho nenhuma dúvida de que isso acontece em larga escala e que precisa de uma investigação judicial", disse à Lusa José Ferreira Alves, representante português nesta rede internacional. "A situação ainda acontece muito nas Misericórdias e nas instituições particulares de solidariedade social (IPSS)".
O presidente do Instituto da Segurança Social (ISS), Edmundo Martinho, sublinhou que "a pressão para dar donativos em troca de uma vaga é ilegal e constitui um crime de burla". "A grande maioria das instituições não utiliza essas práticas, mas sabemos que a realidade existe. Já nos chegaram cartas, algumas das quais anónimas, a relatar essas situações", afirmou o responsável. Edmundo Martinho garante que o instituto tentou investigar os casos, mas que "é difícil provar que os idosos foram pressionados a fazer um donativo para assegurar a vaga e que só entraram porque deram esse dinheiro". No ano passado tiveram apenas uma queixa que deu entrada na Procuradoria-Geral da República, que a remeteu para a Inspecção-Geral da Segurança Social.
A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) tem dado orientações aos lares para não condicionarem as vagas à entrega de donativos, considerando que "isso não é uma boa prática". No entanto, o padre Lino Maia, presidente da CNIS, salienta que "muitas instituições estão a lutar pela sua sobrevivência", uma vez que a comparticipação do Estado por idoso, fixada nos 330 euros mensais, não chega a metade do custo que, em média, um lar tem por cada pessoa internada. Por isso, defende que deveria ser criado um novo modelo de financiamento.