António Marujo, Jornal Público
Falta de tempo para si, para os outros e para actividades sociais é uma das maiores insatisfações identificadas no inquérito
O desejo maior de Susana Lopes? "Ter tempo para a minha filha. Tenho muita falta de tempo para ela, para poder passear, para lhe dar mais atenção." Susana, de 33 anos, é mãe de uma filha com 15, que terminou o 7.º ano de escolaridade - esta semana saberá se passou.
O inquérito Necessidades em Portugal concluiu que uma das maiores carências das pessoas é o tempo. Ter que trabalhar mais para poder subsistir é a razão principal para não poder dedicar-se mais a si, aos outros e a actividades sociais. Oito por cento dos inquiridos dizem acumular mais que uma actividade remunerada. E 56 por cento dizem não ter tempo suficiente para estar ou brincar com os filhos.
Susana vive com um companheiro, desempregado, e a filha entre os bairros da Cova da Moura e da Buraca, às portas de Lisboa. O pai da sua filha nunca ajudou na educação. Susana levanta-se diariamente às 6h00, 6h30. Antes de entrar no infantário onde trabalha até às 15h30, passa pelo café que a mãe tem alugado, ali perto, para ajudar. Depois de sair do infantário, vai arrumar a casa e tratar das galinhas que cria para consumo doméstico. Volta ao café, onde fica até por volta das 22h30. Em casa, aguarda-a o resto das tarefas. "À noite faço serão, passo a ferro, trato da roupa... Deito-me à meia-noite, uma da manhã..."
Os trabalhos e os dias de Susana Lopes. "Ao sábado durmo mais um bocadinho, levanto-me por volta das oito." O café continua a funcionar... Os dados do inquérito registaram que 42,3 por cento dos portugueses chegam a casa muito cansados do trabalho para fazer as tarefas necessárias; e 33,4 (um terço da população) admite que a concentração no trabalho é prejudicada pelas responsabilidades familiares. As conclusões destacam o "esforço, sobretudo das mulheres, na conciliação entre trabalho e vida familiar".
No infantário, Susana recebe 462 euros líquidos. No café, a mãe dá--lhe mais uns 200 euros - quando o mês corre bem. A renda do café são 600 euros e "não há poder de compra, muita gente do bairro está desempregada", como diz a mãe, Maria da Graça.
Susana vive, assim, entre os becos estreitos do bairro, com cerca de 600 euros mensais. O companheiro não recebe subsídio de desemprego: não estava no quadro na escola onde trabalhava como acompanhante de crianças.
Vale a solidariedade familiar, outro facto identificado no inquérito: entre as redes de entreajuda, a família continua a ser a principal. O pai (reformado por doença) e a mãe vivem por cima de Susana. Apoiaram, até há três meses, um sobrinho que acabou por sair de casa, aos 17 anos, filho de um casal que morreu vítima de toxicodependência; e tomam conta de uma criança de dois anos, filha de uma outra sobrinha, mãe adolescente.
A vida difícil não tirou os sonhos a esta mulher - nem à filha. Susana quer tirar o curso de educadora de infância - no infantário, a sua tarefa é fazer camas, substituir alguém quando necessário... "Sempre gostei de trabalhar com crianças." A filha quer ir à Eurodisney. "Já prometi que vou fazer muitos sacrifícios e que a levo para o ano..."
E férias? No inquérito, 62 por cento dos agregados responderam que não conseguem pagar uma semana de férias. Susana está neste número. "No mês de Agosto, irei trabalhar numa padaria. Férias, férias mesmo, nunca tive", diz. De vez em quando, um domingo ou outro é dedicado a ir à praia do Guincho. E abre um sorriso quando conta: "Para o mês que vem, vamos a Fátima. A minha mãe fecha o café num domingo e vamos todos".