Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Ocorrências registadas pela PSP e pela GNR quase duplicaram desde que a violência doméstica se tornou crime público, em 2000
Não há uma semana de descanso, um dia de descanso, sequer uma hora de descanso. A cada duas horas, as forças de segurança registam cinco denúncias de violência doméstica. Por trás de cada registo há quase sempre uma mulher agredida por um homem com quem mantém ou manteve uma relação íntima.
Talvez seja um sinal de que "têm funcionado" as estratégias de combate a uma realidade minada pelo medo, pela vergonha, pelo silêncio, como tem amiúde reiterado Elza Pais, presidente da Comissão para a Igualdade de Género e da Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica. Nesta interpretação, conjuga-se uma maior consciência social de que a violência doméstica é um crime com um melhor sistema de apoio às vítimas.
A análise temporal revela que o número de denúncias quase duplicou desde que a violência doméstica se tornou um crime público, em 2000. As forças de segurança registaram 11.162 ocorrências em 2000, 12.697 em 2001, 14.071 em 2002 e 17.527 em 2003. A tendência de crescimento sofreu uma quebra: 15.541 ocorrências em 2004. Mas recuperou fôlego de imediato: 18.193 ocorrências em 2005, 20.595 em 2006, 21.907 em 2007. Do ponto de vista estatístico, os picos de 2003 e de 2004 não serão significativos. Os especialistas têm preferido ler a tendência. E essa mostra um aumento progressivo de denúncias.
Uma análise mais detalhada dos dados desnuda uma diferença nas zonas cobertas pelas diferentes forças de segurança. Na área da PSP, de 2006 para 2007 houve uma subida de 10,8 por cento: 11.638 para 13.050. Na área da GNR houve uma ligeira diminuição (1,1 por cento): 8957 para 8857.
Não se vislumbra justificação para esta variação. Como é costume - e facilmente entendível, dada a concentração de população - as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto concentram o maior número de casos. Só este ano a GNR perdeu as freguesias que cobria em Lisboa, Porto e Setúbal para a PSP.
As mulheres continuam a protagonizar o grosso desta forma de vitimação (mulheres de todos os estratos sociais - com idades compreendidas entre os 24 e os 54, sobretudo). E os homens continuam a assumir a figura do agressor. Aqui, a desigualdade apreende-se numa frase: 90 por cento de agressores homens; 86 por cento de vítimas mulheres.
Pegue-se nos dados da GNR para melhor desmontar esta realidade: o ano passado, 8592 dos 8857 casos de violência doméstica contabilizados pelos núcleos Mulher e Menor correspondem a violência conjugal. Os registos da PSP corroboram, por completo, com este peso das relações amorosas: 76 por cento das agressões opõem cônjuges ou análogos, dez por cento ex-cônjuges ou análogos.
21.907 foi o número de ocorrências registadas pela PSP e pela GNR em 2007, mais seis por cento do que no ano anterior, conforme informação destas forças de segurança.