Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias
Liberalizar e dar maior segurança são os dois objectivos do modelo
Trazer para Portugal a flexigurança tal como existe na Dinamarca é tarefa difícil porque Portugal não tem as condições mínimas necessárias para a implementar dinheiro público suficiente para investir em protecção, trabalhadores qualificados e hábitos de diálogo social gerador de consensos. A ideia foi defendida, ontem, por Monteiro Fernandes, responsável pelo Livro Banco de Relações Laborais, que serviu de base ao Governo na proposta de mudança do Código Laboral ainda em discussão com os parceiros sociais (ler em baixo).
Para desmentir a ideia de que a flexigurança nórdica pode ser trazida para Portugal, Monteiro Fernandes desmontou os pilares básicos do conceito, à luz da realidade nacional. Em primeiro lugar, os trabalhadores continuam a ter um baixíssimo nível escolar, a formação não os dota das competências necessárias e a aprendizagem ao longo da vida é uma "miragem". Isto apesar dos "muitos milhões de euros" gastos sem benefício, um desperdício "capaz de despertar revolta", disse.
Ainda, o controlo do défice "estreitou mais do que alargou a margem de manobra para políticas custosas". Ou seja, Portugal gasta pouco dinheiro nas políticas implícitas na flexigurança protecção no desemprego e políticas activas, como apoios à contratação ("não conheço ninguém que tenha sido colocado num emprego por intermédio dos serviços públicos") ou a formação profissional.
Um terceiro pilar básico mas que não existe em Portugal é o hábito de negociação "construtiva" entre os parceiros. Para o professor, "o diálogo social na Concertação é um exercício de carácter simbólico, de auto-promoção política dos interlocutores". E sem conversações pragmáticas entre empregadores e trabalhadores, é difícil conseguir os equilíbrios necessários para implementar a flexigurança, tal como existe na Dinamarca, defendeu.
Portugal tem versão 'light'
Mas se transpor para Portugal um modelo semelhante ao nórdico esbarrará em todas estas dificuldades, o certo é que o país já tem em prática uma certa medida de flexigurança. Por exemplo, as várias possibilidades de flexibilidade nos horários de trabalho e funções já previstas na lei actual mas que não são usadas pelas empresas, referiu Monteiro Fernandes.
Ou o subsídio de desemprego, citado por Vieira da Silva como exemplo de que o diálogo social funciona. O ministro também reconheceu as dificuldade na implementação do modelo, admitindo que o país tem "um longo caminho a percorrer", a encarar como "um processo e não uma norma".
Vieira da Silva assumiu, ontem, um apoio frontal à introdução de medidas de flexibilidade no mercado de trabalho e de aumento da segurança dada ao trabalhador, chamando em sua defesa o documento assinado em Lisboa pelas confederações europeias de trabalhadores e patrões, onde se defende precisamente este novo modelo social.
Sem desvendar que medidas de reforma do código laboral está a propor aos parceiros, Vieira da Silva lembrou que Portugal é o país da OCDE onde é mais difícil despedir um trabalhador dos quadros mas, ao mesmo tempo, as pessoas sentem-se inseguras. O "paradoxo" explica-se, disse, pela "estagnação económica" que deixou muitos milhares no desemprego sem capacidade para encontrar outro trabalho e pela existência de muitos contratos a prazo e falsos recibos verdes. Ou seja, concluiu, em Portugal há uma espécie de rigidez insegura.
A euro-deputada Jamila Madeira, organizadora do colóquio, chamou também o responsável pelo relatório do Parlamento Europeu sobre a matéria, o dinamarquês Ole Christensen, que defendeu as virtudes de segurança do modelo, sem contudo se deter nos aspectos de flexibilidade.