Abel Coentrão (PÚBLICO) e Carla Marques (Rádio Nova), in Jornal Público
O processo de reestruturação da indústria nortenha ainda vai durar algum tempo, com repercussões ao nível do desemprego. Mas a região vai tendo consciência das alternativas
Licenciada em Relações Internacionais Económicas e Políticas pela Universidade do Minho e ex-directora de marketing da antiga bolsa de Lisboa e Porto, Cristina Azevedo desenvolveu, em oito anos na CCDR-N, seis dos quais como vice-presidente, uma visão estruturada dos problemas da Região Norte e das formas de os atacar. Nesta entrevista, deixa pistas sobre algumas das prioridades da comissão: apostar na diversificação da economia - através do desenvolvimento de sectores como o da saúde e dispositivo médico e o das indústrias criativas, por exemplo - sem abandonar a atenção de que necessitam os sectores tradicionais, como os têxteis, o calçado e o vinho, que será alvo de um projecto específico.
PÚBLICO/RÁDIO NOVA - Nestes anos que leva na CCDR, a região não tem conseguido acompanhar o nível de crescimento económico do país, que nem sequer é muito famoso. Ainda acredita que haja futuro para o Norte que não seja o de mais e mais desemprego e estagnação económica?
Cristina azevedo - Absolutamente. Não consigo sequer imaginar outra coisa. Estamos numa região que vale 28 por cento do PIB [produto interno bruto] nacional, 34,3 por cento do emprego, 35,4 por cento da população, que é provavelmente o dado mais importante. Porque de facto nós temos o que muitos territórios não têm. Temos gente e temos gente nova. E mais do que isso, temos progressivamente gente cada vez mais qualificada. É verdade que não conseguimos encontrar ainda formas de fixar os melhores, permanentemente. Mas estou convencida de que isso vai ser possível, e que a região está simplesmente a atravessar uma crise que outras regiões atravessaram, com situações até bem mais difíceis, como foi o caso espanhol, com taxas de desemprego muito maiores.
Parece-lhe então que o desemprego, mais do um falhanço das políticas para a região, é simplesmente um sinal de que as mudanças estão de facto a acontecer?
Com certeza. Reparem: a vantagem competitiva de uma mão-de-obra barata obviamente que não podia durar. E durou, provavelmente, tempo demais. Neste momento os nichos de mercado são outros e é para eles que têm de produzir os nossos sectores ditos tradicionais - que são de eleição do ponto de vista do emprego e da renda que garantem. Mas têm de ter mais valor acrescentado e mais gente qualificada. E estão a evoluir para aí. O calçado e o têxtil são sectores que começam a dar sinais consistentes de que estão a seguir essa via, mas libertam pessoas menos preparadas.
Mas o que é que está a falhar?
O tempo. A reestruturação industrial é sempre um processo complicado. E até julgo que a qualidade da nossa produção jogou um bocadinho contra nós. Tivemos um mercado fiel durante demasiado tempo. E os empresários não mudam se não tiverem motivação para mudar, pelo que aguentaram até ao limite em que a nossa mão-de-obra barata deixou de ser competitiva. É uma mudança violenta. E é nossa responsabilidade colectiva fazer a mudança.
Mas temos também de dizer às pessoas que esta fase ainda vai durar. Não?
Demora. E é perigoso, difícil e quase irresponsável gerir expectativas de curto prazo. O que temos de fazer é monitorizar se aquilo que estamos a fazer vai no bom caminho. Apesar de tudo, as últimas contas trimestrais reveladas pelo INE - são de 2005, é verdade - mostram que estamos num crescimento acima da média do país, pela primeira vez nos últimos anos. Espero que quando soubermos as de 2006 e 2007 os resultados sejam ainda melhores. São processos longos, e mentirá quem disser que não é assim.
Entretanto, o que é se faz a essas dezenas de milhares de pessoas que não têm hipótese de encarar um mercado de trabalho mais exigente?
Essa é uma pergunta que não tem uma só resposta, porque nós temos um perfil muito variado de desempregados. Se nuns casos há lugar para políticas assistencialistas e reformas antecipadas, noutros há espaço para a reconversão. Há sectores que precisam de mão-de-obra que não é de topo. Os sectores do turismo e da construção podem absorver parte dessa mão-de-obra.
E as várias estruturas de poder estão a trabalhar em conjunto para fazer do turismo essa aposta de que fala? Há sinergia?
É deficiente. Estamos perante um conjunto de fenómenos muito complexos, que surjem em simultâneo. Temos subespaços no Norte que emergem como destinos de alta qualidade - o Douro e o Minho-Lima - pelas suas características ambientais. A CCDR criou em Lamego - não no Porto ou em Lisboa - uma escola de turismo, que está a qualificar um conjunto significativo de jovens que vão dar apoio aos complexos turísticos que estão a nascer. Agora, estamos em cruzeiro, estamos a fazer um caminho. Mas as soluções estão instaladas. Não podem é produzir resultados de um dia para o outro.
