Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Representam 79 por cento do desemprego registado em Baião, o concelho com maior desigualdade de género depois de Pinhel
Não fosse o pai garantir tecto e comida, Cristina e o filho estariam em apuros. Tem 30 anos e está desempregada há quatro. Passa horas a bordar, a fazer renda ou croché à porta da casa animada por canteiros de flores. E tais lavores "dão nada". Acontece ganhar 1,50 euros numa tarde. Não é só ela. É ela, a mãe, a irmã.
Baião ocupa o segundo lugar no ranking de concelhos que mais penalizam o sexo feminino, com as mulheres a representarem 79 por cento dos desempregados registados em Janeiro (ver tabela). O presidente da câmara, José Luís Carneiro, remete para a "estrutura de valores muito discriminatórios", que, nos últimos 30 anos, um pouco por todo o país, tem vindo a enfraquecer. Foca a transformação de uma sociedade fechada, rural, numa sociedade aberta, de serviços.
Há mulheres que nem sequer chegaram a entrar no mercado de trabalho. Como a atormentada Maria, a quem o marido, adepto do "quero, posso e mando", nunca permitiu tal avanço. Só agora, que a vida familiar reclama maior orçamento, o temido homem cede. Até porque a pobreza suscita grande vergonha e essa vergonha mói mais, muito mais do que o desgosto de a saber empregada. E agora? Como arranjar o primeiro emprego aos 35 anos na depressão do Tâmega?
O presente do Tâmega, como traça o delegado regional do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), Avelino Leite, é também a reestruturação de indústrias tradicionais, como a confecção, que emprega sobretudo mulheres. E a entrada e a reentrada no mercado de trabalho "é mais difícil para mulheres com baixas escolaridade, fraca formação profissional". Os homens sempre tiveram a construção, a migração, nota Artur Borges, presidente do Centro Social de Santa Cruz do Douro. Ao domingo à noite ou à segunda-feira de madrugada desaparecem em carrinhas. O assistente social Duarte Carneiro vê a monoparentalidade aumentar - "Alguns homens vão para Espanha e arranjam lá outra família". Acontece mulheres, sem hábitos de trabalho externo, caírem, de forma abrupta, na pobreza.
Já não é a demanda de outros tempos, mas a escolaridade ainda é pouco valorizada em Baião. As raparigas tendem a abandonar escola ao encetar namoro com jovens que ingressaram cedo "no mercado de trabalho, têm algum poder de compra, carro", não apoiam a continuação do percurso escolar, indica o relatório preliminar do estudo O Impacte do (des) Emprego na Pobreza e Exclusão Social na Sub-Região Porto-Tâmega - Pistas de acção estratégicas. O alcoolismo assume--se como outro grande problema social: "Quase toda a gente produz vinho". Subsiste "uma tradição de consumo", associada a inactividade, acidentes de trânsito, violência doméstica. Como a que afecta Maria Dulce: "Tive 14 filhos, passei muita fome, levei muita porrada". Tânia, a filha mais nova, bebé ao colo, abandona a sala ao ouvir o rosário de lamentos.
Às vezes, falha a motivação. É a sobrecarga, a "esperteza" dos patrões, os baixos salários, a fraca rede de transportes públicos num concelho de povoamento disperso. Há mulheres arredadas há anos, como Cristina. A rapariga que agora borda à porta de casa trabalhou nove anos numa sapataria, lá em baixo, no centro da aldeia. De repente, rua. "Não houve descutimento" (sic). O patrão negou-lhe as duas horas destinadas a amamentar e ela virou-lhe costas, convencida de que não ficaria mal: a confecção despediu-a ao fim de 120 dias. "O menino era muito doentinho, tinha de faltar". O menino melhorou e ela ficou ali.
Numa parceria da autarquia com o IEFP, arrancou em 2006 um programa de formação profissional. Até agora, soma 101 formandos (95 mulheres) - em cantaria, cozinha, empregado de mesa, espaços verdes e jardinagem, geriatria. Há quem encontre esperança nestes diplomas que conjugam escolaridade e formação profissional. Como Graça, dez anos de exclusiva vida familiar: "O que eu quero é tirar um curso de Geriatria ou de auxiliar de acção educativa, estagiar num lar ou num infantário e ficar lá". A costureira está desempregada desde que por amor se mudou para Baião e o tempo que medeia o fim das lides domésticas e o regresso dos três filhos da escola ou do infantário preenche-se com "tédio".
Maria de Fátima vai bem mais adiantada. Já fez o curso de Geriatria e está a terminar o estágio no Centro Social de Santa Cruz do Douro. Aprendeu a posicionar um idoso, aprendeu a lidar com ele. "O curso foi muito importante - principalmente para mim, que gostava de estudar mais e os meus pais não deixaram. Fiquei com o 6.º ano, já viu? Já pedi para fazer o 9.º". Já antes estava no mesmo lar, a cumprir um Poc (Programa Ocupacional) de seis meses. Será que é desta que sai do ciclo vicioso? Há uma década que a vida da jovem e rosada viúva é isto. "Primeiro andava ao dia, depois casei-me. Aparecia um Poc, eu aproveitava".
Na Casa da Juventude decorre uma formação específica para 21 residentes que irão trabalhar na limpeza, na cozinha, na recepção e no restaurante/bar do Douro Palácio Hotel, a abrir em Maio. Marlene é um dos três formandos com formação superior. Terminou em Setembro a licenciatura em Turismo e Lazer, nunca pensou iniciar vida profissional ali, como recepcionista de um hotel, mas parece animada.