Alexandra Marques, in Jornal de Notícias
Bairros críticos são lugares pouco felizes para os jovens migrantes, que na maioria vivem sem o pai
Um inquérito realizado a 1037 alunos, entre os 11 e os 20 anos, residentes em bairros carenciados de Lisboa e de três concelhos limítrofes - com um elevado número de famílias oriundas dos países africanos lusófonos - revela que os adolescentes e jovens migrantes são menos saudáveis, que um terço deles não faz três refeições por dia. E que a maioria mora com seis ou mais pessoas na mesma casa, mas não vive com o pai.
A média do estudo aponta para um retrato jovens com mais de cinco irmãos, que admitem ter dificuldades de comunicação com o pai. E que, como em grande parte dos casos, a mãe trabalha diariamente e por muitas horas fora de casa, acabam por criar relações de cumplicidade e de maior afecto com as avós que desempenham várias funções no acompanhamento dos netos.
Muitos filhos, sem posses
Estas são apenas algumas das conclusões do estudo "Comportamentos de Saúde de adolescentes migrantes e o efeito protector da relação com os avós", realizado por Tânia Gaspar e Margarida Matos, investigadoras da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, em 12 escolas públicas de zonas carenciadas em Lisboa (Marvila), Oeiras, Loures e Amadora.
Um dos dados simétricos deste mesmo estudo diz respeito às carências económicas destes rapazes e raparigas, associadas ao elevado número de elementos do agregado familiar que vive sob o mesmo tecto.
São 33% os jovens migrantes que assinalaram pertencer a famílias com "não muito boa" ou "má situação financeira", face a 16% dos estudantes de nacionalidade portuguesa que responderam ao mesmo inquérito. A percentagem é equivalente à apresentada sobre a coabitação com seis ou mais familiares - é maior nos núcleos de migrantes.
Assim sendo, não é difícil de adivinhar que seja abissal a diferença relativa à taxa de natalidade dentro das famílias nas migrantes 14% dos jovens têm entre cinco e dez irmãos, o que apenas 4% dos colegas portugueses assinalaram.
Infelizes e isolados
Um indicador distinto refere-se à dieta alimentar. Apenas 65,5% dos jovens migrantes costumam tomar o pequeno-almoço, almoço e jantar - as três refeições tidas como obrigatórias -, face aos 85,4% de alunos nacionais.
Os dados recolhidos mostram que estes jovens se sentem mais infelizes - 30% falam em "percepção de infelicidade" face a apenas 22% dos portugueses. E são o dobro os que manifestam "grave angústia", ao revelarem sentir-se (quase sempre) tão tristes que não aguentam.
Por todo este contexto, os jovens migrantes são também os que mais demonstraram assumir comportamentos de risco (ler texto em baixo). Dados que segundo afirmou Margarida Gaspar, uma das autoras do estudo, não podem ser usados para se aumentar o estigma que recai sobre eles. "A ideia geral deste estudo é exactamente oposta os contextos sociais desfavorecidos geram algum agravamento da saúde e dos comportamentos ligados ao risco nos adolescentes", disse ao JN.
A autora realça, no entanto, que estas condições geram "sobretudo muito isolamento, muita tristeza e muita falta de expectativa no futuro, quando dizem 'quase sempre estou tão triste que acho não aguento'".
O estudo acabou de ser publicado na última semana, na publicação oficial do Instituto Nacional de Estatística dedicado à análise sociológica, e será apresentado nas próximas semanas em diversas palestras internacionais.