É vogal da comissão executiva do Programa Operacional do Norte, que tem 2700 milhões de euros para ajudar a região a dar o salto até 2013. Estamos numa fase inicial, mas pode dar-nos uma ideia de projectos, das prioridades?
O programa é diferente dos anteriores. Está estruturado em torno de duas ideias fundamentais, sendo que uma tem mais peso do que a outra. Incorpora a agenda para a competitividade, e cerca de mil milhões de euros são dedicados à competitividade da actividade produtiva: das empresas (quase 400 milhões de euros), das infra-estruturas de contexto, como os parques empresariais, ciência e tecnologia, e das instituições de investigação e desenvolvimento.
Pólo de competitividade para a saúde vai ter sede na CCDR
Das várias vertentes, qual lhe parece ser a que mais impacte poderá ter na mudança do perfil produtivo da região?
Há uma nova forma de fazer política económica, e de fazer política económica de base regional, que é o que o país precisa. Não tenho nada contra a captação de Projectos de Interesse Nacional, os chamados PIN, para o Norte do país - julgo até que estamos a ser desfavorecidos nessa matéria e que temos que recorrer a metodologias tipo chave-na-mão para atrair investidores estrangeiros -, mas talvez mais importante do que isso seja um olhar para os clusters que já existem, e os que podem vir a nascer.
A CCDR-N tem ajudado a atrair a atenção sobre um desses clusters, no caso o da saúde e dos dispositivos médicos.
No que diz respeito ao pólo de competitividade para a saúde - que vai dar origem a uma entidade e a uma marca, que serão anunciadas brevemente -, a CCDR teve como objectivo usar as competências de planeamento regional em favor de uma política económica que visa potenciar aqueles que são os recursos diferenciadores da região. E na saúde, ao contrário do que possa imaginar quem estiver menos atento, há factores diferenciadores que nós identificamos desde a actualização do diagnóstico prospectivo feita em 2005: a presença da maior farmacêutica do país, a Bial, os 1800 investigadores, 700 dos quais doutorados, instituições de referência na área da investigação, como os três institutos que deram origem ao I3S [Instituto de Investigação e Inovação em Saúde], e que com este processo de fusão se dimensionam para competir à escala global... Havia todas as razões para juntar estes agentes e pô-los a criar mais negócio, através de um fluxo mais rápido entre o que se investiga e o que se produz.
E onde é que podemos chegar com este pólo de competividade?
Poderemos produzir novos fármacos, novos dispositivos médicos. O quê, exactamente, dependerá dos parceiros que se estão a envolver, e que manterão um grande nível de confidencialidade nos seus projectos. O pólo não vai dizer o que se deverá fazer, criará é um ambiente propício à multiplicação de negócios. E poderá fazer outra coisa muito importante, que é criar uma marca e posicionar o país, como aconteceu com o projecto de Oresund (Sul da Suécia e Norte da Dinamarca), que juntou instituições dos dois países no Medicon Valley.
O professor Sobrinho Simões admitiu há tempos que o projecto se poderia chamar Bio Atlantic Health Cluster. É essa a marca?
A comissão patrocinou um estudo de branding, e há uma short list, na qual se inclui essa designação. Mas neste momento não há uma decisão tomada.
Qual vai ser o modelo de gestão deste projecto?
Será criada uma associação privada sem fins lucrativos, na qual a CCDR terá um papel recuado, de observador. O pólo vai funcionar na sede da comissão, mas a sociedade será gerida pelos restantes parceiros: as empresas, os hospitais, os centros de investigação, num número mais alargado do que o que foi dado a conhecer no ano passado. O grupo de fundadores que trabalharam nisto nos últimos dois anos tinha nove elementos, e é de âmbito nacional, já que inclui o Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, o Instituto de Medicina Molecular e a farmacêutica Hovione, de Lisboa. Não podíamos confinar isto a uma área à volta do Porto. O grupo de fundadores, só por si, valia já 350 milhões de euros em volume de negócios e tem mais de 3000 pessoas a trabalhar, a maioria delas muito qualificadas.
Acredita que com este projecto se consiga fixar na região alguns dos cérebros que ela tem deixado escapar?
É evidente que sim. E se falharmos nisso, falhamos no mais importante. Esta área reclama gente de altíssima qualidade. Julgo que podemos pensar em avançar no futuro para um cluster físico, onde possamos instalar centros de investigação e desenvolvimento de empresas desta área.