in Jornal de Notícias
Os dados da Eurostat, divulgados agora que começa o Ano Europeu contra a Pobreza, traçam-nos um retrato preocupante. Verificar que a pobreza afecta um quarto das nossas crianças e jovens até aos 17 anos significa admitir que uma parte significativa da nossa população que deveria ter esperança e de quem tudo deveríamos esperar para conseguir dias melhores está, à partida, condenada ao fracasso, ou que, pelo menos, inicia a vida carregando um fardo pesadíssimo.
É certo que temos vindo a progredir. Não temos o conforto dos nórdicos, mas no contexto da UE estamos na esperada escala intermédia. Esse progresso é lento e não nos podemos conformar com ele, pois o que estes números mostram é que no futuro teremos ainda de suportar, se tudo se mantiver assim, números igualmente pesados. Estes números atingem inocentes, crianças e jovens com a "má sorte" de nascerem em meios desfavorecidos.
Um país não pode admitir esta má sorte. E, se há meios desfavorecidos, o que é preciso é criar condições para que essas desigualdades diminuam de ano para ano.
Não nos conformarmos. Exigir mais. Apoiar todas as medidas que combatam as desigualdades e criem discriminações a favor dos que menos têm. Levar mais e melhor educação a todos, pois é sabido que esta é a melhor arma no combate à pobreza. O Ano Europeu de Combate à Pobreza terá seguramente o mérito de criar um clima propício a esta luta, o mérito de alertar consciências. Crianças e jovens, mulheres e deficientes estão consabidamente num grupo de risco cuja existência tem de nos envergonhar a todos e que temos de varrer das estatísticas oficiais.
Um quarto dos jovens na pobreza. Em 2008, 18 por cento da população era pobre. Pobres, apesar dos apoios sociais que para eles são encaminhados. Entre os pobres, há dois anos, 22% tinham mais de 65 anos.
Perante este quadro, não estranhará que 64 % não possam fazer férias. Mas dói saber que 35% se queixam de não ter disponibilidade financeira para aquecer a casa. Os números dizem ainda, com surpresa, que só 4% não têm acesso, de dois em dois dias, a uma refeição com carne, frango ou peixe. Já o facto de só 9% da população afirmar não poder comprar um carro deixa-nos a temer que essa convicção devesse ser mais alargada. Seguramente deveria, e esse é outro combate, um combate que tem de ajudar as pessoas até a perceberem a definição das suas prioridades. Se 91 % dos portugueses considera que pode sustentar um carro, isso significa simplesmente que circula por essas estradas fora muita pobreza escondida ou disfarçada atrás de um volante. E esse é um sinal triste, um sinal de outra pobreza, que vai demorar muitos e muitos anos a combater.