Pedro Araújo, in Jornal de Notícias
Enquanto se discutem os cortes salariais na Função Pública, 1,2 milhões de trabalhadores do privado estão a ter aumentos nominais médios de 2,4%, chegando mesmo a 4,5%. Patrões não podem fazer cortes, mas apelam à contenção em nome da competitividade.
As actualizações salariais decididas em sede de contratação colectiva atingiram o valor médio de 2,4% nos primeiros nove meses do ano. Se recuarmos um ano, o aumento médio nominal é de 2,9%, numa altura em que a redução salarial é já um dado adquirido no sector público. Mas se deflacionarmos os dois valores utilizando a inflação entre as datas do início de produção de efeitos das tabelas anteriores e das novas tabelas, concluímos que o aumento médio de 2010 é de 2,3% e o relativo ao ano transacto é de 0,5%. Dito de outra forma, o ganho de poder de compra é bem superior no ano corrente.
A Autoeuropa surpreendeu muitos quando anunciou recentemente um aumento de 3,9% no âmbito de um acordo com a duração de dois anos, entre 1 de Outubro de 2010 e 20 de Setembro de 2012. Mas na contratação colectiva é possível encontrar um aumento deflacionado de 4,5% no sector da agricultura, produção animal e caça. "Procuramos nos centros de emprego mão-de-obra, mas não encontramos. Discute-se muito o salário mínimo, mas ninguém quer trabalhar por esse valor [475euro] e, nesse contexto, recorremos a estrangeiros", explica João Machado, presidente da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP).
António Saraiva, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), explicou ao JN que os patrões não pretendem reduzir salários no sector privado, até porque essa medida seria inconstitucional. No entanto, considera que as empresas portuguesas estão a perder competitividade face ao exterior pelo facto das actualizações salariais crescerem sempre a ritmo superior ao da produtividade, opinião partilhada por Jaime Esteves, da PricewaterhouseCoopers (ver artigo de opinião ao lado).
O sector da construção e obras públicas apresenta aumentos deflacionados de 2,7%, mas Fernando Pais Afonso, presidente da AECOPS, alerta para o facto de a contratação colectiva incidir sobre tabelas de "mínimos", sendo que os salários reais são muito superiores a essas mesmas tabelas. "Se as empresas pagam acima desses mínimos, não podem agora baixar salários", sublinha António Saraiva.
O peso do salário na produtividade (medida pelo valor acrescentado bruto) é de 80% e de apenas 17 a 30% no preço final do produto. "Se aferirmos o problema em função da produtividade, os salários não são assim tão baixos", afirma o presidente da CIP, acrescentando que o abaixamento da taxa social única para as empresas exportadoras ajudaria ao crescimento da economia por via da redução dos custos do trabalho.