16.12.09

Cimeira em contra-relógio para um acordo global

Por Ricardo Garcia, Copenhaga, in Jornal Público

Secretário-geral da ONU fez apelo dramático aos líderes mundiais: "Não temos mais um ano para negociar. A natureza não negoceia"


Foram dois anos de negociações. Agora restam três dias para as concluir, com obstáculos quase intransponíveis por superar. A cimeira de Copenhaga entra hoje na fase decisiva, comandada por chefes de Estado e de governo. Mas, nas palavras do secretário executivo da ONU para as alterações climáticas, Yvo de Boer, ontem ainda havia "uma enorme quantidade de trabalho a ser feita".

Ao fim do dia, o secretário-geral das Nações Unidas lançou um apelo dramático aos líderes mundiais. "Estamos aqui hoje para selar um acordo sobre as alterações climáticas", disse Ban Ki-moon, na abertura do segmento de alto nível da conferência. "Não temos mais um ano para negociar. A natureza não negoceia."

Prevê-se que a cimeira do clima aprove um acordo político, com a essência de um novo tratado contra o aquecimento global. Ban Ki-moon deseja que um tratado legalmente vinculativo fique concluído "o mais cedo possível em 2010".

Mas muitas divisões permanecem pendentes sobre matérias centrais - como as metas de redução das emissões de carbono, o financiamento e o futuro do Protocolo de Quioto. Grupos de discussão liderados por ministros abordaram os pontos mais polémicos ao longo do dia.

Ban Ki-moon não foi o único a dramatizar o momento. A presidente da conferência, Connie Hedegaard, chegou a aventar a hipótese de falhanço das negociações. "O sucesso está ao nosso alcance. Mas, como presidente da COP, tenho de os alertar: podemos falhar", afirmou. "Nos próximos três dias, temos uma oportunidade única. Podemos escolher entre a glória ou a vergonha", acrescentou.

O primeiro-ministro dinamarquês, Lars Lokke Rasmussen, seguiu pela mesma linha. Disse que, como anfitrião da conferência, a sua função seria garantir que todos os líderes se acomodam confortavelmente em Copenhaga antes de embarcar nas negociações. "Infelizmente, não temos tempo para tal cortesia e protocolo. O mundo está a observar, a suster literalmente a respiração. Temos até ao final desta semana", afirmou.

Os documentos em discussão avançaram pouco nos temas centrais. O futuro do Protocolo de Quioto, que os países em desenvolvimento não querem que acabe, ainda estava por definir. Ban Ki-moon avisou que, enquanto não houver um novo tratado global, Quioto "permanece como o único instrumento legalmente vinculativo que integra compromissos de redução [de emissões]".

Nova proposta na mesa

Mas caiu mal entre alguns países um comentário do secretário-geral da ONU, durante uma conferência de imprensa, ao princípio da noite. Ban Ki-moon referiu que todos deviam fazer mais para garantir que a temperatura do planeta não suba mais do que dois graus Celsius. Dezenas de países representados em Copenhaga, sobretudo os pequenos Estados insulares, defendem, no entanto, um limite de 1,5 graus Celsius.

Os dois valores constavam como opções numa proposta que estava a ser discutida desde sexta-feira. Num novo texto apresentado ontem, os valores da temperatura - bem como de possíveis metas de redução - deixaram de figurar, ficando por definir.

Mas noutros domínios houve avanços. No financiamento, está praticamente assegurada uma verba inicial de dez mil milhões de dólares nos próximos anos para os países mais pobres enfrentarem o desafio das alterações climáticas. Mas, embora comece a vislumbrar-se a estrutura de um fundo para gerir verbas bem mais avultadas no longo prazo, não há ainda consenso sobre como deverá ser dividida a factura.

Um tema que possivelmente ficará para decisão dos líderes mundiais será o do esforço que os países desenvolvidos têm de fazer para reduzir as suas emissões de carbono no médio e longo prazo (2020 e 2050).

Os Estados Unidos têm sido criticados pelas suas promessas de redução. Mas ontem trouxeram números para argumentar que estão a fazer mais do que outros países. Todd Stern, o enviado do Presidente Barack Obama, afirmou que os 20 por cento de redução prometidos pela União Europeia entre 1990 e 2020 representam 13 por cento, se o ano base for 2005. Já os EUA estão a assumir 17 por cento de redução entre 2005 e 2020.

Noutros índices, Washington estará também à frente, segundo Stern. As suas emissões per capita cairão 29 por cento entre 1990 e 2020, contra 25 por cento da UE. "Os Estados Unidos estão a fazer muito", disse o chefe da delegação norte-americana.

Pouco antes, a UE tinha reiterado a posição de que um acordo em Copenhaga depende de compromissos mais fortes dos Estados Unidos, mas também da China. "Esperamos que ambos aumentem o seu nível de ambição", disse o ministro sueco do Ambiente, Andreas Carlgren.

Mas os EUA põem de parte modificar o que já está sobre a mesa. "Não antevejo qualquer alteração no nosso compromisso", disse Todd Stern.