Eduardo Pinto, in Jornal de Notícias
Recebe 242 euros por mês depois de 21 anos de descontos. Hoje vale-lhe a ajuda dos filhos
Sentado num banco de pedra, à porta do Café Madrigal, em Valtorno, Vila Flor, Manuel dos Santos saboreia o seu segundo fino do dia. Em princípio, o último. Este é um dos poucos prazeres que a magra reforma de 242 euros mensais lhe permite. O resto dá para comer e pouco mais.
É hora da sesta nesta aldeia do distrito de Bragança. Está calor. Quem se levantou cedo para ir trabalhar a terra, descansa. Uns na cama, outros preferem ir ao café. O Madrigal tem pouca gente. Acompanham Manuel dos Santos mais dois moradores de Valtorno, que também bebem o seu copo e maldizem os governos deste país quando vem à baila o assunto das magras reformas que muita gente aufere.
Manuel, 81 anos, veste de preto. Luto pela morte da mulher, há cinco anos. "Olhe que ainda estive casado 52 anos!", sublinha, triste. Custa-lhe a solidão, mas também o pouco que recebe de reforma depois de "21 anos de descontos para a caixa". Alguns deles enquanto trabalhou nas obras da barragem de Picote, no rio Douro. O que recebe dá-lhe para viver? Manuel não responde logo. Depois desata a rir. Como se tivesse ouvido uma piada. "Tem de dar… tem de dar!", atira, no final da gargalhada. Aponta para a muleta em que se apoia a cada passo que dá. Sem as pernas de outros tempos, entregou os terrenos agrícolas aos filhos. "Já os não podia cultivar". Deles, dos filhos, recebe as batatas, o azeite, as hortaliças e outros produtos que colhem nas terras que foram suas. "Se assim não fosse a reforma não dava para comprar tudo o que preciso", frisa.
Uma filha lava-lhe a roupa. Não fuma nem joga. "Venho ao café beber um ou dois finos e pronto". Viver sozinho permite-lhe gerir a magra reforma. "Mas tem de se apertar, apertar muito". Sorte a dele não ter medicamentos para comprar. "Por Deus querer não quero cá nada com remédios", sorri. Sabe a sorte que tem. "Bô… se tivesse de andar a comprá-los não me chegava a pensão!", torna. E de repente: "Ainda há pouco ouvi na televisão que para o ano ainda nos vão cortar à reforma… Olhe, então que a cortem toda e a gente cá morre à fome!" Manuel dos Santos ri com vontade só de imaginar semelhante situação.