"Buraco" nas contas públicas três vezes maior que em 2008

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

No ano passado, o Estado gastou muito mais do que recebeu e o défice atingiu 14 mil milhões

O tamanho do "buraco" das contas portuguesas aumentou três vezes, no ano passado face a 2008. O défice atingiu um valor sem precedentes, causado sobretudo pela descida dos impostos arrecadados. Próximo orçamento já poderá trazer cortes na despesa.

O Governo tem sido pressionado para reduzir o défice já este ano, mas só na próxima semana, com a divulgação do Orçamento de Estado para 2010, se saberá se foi essa a decisão e, caso o tenha sido, se seguirá as indicações ontem dadas pelo FMI (ver página seguinte). O ponto de partida é um défice de 14 mil milhões de euros, registado no ano passado, três vezes o tamanho do "buraco" orçamental de 2008, foi ontem revelado pela Direcção-Geral do Orçamento. Para o "tapar", o Estado terá que se endividar mais ainda.

O défice deve-se à subida da despesa, nomeadamente com as medidas de combate à crise, mas sobretudo à forte quebra de receitas de impostos - de 13,9% na realidade, mas de apenas 9,8%, caso se retirem os efeitos dessas medidas, como a descida do IVA, disse o Ministério das Finanças, numa nota explicativa. As famílias e as empresas responderam à crise e ao desemprego adiando decisões de compra e causando um rombo de 2,5 mil milhões nas receitas do IVA, de longe o imposto que mais rende ao Estado.

Menos compras e lucros

O carro foi uma das compras adiadas para tempos melhores e o reflexo no imposto sobre veículos é claro: a receita desceu 24%. Mas não só. Pagou-se menos impostos sobre o combustível, tabaco e bebidas alcoólicas. As dificuldades financeiras sentidas pelas empresas são, também, evidentes no IRC, o imposto sobre lucros, que caiu 24%; e os trabalhadores pagaram menos 4,1% de IRS. Ainda assim, os impostos sobre o trabalho renderam o dobro do dinheiro do que o imposto sobre os lucros.

No global, o Estado arrecadou menos 5 mil milhões de euros de impostos do que em 2008. Mas a descida também se estendeu a outros factores como as multas de trânsito: os automobilistas pagaram menos 12,3 milhões de euros em multas do que no ano anterior.

Certo é que o último mês de 2009 viu acelerar a despesa com as medidas anti-crise. Entre o programa de modernização de escolas, o financiamento da compra de painéis solares e o apoio ao emprego e às empresas, o Estado despendeu 824 milhões de euros. A esta despesa extraordinária contrapõe-se a subida de 4,5% da despesa corrente primária, ou seja, a que decorre do funcionamento normal da máquina do Estado.

Segurança Social perde poupança

As poupanças que a Segurança Social acumulou nos últimos anos desapareceram em grande medida, no ano passado. O saldo de 1,5 mil milhões de euros com que arrancou o ano caiu para apenas 560 milhões em Dezembro.

É certo que até aumentou as receitas correntes, mas a despesa subiu muito mais. As pensões de reforma continuam a "levar" mais de metade das receitas, pelo que mesmo um crescimento de 5% como o do ano passado representa uma quantia elevada. Também os gastos com subsídio de desemprego e acção social dispararam.

De quanto será o défice?

Os dados ontem revelados estão contabilizados numa óptica pública, ou seja, só contam o dinheiro que realmente entrou e saiu dos cofres públicos em 2009. Quando Portugal comunicar à União Europeia o valor do défice, contudo, terá que fazer as contas de maneira diferente, na chamada óptica nacional, que inclui pagamentos (ou recebimentos) diferidos. Por exemplo, se um ministério compra um submarino em Dezembro mas só o paga em Janeiro. Sem se saber exactamente qual o valor dos deferimentos não é possível dizer de quanto será o défice público de 2009, face ao PIB.