9.6.23

Aos que trabalham nos lares

Luís Osório, in TSF

1.

Neste dia feriado, dia do Corpo de Deus, dia em que se celebra o corpo e o sangue de Jesus, penso em todas as pessoas que trabalham nos lugares mais difíceis.

Gente que leva os mortos para os pisos subterrâneos dos hospitais.

Gente que limpa a porcaria dos outros, que esvazia as fossas, que corre as cidades em cima de uma camioneta do lixo.

E também nos que trabalham como auxiliares e nos que tratam os nossos pais e avós nos lares.
2.

É neles e nelas que penso.

Mas deixa-me que trave um bocadinho nos lares. Tanto mal que se diz, tantos casos e tantos velhotes maltratados leva-nos a esquecer a maioria que faz um bom trabalho, os que se preocupam, os que oferecem uma nova vida a quem se está a despedir da que tem.

Não tenho nem nunca tive ninguém próximo num lar.

E isso não tem nada de valorativo. Poderia ter acontecido. Como me pode acontecer a mim - daqui a uns anos sei lá o que poderá acontecer, se estarei bem ou dependente, nenhum de nós sabe.

Mas conheço gente que tem os pais num lar e dilacera de culpa. Tantas vezes sem culpa alguma, na verdade, quem dilacera de culpa é, na maioria das vezes, quem não tem culpa alguma.
3.

Hoje é feriado e penso nas pessoas que trabalham nos lares.

Centenas de pessoas que trabalham nos lares de norte a sul.

Centenas de pessoas empenhadas em fazer o melhor possível e que tratam os nossos velhotes com o carinho que merecem.

Eu já os vi.

Fazem o que eu nunca conseguiria fazer.

Mudam-lhes as fraldas como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como se fosse simples alguém chegar ao fim da sua vida e estar assim exposto, humilhado, um morto em vida.

Mulheres que mudam as fraldas e põem creme para que os velhotes não assem.

Mulheres que se sacrificam até à exaustão para que os utentes não fiquem com escaras. Que mudam a cama várias vezes ao dia.

Há centenas de pessoas assim. Profissionais que fazem o que nós não conseguimos fazer com os nossos avós e pais.

É injusto que os esqueçamos.
4.

Nunca tive de visitar nenhum familiar a um lar. E não sei se acabarei a minha vida num lugar assim.

Mas sei algumas coisas. Os lugares do fim antes do fim são dramáticos. São lugares muitas vezes de solidão, lugares de sofrimento físico, lugares em que a memória fere tantas vezes mais do que o corpo gasto.

Mas apesar de tudo isso sei que há gente boa e que a esta hora está a dar a sopa à boca e que daqui a bocadinho, depois da novela, irá deitar, tapar e dizer boa-noite senhor Joaquim ou boa-noite querida Inês...

... ou qualquer coisa do género

... qualquer nome do género.

Este postal é para eles, todos eles. Gente inteira que faz o seu trabalho e que não merece ser confundida com o que não corre bem.

Que não merece todos os dias sentar-se cansada de um dia de trabalho (no lar e em casa) e ouvir que os lares em Portugal são uma desgraça.

Era isto.

Hoje é só isto.