Daniel Deusdado, Farol de Ideias, in Jornal de Notícias
Marçal Grilo, ex-ministro da Educação, diz que o país descurou o básico saber ler, escrever e fazer contas
O que mudou na Educação com a entrada de Portugal na União Europeia?
Marçal Grilo| Houve coisas que correram bem e coisas que correram menos bem. E houve coisas até que, se calhar, correram muito mal no que respeita a essa mesma integração e ao aproveitamento dos fundos estruturais, e de tudo aquilo de que beneficiámos. Mas houve saltos qualitativos muito importantes. Por exemplo, a nossa rede escolar mais de 60% das escolas que hoje ministram ensino secundário foram construídas depois dos anos oitenta. Mais de 60% das escolas! Isto tem alguma importância em relação à rede escolar e à capacidade de absorção dos nossos estudantes!
Vinte anos depois, o que é que ainda ficou por resolver?
O país tem um 'handicap' muito grande. Nomeadamente o abandono escolar e o insucesso. E são duas áreas que no fundo acabam por ser a mesma - o abandono está muito ligado ao insucesso e por vezes, o insucesso é a antecâmara do abandono, sobretudo o abandono precoce. Temos de dar a essa área uma atenção muito especial porque tem a ver com um conjunto de vários factores e protagonistas. Em primeiro lugar, a atitude das famílias, que é muito importante. Em segundo lugar, a escola e em terceiro as políticas públicas.
E por que será que ainda não conseguimos alterar esta situação?
As escolas têm dificuldade em lidar com situações de pressão económica, por exemplo com desemprego muito elevado, em que os miúdos têm uma certa tendência para, quando o sistema económico se desenvolve, serem sugados pelo sistema económico retirando-os precocemente da escola.
Por isso, a escola tem muita dificuldade em se contrapor a uma situação destas, porque as famílias têm muitas dificuldades e têm necessidade de aumentar o seu rendimento mensal e recorrem a tudo, inclusivamente às crianças com pouca qualificação. Não estou a falar de mão-de-obra infantil, mas de mão-de-obra pouco qualificada , com 16 ou 17 anos, e que estaria ainda dentro da escolaridade obrigatória.
Como avalia o desempenho de áreas como a formação profissional?
Houve aqui desperdícios, efectivos desperdícios. Julgo que se fez muita acção de formação apenas porque havia dinheiro para a financiar e não porque elas se justificavam para aquele empregador e para aqueles empregados. Aí penso que houve algum desperdício, talvez até significativo. O resíduo que ficou dessas acções de formação foi muito pequeno.
E em termos sociológicos, a escola mudou muito, por exemplo, com a chegada de novas gerações de imigrantes ao país. Como está a escola a lidar com estes fenómenos?
Para se perceber um pouco como isto mudou nestes vinte anos de integração, num estudo feito sobre a diversidade linguística nas escolas detectámos que, em 200 escolas da zona metropolitana de Lisboa, havia cinquenta e oito línguas maternas diferentes. Este é um problema que o país nunca tinha tido e é uma questão nova e difícil de lidar. Tem a ver com o aproveitamento escolar global do estudante e é uma questão para a qual os nossos professores não foram, sequer, treinados.
Qual deve ser hoje a formação de base de uma pessoa?
O que é que se pretende hoje que as pessoas saibam? Há aqueles conhecimentos clássicos que julgo que o país descurou um bocadinho numa parte da sua trajectória que é o clássico saber ler, saber escrever e saber exprimir-se e saber fazer contas. Ter um mínimo de capacidade na parte da matemática. Mas depois há um papel decisivo no que respeita à criação de condições a que chamaria uma espécie de "qualificações habilitantes". A pessoa tem capacidades para desenvolver determinado tipo de iniciativas e esta capacidade para se adaptar, para mudar e para inovar, hoje são particularmente apreciadas pelas empresas e pelo sistema económico.
Qual é a maior fraqueza do país em termos de educação?
Um exemplo é este do empreendedorismo, ou seja, o dar na formação de base componentes que levem a que um miúdo tenha capacidade de explodir. Para deitar cá para fora tudo o que lá tem dentro e não ser propriamente abafado por um sistema muito uniformizador e constrangedor daquilo que são as capacidades de cada um.
E relativamente a Bolonha? O projecto está a ser bem aplicado nas universidades?
Eu fui subscritor da Declaração de Bolonha em 1999. Se soubesse o que sei hoje teria feito grande força para que, em simultâneo com a declaração de Bolonha, o programa de Erasmus Mundus tivesse sido lançado em simultâneo. Não houve da parte das autoridades - neste caso Bruxelas e os países- -membros - os incentivos para a criação dessas redes que provocassem a mobilidade.
Hoje esta mobilidade está-se a verificar. O programa do Erasmus Mundo está a ter um enorme impacto. Estou convencido que ele vai ter que ser reforçado do ponto de vista financeiro porque as instituições estão a aderir.