Clara Barata, in Jornal Público
Todos os anos, uma forma da doença capaz de resistir a quase todos os antibióticos atinge 40 mil pessoas, e em 2006 diminuiu a eficácia a detecção da infecção
A tuberculose matou 1,7 milhões de pessoas em 2006, o último ano para o qual existem dados, diz um novo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas o progresso que se vinha a fazer no diagnóstico da doença, que estava a crescer a seis por cento ao ano desde 2000, baixou para apenas três por cento. Na maioria dos países africanos, os programas nacionais de luta contra a tuberculose não registaram qualquer aumento na detecção de novos casos.
"Estes dados são preocupantes porque, quanto mais casos forem detectados no início, mais hipóteses há de interromper a transmissão e curar a doença", disse ao jornal The New York Times Mario Raviglione, director do programa de controlo da tuberculose da OMS. A única doença infecciosa que mata mais é a sida - e muitas vezes as duas juntam-se num cocktail mortal: 200 mil das mortes em 2006 deveram-se a essa combinação.
Resistentes a tudo "Estamos numa situação de grande incerteza, e não consigo acreditar que a situação esteja controlada", disse Raviglione, citado pela Reuters. Um relatório sobre as formas da doença resistentes aos antibióticos, divulgado no mês passado, pintava já um retrato preocupante: nunca foram tantos os casos de tuberculose capaz de resistir a quase todos os antibióticos do arsenal da medicina. Cinco por cento das novas infecções, todos os anos, são assim.
A situação de hoje seria impensável há dez anos: a tuberculose extensivamente resistente (conhecida pela sigla XDR) faz pelo menos 40 mil novas infecções em 45 países. Em alguns, mais de 23 por cento dos casos de doença são causadas por bactérias multirresistentes. A mortalidade ronda os 100 por cento, se não for tratada.
Todos os anos, 490 milhões de pessoas são infectadas com micobactérias da tuberculose resistentes a vários antibióticos (multirresistentes). Mas as 40 mil vítimas da tuberculose XDR (que é a forma mais extremada da multirresistência) têm de lutar contra uma infecção que resiste mesmo a todos os antibióticos mais recentes e mais potentes (isoniazida e rifampicina, bem como às fluroquinolonas e outras drogas injectáveis).
Desenvolveu-se devido ao uso indevido dos antibióticos - por exemplo, interromper o tratamento, que deve durar seis meses. Quando as bactérias se tornam resistentes, o tratamento leva dois anos - e é preciso usar antibióticos menos eficientes que, por serem menos utilizados, não geram tanta resistência. E se a forma normal da doença se trata com 20 dólares, os medicamentos para as formas multirresistentes oscilam entre 1500 e 15 mil dólares, a preços de mercado, diz o The Washington Post.
Em África, o continente onde a tuberculose é mais comum, só há informações parciais sobre a XDR em seis países. Falta pessoal médico e equipamento para distinguir as estirpes de bactérias que infectam os doentes, dizia o primeiro relatório da OMS que procura retratar a situação da XDR no mundo. Compila dados de 90 mil pacientes em 81 países, recolhidos entre 1994 e 2007.
Na Ásia Central e na Europa de Leste, a tuberculose multirresistente é um problema muito sério. No Azerbaijão, 28,9 por cento dos casos são multirresistentes. Em Bacu, a capital, 56,3 por cento dos doentes estão infectados com uma bactéria capaz de derrotar pelo menos um antibiótico. "Catorze dos 20 locais com mais multirresistência são em ex-repúblicas da União Soviética, e quatro na China", diz a OMS. "Estamos com grandes problemas em muitas zonas", rematou Mário Raviglione.