Sílvia Maia, Lusa, in Jornal Público
O melhor é o silêncio nas escolas. Pois como explicar a uma criança que não é convidada para a festa de anos ou para dormir em casa do colega porque tem HIV?
Mais de 250 crianças têm HIV ou sida em Portugal. Muitas andam na escola, onde ninguém sabe que estão infectadas. O vírus é escondido, por decisão dos pais e aconselhamento dos pediatras e associações, que temem o estigma e a discriminação.
Sabem que estão doentes, que tomam mais medicamentos do que os outros meninos e que requerem cuidados especiais. Sabem tudo isto porque alguém lhes ensinou. "Mas como é que se explica a uma criança que não foi convidada para uma festa de anos porque está infectada com HIV?", pergunta Margarida Martins, da Associação Abraço.
Até Dezembro do ano passado, 92 meninos até aos nove anos foram notificados como tendo sida e 175 estavam infectados com o HIV. A maioria recebeu esta pesada herança da mãe, por transmissão vertical, segundo o último relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Hoje andam na escola, onde o vírus se esconde nos recreios, longe dos mitos e tabus que se construíram.
A inexistência de convites para ir dormir a casa dos amigos ou a denominação maldosa por parte dos colegas de "sidoso" e "filho de sidoso" são algumas das situações relatadas à agência Lusa. Em tempos, foram conhecidas as manifestações de pais que exigiam a saída de crianças infectadas das escolas dos "seus" filhos. Hoje, em prol do bem-estar dos mais pequenos, a doença tornou-se silenciosa.
O vírus social
"Existe um vírus social que tem de ser eliminado, mas não pode ser à custa das crianças. Os pais estão mais calados porque não querem usar os seus filhos para fazer frente à discriminação, que existe", explica a presidente da Liga Portuguesa Contra a Sida, Maria Eugénia Saraiva.
Por isso, naquela associação que lida com pais de crianças infectadas há 18 anos, o conselho vai no sentido de omitir a informação para não expor os mais pequenos.
Na Abraço, a sugestão dada aos educadores vai no mesmo sentido: "Os pais só avisam a direcção da escola quando confiam muito nela. Mas não dizem a mais ninguém, porque sabem que há discriminação", corrobora Margarida Martins.
E é precisamente esta situação que leva também o presidente da Secção de Infecciologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria, José Gonçalo Marques, a concordar com a manutenção do segredo no seio da família, para evitar o risco de a escola não respeitar a confidencialidade, provocando situações discriminatórias.
O especialista admite, por um lado, que, se o estabelecimento de ensino tiver conhecimento, poderá lançar um alerta rápido caso apareça uma doença contagiosa para a qual estas crianças têm maior susceptibilidade. É também possível facilitar a administração de medicamentos ou até de tratamentos profilácticos após contacto com sangue.
O conhecimento dos responsáveis escolares permite ainda estruturar um apoio especial no que toca a nutrição, educação e apoio social.
Mas, ponderados os prós e os contras, o pediatra conclui que "as crianças bem controladas em termos médicos, assintomáticas, sem necessidade de apoio especial, têm infelizmente mais a perder do que a ganhar enquanto esta doença cobardemente acarretar um estigma".
Apesar de o risco de contaminação entre colegas ser praticamente nulo, as crenças e os mitos em torno do HIV transformaram-se numa arma contra os mais pequenos.
José Gonçalo Marques garante que "não há casos documentados de transmissão do HIV em escolas ou creches, nem por picada acidental".
Ainda assim, continua a haver pais que não querem que os seus filhos partilhem escola com uma criança infectada, "com medo de que possam ferir-se no recreio e contaminar", lembra Amílcar Soares, da Associação Positivo, que também aconselha os encarregados de educação a omitir o quadro clínico da criança enquanto não houver uma mudança radical de mentalidades.
Todos os especialistas contactados sublinharam a importância das amizades, da partilha de alegrias para estas crianças e lembraram que as lágrimas, saliva e suor não são infectantes. "O HIV é um vírus de baixa transmissibilidade, pelo que se recomenda que no lidar com estas crianças se tenha as mesmas precauções que se tem com todas as crianças ou adultos", defende o pediatra José Gonçalo Marques.