in Jornal Público
Egipto de novo à beira de uma "revolta do pão"
O aumento do preço do pão não subsidiado e de outros alimentos está a deixar o Egipto à beira de uma revolta social, alerta a imprensa árabe e ocidental. Confrontos à porta de padarias causaram pelo menos 50 mortos nos últimos meses, e o Presidente, Hosni Mubarak, foi obrigado a requisitar os fornos do Exército numa tentativa de prevenir motins como os que abalaram o país em 1977.
Embora a maior parte do pão seja subsidiado, o que tem preço livre aumentou mais de 26 por cento desde 2007, o que penaliza sobretudo os mais pobres - um em cada cinco egípcios vive com menos de dois dólares por dia, segundo a Al-Jazira.
A escassez de pão deve-se ao facto de o custo da farinha ter triplicado nos mercados mundiais desde o Verão passado e à subida da taxa de inflação no país, que atingiu os 12,5 por cento em Fevereiro. E esta é uma estatística oficial, porque economistas, como Ahmed al-Naggar, do Centro de Estudos Estratégicos de Al-Ahram, do Cairo, desconfiam que é superior.
O pão subsidiado, dez a 12 vezes mais barato do que o que não tem comparticipação do Estado, permite a sobrevivência de metade dos 78 milhões de habitantes do Egipto.
A carestia de vida (as despesas de casa cresceram uns 50 por cento em três meses e alguns produtos alimentares sofreram um agravamento de preços de 122 por cento desde 2007) está a afectar várias classes profissionais. Trabalhadores têxteis, médicos, professores e contabilistas ameaçaram fazer greve e já houve paralisações pontuais.
Refere a AFP que o salário de um clínico geral é de cerca de 25 euros por mês, "o que não dá para comprar quase nada". O sindicato reclama um ordenado equivalente a 140 euros.
Consciente ou não da gravidade da situação - em 1977, o fim dos subsídios gerou protestos de que resultaram pelo menos 70 mortos -, certo é que Mubarak decretou que os fornos ao serviço dos militares cozam pão para os que mais necessitam. O Presidente ordenou também ao Governo que lance uma campanha para travar o "aumento descontrolado da taxa de natalidade" - em 2020 a população será superior a 100 milhões -, que se reflecte negativamente em vários serviços: falta de água, de casas, de hospitais, de escolas, de empregos.
20% dos 78 milhões de habitantes do Egipto vivem abaixo da linha de pobreza de dois dólares por dia, segundo o Banco Mundial. E 4 por cento vivem em extrema pobreza.
Quem mais sofre
A escalada dos preços castiga os consumidores
Em Janeiro, o Presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, apelou a doações no valor de 77 milhões de dólares para ajudar a garantir comida para 2,5 milhões de pessoas que estão a passar fome por causa da subida do preço dos cereais. Um Inverno especialmente duro agravou em mais de 70 por cento o preço da farinha de trigo no país durante o ano de 2007.
A Rússia congelou os preços do leite, do pão, dos ovos e do óleo para cozinhar por seis meses; a Tailândia está a considerar uma medida semelhante.
No Paquistão há racionamento de cereais, pela primeira vez em duas décadas, e faz-se tráfico de farinha.
Na Índia, o Governo proibiu a exportação de arroz, excepção feita ao arroz basmati, de alta qualidade.
Na Indonésia houve protestos devido aos preços dos cereais, e o Governo aumentou em um terço o valor dos subsídios alimentares.
O Zimbabwe é um dos países africanos mais afectados pela subida do preço dos cereais, pois tem uma inflação anual de 100.000 por cento e a taxa de desemprego ronda os 80 por cento.
Vários países da América Latina, como El Salvador, correm o risco de ver a fome generalizar-se, pelo menos em algumas áreas, pelo efeito conjunto de grandes cheias e da subida dos preços dos cereais.