in Jornal de Notícias
Ciganos de Argemil vivem num bairro feito à medida deles, desenhado em função dos três líderes
Pertencem à mesma comunidade e a uni-los têm laços sanguíneos mais ou menos distantes ou um qualquer grau de parentesco contraído por via de algum matrimónio, mas a fronteira entre a guerra e a paz é ténue e difusa.
No bairro camarário cigano de Argemil, em Santo Tirso, vive-se assim, num limbo de extremos, entre festas monumentais e zaragatas "bravas" que só os líderes podem determinar e conter, respectivamente. Eles são três e, não por acaso, tantos quantos os núcleos em que se divide o complexo habitacional (o primeiro erguido pela Câmara no âmbito do Programa Municipal de Realojamento, em 2000) - a construção dos blocos obedeceu criteriosamente a essa peculiaridade organizativa.
Distinguem-se por cores: azul, vermelho e amarelo. Os azuis situam-se à cota mais baixa do terreno, liderados pela rabugice colérica de Adolfo Soares, e também eles aparentando terem sido contaminados pela truculência do septuagenário patriarca que, jura, se lhe "dessem um terreno fazia um barraquinho". "Isto não presta para nada", protesta. "Não dá para botar uma mantinha aqui fora, numa sombra, para nos deitarmos. É tudo estrada". "Queria ir para a Trofa ou para S. Romão, que é a minha terra e onde fui baptizado", brame, chispando protestos.
Miguel Simões, sobrinho de Adolfo, é o "chefe" do nível seguinte, o das casas com uma faixa cor de vinho, e irmão da matriarca - por herança do marido morto - das amarelas, mais acima. Completará seis décadas no dia 13 de Março de 2010. Surge de bigode desconfiado mas destemido. As palavras não se atropelam nem há lamúrias.
Aqui, joga-se com o discurso: condena-se as drogas e elogia-se a união dos ciganos, mesmo que em seguida se peça "um bairro onde não houvesse problemas", diferente deste, onde o patriarca tem de intervir para serenar ânimos. De resto, as queixas do tio não fazem eco aqui, excepção feita à camada mais jovem, que reclama das humidades nas casas. Argemil "é 100% melhor" do que as barracas da Quinta de Geão, onde esta comunidade vivia, esclarece Miguel Simões.
"Antigamente, os ciganos não tomavam banho. Aqui, temos água e luz", lembra, aplaudindo ainda a evolução no departamento educativo. "Eles começam logo pequenos a ir para a escola. Nem é preciso dizer aos pais para os porem". "Os meus filhos e os filhos deles sabem ler. Isso é bom", diz.
A sobrelotação - aqui moram cerca de 200 pessoas em 33 habitações - não é problema equitativo, pois os casamentos no seio da comunidade esvaziam umas casas e enchem outras, dado que as raparigas se transferem para o lar dos sogros. Daí que, em muitos casos, as paredes amovíveis com que a autarquia pretendeu compreender o modo de vida cigano de pouco tenham valido…
Bairro cigano de Argemil, concelho de Santo Tirso
Pontos positivos : Melhoria das condições de higiene e habitabilidade e a integração social da comunidade cigana que vivia em Geão - todas as crianças frequentam a escola.
Pontos negativos: infiltrações de água no interior das habitações e algumas fissuras.