Catarina Gomes, in Jornal Público
Quase metade dos portugueses diz ter dívidas superiores a 25 por cento do seu rendimento familiar
Se o estudo Necessidades em Portugal tivesse sido feito no encerramento da Expo '98, os resultados do inquérito feito aos portugueses teriam sido diferentes, disse ontem o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, José Vieira da Silva, para relativizar dados que reflectem "expectativas ajustadas à crise" (foram recolhidos no final de 2008). A apresentação do estudo, realizado por uma equipa do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), decorreu ontem em Lisboa.
Pobres, desmobilizados, mas, apesar disso, felizes, é um resumo possível das principais conclusões do estudo promovido pela Tese, Associação para o Desenvolvimento, e realizado pelo Centro de Estudos Territoriais do ISCTE (ver PÚBLICO de ontem). Mais de metade (57 por cento) dos agregados vive com um orçamento familiar inferior a 900 euros e 43 por cento têm dívidas superiores a 25 por cento do seu rendimento familiar, respondem os inquiridos. A maioria queixa-se do emprego mas não faz grande coisa para mudar: há mesmo 60 por cento das pessoas que admitem que é provável que trabalhem no mesmo sítio até à reforma. E, apesar de tudo, estão relativamente satisfeitos com a vida.
"Fiquei deprimido ao ler o estudo", confessou o editor de opinião do PÚBLICO, José Vítor Malheiros, um dos comentadores. Como poderia ser de outra forma, se a sociedade portuguesa surge no retrato como "pobre, desconfiada, desmobilizada e estranhamente satisfeita"? Revela, na sua opinião, "falta de exigência, de bons exemplos, falta de energia". O jornalista sublinhou o facto de esta poder ser a primeira geração em que os filhos poderão vir a ter piores condições de vida do que os pais: é, aliás, esse o receio de 45 por cento dos inquiridos, que representam uma amostra da população portuguesa no continente.
Isabel Guerra, uma das autoras do estudo, respondeu que existe um lado positivo do estudo, que não tem que ser visto como "depressivo". Senão vejamos: para os portugueses, as duas maiores razões de satisfação são a sua vida familiar e as relações de amizade. E é à família que recorrem quando precisam de ajuda na vida. A socióloga explica que este é um traço "de uma sociedade rural que não nos abandonou e que muitas sociedades perderam nos processos de modernização"; como aspecto negativo nota que se manifesta "apaziguamento e ausência de projectos". Isabel Guerra diz que Portugal se encontra numa "fase de transição" para uma sociedade moderna e mais individualista.
Convidado a comentar o estudo, o ministro Vieira da Silva disse aos jornalistas que "vale a pena relativizar um estudo feito num momento crítico, no final de 2008". Reconhecendo que "Portugal é um país onde há demasiados pobres", notou que existem no país "fragilidades estruturais agudizadas pela crise mundial", como são o baixo nível de qualificações da população. Ao mesmo tempo, notou que o país progrediu nesta área, tendo passado de 23 por cento da população em risco de pobreza, há uma década, para os actuais 18 por cento, "próximo dos 16 por cento da União Europeia". Falar de cerca de 60 por cento da população com menos de 900 euros "é preocupante" mas nota que "não estão abaixo da linha de pobreza e são esses que devem constituir a nossa grande preocupação".