Clara Barata, in Jornal Público
A ONU pede ajuda urgente para prestar auxílio alimentar aos países onde há fome, porque as pessoas não têm dinheiro para comprar as comidas básicas
É uma tempestade perfeita aquela que o mundo está a viver devido ao aumento do preço dos cereais: vários factores, cada um grave só por si, estão a conjugar-se para deixar os países mais vulneráveis à beira da fome. Por isso, o Programa Alimentar Mundial fez um apelo extraordinário aos doadores para conseguir nas próximas quatro semanas os 500 milhões de dólares necessários para evitar o racionamento da ajuda alimentar nos países que mais precisam dela. O Iraque, o Afeganistão, o Zimbabwe ou a Somália estão entre os que mais estão a precisar de auxílio.
O diagnóstico da origem desta tempestade perfeita está bem delineado. Por um lado, as economias em desenvolvimento procuram cada vez mais cereais, para a alimentação humana e também para o gado, já que a carne faz cada vez mais parte do seu menu. Por outro lado, assistiu-se nos últimos dois anos a um desvio importante do milho americano para produzir biocombustíveis, que emitem menos dióxido de
carbono.
Juntam-se a estes factores uma série implacável de fenómenos meteorológicos extremos (secas e cheias), relacionados com as alterações climáticas, que reduziram muito as colheitas nalgumas áreas. Finalmente, a subida do preço do petróleo reflecte-se nos custos da produção de cereais, aumentando ainda mais o preço para o consumidor.
Esta conjugação está a tornar-se dramática: em Fevereiro, o Programa Alimentar Mundial (PAM, a agência das Nações Unidas que lida com a assistência alimentar) anunciou que teria de racionar os alimentos devido ao aumento dos cereais.
Em 2007, estimava-se que seriam necessários 2900 milhões de dólares; mas a escalada dos preços levou a uma revisão da estimativa para 3400 milhões. Faltam pelo menos 500 milhões de dólares para conseguir alimentar 73 milhões de pessoas em 78 países - mesmo assim, menos de um décimo das pessoas com fome no mundo.
Foi por isso que Josette Sheeran, directora do PAM, escreveu uma carta esta Páscoa aos grandes doadores, pedindo ajuda urgente. "Pedimos ao seu Governo que seja tão generoso quanto possível para nos ajudar a fechar esta diferença - que era de 500 milhões de dólares a 25 de Fevereiro, mas cresce diariamente", citava o jornal Financial Times.
O país que mais contribui para a ajuda alimentar mundial são os EUA (1100 milhões de dólares no ano passado). A seguir vêm a União Europeia (250 milhões) e o Canadá (150 milhões). O valor real do défice do PAM deve rondar agora os 700 milhões, adianta o Financial Times, dado que os preços dos alimentos subiram 20 por cento nas últimas três semanas e o preço do petróleo ultrapassou os 100 dólares.
O novo rosto da fome
As Nações Unidas não são as únicas a lançar o alerta. Numa entrevista ao semanário suíço NZZ am Sonntag, o patrão da Nestlé, o maior produtor industrial de alimentos, alerta contra o fabrico de biocombustíveis a partir de cereais. "Falam em que 20 por cento das necessidades sejam cobertas por combustíveis; assim, em breve não haverá nada que comer", disse Peter Brabeck.
Os números da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO) das Nações Unidas apontam para um crescimento na produção de cereais - pelo menos do trigo, que é o cereal mais consumido em todo o mundo. Mas as reservas de trigo são as mais baixas desde 1983, e não há indícios de que os maiores produtores retomem a capacidade de exportação.
Para perceber como os preços do trigo têm subido, pode dizer-se que, em Dezembro de 2007, o preço da tonelada de trigo nos EUA atingiu os 381 dólares - quase mais 50 dólares que em Novembro. Quanto ao arroz, o segundo cereal mais procurado, os preços subiram 14 por cento entre Setembro e Dezembro de 2007, diz a FAO. "Este é o novo rosto da fome", disse Sheeran ao jornal britânico The Guardian. Há comida nos supermercados, mas as pessoas não têm dinheiro para a comprar. As zonas urbanas são vulneráveis como nunca se viu", acrescentou.
O que fazer para aliviar esta situação? Os peritos dizem que os preços altos dos cereais são para continuar. Deixar de pensar em usar cereais para fazer biocombustíveis ajudará, mas é preciso abrir novas áreas para plantar. O Banco Mundial e a FAO estão a tentar recuperar para a produção 13 milhões de hectares de terras agrícolas abandonadas no Cazaquistão, na Rússia e na Ucrânia.